Cartas para Hope

Minha amada, Hope.

Por algum motivo eu sempre começo minhas cartas dessa forma, não sei se por falta de criatividade ou por apenas não saber expressar o que sinto de outro modo. Tenho alma de soldado, não de poeta. Minhas letras grosseiras sempre encontraram dificuldade em serem postas no papel; cresci segurando espada e escudo, não uma pena.

Escrever me acalma... traz à memória a imagem de uma bela mulher me ensinando. Muitos dias gastos para fazer caber cada palavra nessa cabeça de lata, para fazer brotar toda a poesia que faltava a este velho cavaleiro. Nem toda a Normandia conseguiria tirar isso de mim.

Só aprendi a escrever quando adulto, tudo o que brota da pena são cópias baratas das letras que decorei forçadamente; que você me fez decorar. São duras e entrecortadas com falsos floreios, mas você nunca encontrou dificuldade em entendê-las, por isso sigo escrevendo.

Evocar minhas memórias de casa me ajudam a suportar tudo isso; torna mais fácil vestir a armadura, mais leve o escudo e a espada, e menos absurdas as vontades de nosso Rei.

Partirei amanhã para o Norte, os normandos continuam a atacar nossas terras e Vossa Alteza me incumbiu de rechaçar os infelizes. Este é meu último ano como servo da coroa, depois disso acho que terei de me contentar com a companhia de minha bela esposa, ao invés da agradável presença de invasores normandos e soldados insatisfeitos. Oh, que terrível.

Hoje o dia amanheceu cinzento, temo que a chuva caia forte no caminho para o norte. Os homens reclamarão e os cavalos se cansarão rápido. Não quero lembrar de todo o trabalho a fazer antes de partir, espero que o Rei normando entenda seu lugar e desista dessa guerra estúpida. Me cansa pensar que essa contenda tenha durado tanto tempo.

Minha juventude se passou e ainda luto a mesma guerra. Não tenho mais força para isso, nem a paciência necessária...

Paciência... algo que vem tão facilmente a você, mas que escapa a mim. Sinto não ter aprendido o suficiente com você, talvez possa me ensinar quando eu botar os pés de volta sobre a soleira da nossa porta.

Já posso ouvir o rangido da madeira sob meus pés. E ouço também o lembrete de que eu esqueci de arrumar esta mesma tábua solta. Quanto tempo estou longe de casa? Temo ter perdido mais coisas do que posso recuperar.

Como estão as crianças? Ainda amargo ter perdido o casamento de nossa filha, ou nem ter tido tempo de conhecer seu marido. É estranho ter um desconhecido pendurado no galho de nossa pequena família. Tenho que me lembrar de encontrar um presente para a não mais tão pequena Sophie.

E Thomas? Cresceu muito desde o último inverno? Desta vez chegarei antes que o outono derrube a primeira folha do velho carvalho e levarei comigo o presente para o sétimo aniversário de nosso menino. Ele ainda gosta de cavalos? Lembro de vê-lo animado os vendo correr pelo pasto, mas já não sei se isso ainda o alegra. Crianças tendem a se apaixonar na mesma velocidade em que esquecem suas paixões.

Pedi para que Carlan entalhasse um cavalo de madeira para ele, isso me custou muita dor de cabeça, mas vai valer a pena ver um sorriso brotar disso. Me recuso a lembrar do que o garoto me pediu para escrever a sua esposa, ainda rindo de mim e me chamando de puritano.

Não lembro de sermos tão afoitos... ou talvez fossemos e minha memória esteja começando a falhar.

Mas não o culpo, não de verdade, o menino cresceu como eu. Vejo nele o meu próprio rosto, mais até do que vejo em nosso Thomas. Felizmente nosso menino herdou o seu sorriso e não o meu.

Carlan é um bom homem, apesar de ser jovem e despreocupado. Já nem lembra o pirralho que encontramos na Mércia, sujo e coberto de feridas. Acho que tinha quatorze na época. Ainda lhe falta separar o cérebro e o coração do que guarda nas calças, mas devo a ele mais do que uma vida pode pagar. Ele está em um bom caminho. Se nosso filho tiver metade da honra que este pirralho possui, então terei feito um bom trabalho.

Hope, minha amada. Espere um pouco mais, logo poderemos ver lado a lado o velho carvalho perdendo as folhas. Quero desenhar na casca os nossos nomes, como fizemos quando jovens. Quero que Sophie e Thomas desenhem seus futuros nele também.

Nem consigo pensar na saudade que oprime meus pensamentos, minha mente se derrama no papel toda noite, se não para ti, para nossas crianças. Cada palavra escrita me lembra que ainda tenho muito a proteger.

E seu coração vai comigo para onde eu for. Prometo devolvê-lo em segurança, e peço que guarde o meu por mais algum tempo, enquanto estiver em suas mãos, arma alguma conseguirá feri-lo.

Esta será a última carta enviada antes do confronto com os normandos. Suportar o peso da Inglaterra exige demais de meus ombros fracos. Passei tempo demais atrás desse escudo, está na hora de ir para casa.

De Phillip para Hope.