O amor é azul

William desceu as escadas e na porta já tratou de abrir seu desnecessariamente enorme guarda-chuva, que poderia abrigar toda a seleção mexicana de futebol sem maiores dificuldades. William ainda cogitava mentalmente, com extensos e entediantes monólogos, motivos para se afastar de Alessandra de uma vez por todas. Essa por sua vez, provavelmente sem a sorte das caronas amigáveis, esperava na portaria a chuva diminuir para ir embora.

Quando William dobrou o corredor e se deu de cara com a garota de seus pensamentos (amargamente conflitantes), teve um milhão de impulsos musculares para dar meia volta e subir todos os 8 andares de escada novamente. Tal ação foi interrompida somente porque Alessandra de súbito, o lançou um olhar aleatório, e isso o travou indefinidamente. Quando o reconheceu, um sorriso de quem poderia finalmente ir para casa desembotou em seu rosto azulado pelo frio da ventania úmida.

— Não é possível, o quê diabos essa menina está fazendo aqui? — Sussurrou William para si próprio, enquanto se praguejava por ter se escondido no banheiro do oitavo andar por longos 50 minutos, inutilmente.

Ele notou o sorriso dela, e ainda sentiu que Alessandra já aguardava esperançosa seu convite de saída. Tramou um plano de súbito, decidiu tampar a visão dela (do rosto dele) inclinando levemente o seu gigantesco guarda-chuva negro com uma pontinha de ferro, e iria passar por ela fingindo que Sam não estava ali. Se desse sorte, Alessandra poderia estar tímida o suficiente para não ter a coragem de interromper seu caminho. Caso contrário, só o restaria ser extremamente frio com sua possível carona enquanto a acompanhava para casa.

Com isso em mente, William rumou com passos ávidos na portaria, indo veloz pela saída deixando rapidamente a menina para trás. Embora estivesse atrás de si, William pôde ver nitidamente o sorriso dela se desmanchando em frustração umedecida com lágrimas ou gotas fortes de chuva.

Ele deu risinhos mentais de comemoração.

“Nossa cara, ainda bem que você apareceu. Pensei que não ia poder voltar para casa.” Foi o que Alessandra disse assim que se abrigou debaixo do guarda-chuva de William.

— Que sorte que moramos perto, assim você pode me deixar exatamente na porta de casa. — Acrescentou Alessandra, enquanto cruzava braços com William, e o abraçava de forma a espalhar calor entre os dois. William ficara rígido no exato momento. Ainda gostava de Alessandra e continuava a não conseguir se manter relaxado perto dela.

— Eu fiquei conversando com o professor... — Disse ele se justificando desnecessariamente — Por que você ficou aqui até agora? Por que não foi com Guinevere?

— Fiquei te esperando. — Respondeu Sam sem cerimônia, enquanto desviavam de pingos de chuva e poças de água.

William sentiu um sentimento de culpa e remorso lhe tomar, a menina que ele se esforçava tanto para evitar ficou esperando por ele por todo esse tempo. William não pôde deixar de perceber que no fundo gostara de estar na companhia dela, e que dificilmente conseguiria se livrar dos sentimentos por ela. E que talvez andar na chuva abraçados não o ajudaria em nada a se desapegar. Isso o levou a pensar diversas vezes sobre de quem é a culpa da paixão. Seria daquele que cativa, ou daquele que permite ser cativado? Ou era um crime sem culpados, com apenas vítimas?

Na verdade, Alessandra não tinha culpa alguma. Não era culpada por ser gentil e afetuosa com aqueles que ela julgava serem seus amigos. E igualmente William, não pediu para se prender sentimentalmente a ela. E embora tenha tentado de tudo para se livrar desse sentimento, havia ainda a dúvida sobre o que fazer agora. Dividir essa dor com Alessandra se declarando para ela e talvez sendo rejeitado no processo? Ou engolir seco esse sentimento e tentar esquece-la e sofrer o dobro no processo da fuga? Ser sincero nunca foi alternativa...

— Não está sentindo frio, Alessandra? Onde está seu agasalho?

William olhou para seu lado e viu a imagem de sua amiga sendo castigada por ventos frios e brisas geladas, notou também que o braço dela permanecera gelado desde que ela se abrigou com ele e que a abraçar não ajudou quase nada a esquenta-la.

— Esqueci, pensei que ia fazer sol...

— Se quiser, eu tenho um moletom na minha mochila...

— Mas e você? Vai ficar sentindo frio?

— Meu corpo esquenta fácil quando caminho, então eu não preciso de agasalho.

Alessandra não ficou hesitando demais, aceitou o moletom de William e logo estava agasalhada. Colocou o capuz para bloquear um pouco a ventania e seu rosto aos poucos voltava ao rosa de sempre. Eles subiram o último morro enfrentando uma chuva que vagarosamente terminava, de modo que em certa parte do percurso, só sobrou as ruas molhadas e as nuvens nubladas no céu.

Por algum motivo, eles estavam conversando sobre bebidas quentes e animais fofinhos, quando Alessandra apontou para um portão cinza e disse:

— Até que enfim chegamos. — Se despiu do moletom e o devolveu a William. — Muito obrigada maninho, até segunda-feira. Não esqueça de me mandar o PDF do trabalho..

— Certo Sam, te vejo na segunda, se cuida...

O portão se fechou, e também o guarda-chuva de William. Instintivamente, tratou de vestir o moletom que tinha nas mãos e seguiu viagem. Quando chegou em casa, jogou a mochila no sofá e se lançou na cama, sonolento e perplexo. Mesmo que por pouco tempo, Alessandra conseguiu impregnar o moletom de William com seu cheiro, e William o sentia agora como se ainda estivesse perto de Alessandra.

O sono o tomou, e naquela noite ele teve um sonho bom, para variar...