Um conto medieval

O ano era 1420. Na época, conhecida como Idade das Trevas, o sistema era incrivelmente patriarcal. Guilherme ostentava o seu nome como um escudo, já que sempre lhe fora contado que o atribuiam ao significado proveniente de origem germânica, que significava “aquele que se encontra sob a proteção de Vili”, onde Vili seria um deus nórdico e germânico, irmão de Odin. Sentindo-se permanentemente protegido e vivendo em Rhotemburg ob der Tauber desde a infância, vivia em um enorme castelo em estilo gótico com seus pais e uma carreta de serviçais que os atendiam a qualquer tempo. O castelo era um dos mais atraentes na região da Baviera. A cidade contava com inúmeras muralhas e telhados todos rubros, dando significado ao apelido de “Fortaleza Vermelha”. Nunca faltara nada à Guilherme, a não ser a realização de seu sonho: tornar-se o melhor cavaleiro do país para chamar a atenção de Cateline, uma linda camponesa, filha de um dos principais serviçais do castelo, de nome Ridav. O encanto se deu desde o primeiro encontro e, mesmo sabendo que os pais jamais permitiriam a aproximação, Guilherme sonhava em tê-la em seus braços. Foi através de Ridav que Guilherme soube que ela sonhava, desde menina, em casar-se com um lindo cavaleiro medieval. Não precisou de muita imaginação para entender que seria essa a atividade que a encantaria, já que a sua aparência física não era das mais atrativas. Tinha pele craquenta e nariz comprido, que o conferia um aspecto um tanto mundano. O abismo social entre os dois gritava: ele teria que renunciar à realeza para unir-se ao povo, nada fácil na época. Mas o amor, ah o amor, era o que o movia, possivelmente porque em termos de atividades ela não tinha absolutamente nenhuma, restando tempo suficiente para sonhar com a sua camponesa. Como filho único, conheceu o mundo como infante. E, como infante, ficaria até a morte do seu pai, sabia disso. Aos 18 anos sentia-se tão solitário que chegou a pensar em residir em um mosteriro, para que com outros homens pudesse interagir e, quem sabe, entender o louco amor por Cateline. Não ousou falar nada com seus pais e, como sempre, resignou-se com a possibilidade.

Ele sabia que Cateline dedicava-se às atividades agrícolas com boa autonomia na pequena propriedade da família, já que possuia todos os instrumentos de trabalho necessários. Provia, junto com a mãe e a irmã mais nova, o sustento da família para auxiliar o pai que, embora fosse um dos serviçais mais conceituados do castelo, recebia muito pouco.

Em Rhotemburg ob der Tauber o eixo gravitacional da vida da Igreja era evidente, já que era cidade do interior. A Europa conhecia um efetivo processo de ruralização econômica e era no campo que eram encontradas as maiores parcelas da população europeia.

Face aos domínios da Igreja, os bispos e abades eram vistos como alguns dos principais senhores feudais da Europa, propiciando um grande distanciamento dos pobres.

Cateline, pelo distanciamento e a necessidade de acreditar em algo, passou a seguir um feiticeiro de nome Jahnan, acreditando que a sua concentração mental era capaz de produzir fatos desejados. Ela realmente acreditava que o homem era uma fonte de energia e que, através da sua vontade, poderia ser orientado para atuar tanto no bem quanto no mal. E também entendia que esse gênero de energia poderia ser considerada a maior de todas as energias cósmicas, podendo ser emitida conscientemente pelo homem, dando vida e movimento às coisas e seres. E assim profetizava em casa com a família, e viviam bem, sempre em constante harmonia. Muita fé e desejo era o seu lema e assim seguiu por toda a sua infância, quando já começou a entender o mundo e aproximar-se do amor.

Certo dia, no campo, sentiu a aproximação de Guilherme e, fitando-o nos olhos, tremeu da cabeça aos pés. Por um bom tempo ficaram se olhando até que Guilherme animou-se a iniciar a conversa. Com a boca trêmula confidenciou o seu amor à Cateline e anunciou o seu casamento com Belisa, a qual conhecia somente por um quadro pintado à óleo. Foi decisão de seus pais. Cateline, por sua vez, em prantos, confidenciou também o seu amor por ele e contou-lhe que havia menstruado 2 anos antes e que, em função do ocorrido, casaria com Mateus, com quem já namorava pelo mesmo período.

No campo mesmo, face à revelação de amor dos dois, sabedores da proibição de mudarem o curso das decisões tomadas, fizeram amor. Guilherme entendeu naquele momento que o dogma de que a Igreja era a negação do prazer estava desmistificado e, após, decidiram que Cateline seria serviçal de Guilherme e sua esposa, no sentido de ficarem mais próximos, tornarem-se amantes e romperem com todo e qualquer misticismo de que a vida era passageira e deveria ser seguida da forma mais próxima possível do que aconteceria no paraíso com Deus, resistindo a tentação da carne e obscurescendo o amor na sua versão mais profunda. Conscientes de que poderiam ser punidos por serem pecadores, afastaram-se um do outro com a certeza de que o que valeria mesmo era o amor do cavaleiro com a camponesa. O resto viraria silêncio.

Jan.2022

Rosalva
Enviado por Rosalva em 27/01/2022
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