Suave Noite De Setembro

-Boa noite! Eu sou seu vizinho aqui do lado.

Eu atendi a porta abrindo apenas a portinhola pois não conhecia aquele homem.

-Boa noite! Eu nunca vi ninguém nesta casa do lado. Moro aqui há seis meses.

-Sim. Eu quase não vinha. Mas agora vou morar aqui. Estou aqui há uma semana. É um prazer conhecê-la. Eu sou Arnaldo.

-Prazer conhecê-lo. Sou Andrea. Você precisa de alguma coisa? É um pouco estranho um vizinho vir se apresentar às dez horas da noite.

-Ah! Sim. Desculpe o incômodo. É que estou precisando de um pouco de açúcar E descer a serra a esta hora seria um transtorno. Será que poderia me arranjar um pouco? Trouxe a vasilha.

-Sim. Posso lhe arranjar.

Peguei a vasilha e sem abrir a porta fui buscar o açúcar. Voltei e entreguei a ele.

-Vejo que você está com um pouco de medo de mim.

-Não. Apenas não lhe conheço. Por isto não abri a porta.

-Entendo. Eu agradeço a gentileza. Boa noite!

-Boa noite!

Ele se foi e eu voltei ao livro que estava lendo.

Mudei para esta casa quando me divorciei. Sempre gostei deste lugar, uma linda serra de clima agradável e natureza exuberante e bem perto da cidade. Tranquilo para ir trabalhar e voltar. Um condomínio seguro onde eu me sentia protegida. A casa, que comprei há alguns anos, era muito confortável e aconchegante. Aqui enfrentei com serenidade uma separação muito difícil pra mim. Eu amava o meu marido e o nosso casamento de vinte e poucos anos era estável e feliz. De repente ele caiu de amores pela secretária e resolveu trocar nosso casamento por uma aventura. Mas eu estava me recuperando e levando minha vida. Aprendendo a viver sozinha.

Depois deste dia, via com frequência o vizinho e nos cumprimentávamos cordialmente.

Nos finais de semana eu sempre fazia caminhadas pelo condomínio curtindo a linda natureza, os pássaros e outros animais que existiam ali.

Num domingo estava chegando da caminhada e o vizinho estava cuidando do seu jardim. Eu o cumprimentei e fui passando.

-Andrea.

-Sim.

-Eu gostaria de retribuir a gentileza que você me fez.

-Não se preocupe com isso. De repente eu posso precisar que você também me faça uma gentileza.

-Eu lhe vejo sempre sozinha. Você mora sozinha?

-Sim. Parece que você também, não é?

-Sim. Eu separei de minha esposa há pouco tempo. Resolvi vir morar aqui. É muito sossegado. Estou achando até sossegado demais.

-Eu gosto. Amo este lugar. Vinha pouco pois meu ex-marido nunca gostou daqui.

-Então você também é separada? Coincidência. Minha ex também nunca gostou daqui. Vamos entrar um pouco.

-Não. Quero chegar em casa e tomar um banho. Caminhei muito.

-Tudo bem.

Eu fui embora. Arnaldo era um homem interessante, bonito. Estava sem camisa e eu me senti estranhamente incomodada. Parecia ter mais ou menos a minha idade.

Mais tarde eu me peguei pensando no vizinho. E imaginando aquele corpo definido eu tive pensamentos libidinosos. Mas voltei para os meus livros, minha música. Ele apenas foi gentil comigo, nada mais. Acho que estava mais carente do que imaginava.

Dias depois eu estava um pouco inquieta, peguei meu livro e me sentei na varanda. Vez ou outra olhava para a casa do Arnaldo. Até que ele saiu lá fora. Acenou pra mim. Eu sorri e quase o convidei pra vir conversar, mas fiquei na minha. Pouco depois ele veio até minha casa. Ficamos conversando ali na varanda. Eu percebi que ele era um homem inteligente e sensível. A gente se olhava com um olhar de cobiça e eu me sentia atraída por ele.

Era uma noite tranquila. Suave noite de setembro. O vento da primavera soprava manso. Um vento gostoso batendo no rosto, fazendo dançar os cabelos. A noite convidava a sonhar. Uma imensa lua no céu tornava a noite encantadora.

Fomos nos aproximando e nos abraçamos. Ele me beijou. Ficamos por muito tempo ali em silêncio, apreciando a noite. sentindo o toque um do outro.

Por fim eu disse que iria entrar. Ele se despediu e foi embora.

Eu me deitei e o sono fugiu. Um fogo me queimava por dentro. Rolava na cama e pensava naquele homem, naquele beijo, naquele toque de pele tão especial.

No final de semana eu saí pra caminhar e ele me esperava. Caminhamos juntos. Conversamos, rimos nos divertimos. O tempo estava frio, mas agradável.

Quando voltamos ele me chamou pra almoçar com ele. Disse que estava preparando um almoço e queria minha companhia.

Eu entrei com ele. Ele cuidava do almoço e tomávamos um vinho.

Fomos nos envolvendo e o vinho e aquele ambiente aconchegante contribuiu pra perdermos a cabeça e o juízo. E nos entregamos deliciosamente.

Começamos a namorar. Estávamos sempre juntos e eu apaixonada e feliz.

Quase um ano se passou e a gente estava cada vez mais apaixonado. Passávamos todo o tempo livre juntos. Parecia um sonho. Eu nem queria pensar no amanhã, vivia cada momento presente com ele e pensava que seria para sempre.

Mas um dia ele me veio com um papo que teria que voltar pra ex, apesar de me amar e querer ficar comigo. Ela estava precisando dele. Estava muito doente e precisava da presença dele. E ele não podia deixar de cuidar dela.

-Você não percebe que isto é chantagem dela, Arnaldo? Você não é médico.

-Mas ela está com um nódulo no cérebro. Ela precisa de mim.

-Ela precisa de um médico e de um enfermeiro e não de você. Não faça isso comigo.

-Eu preciso voltar pra casa. Não tenho como negar. Mas eu amo você. Você me espera?

-Como você tem coragem de me pedir uma coisa desta? Você volta pra sua ex e me pede pra lhe esperar? Acha que posso aceitar uma humilhação dessa?

-Você pode procurar me compreender.

-Não posso e nem quero.

Nos despedimos e ele se foi.

Eu passei dias deprimida, chorando, sentindo minha cama vazia e fria.

Aos poucos fui me recuperando.

Minha vida voltou ao normal. Mas sempre olhava aquela casa vazia e meu coração doía de saudade. Eu não o vi mais depois daquele dia

Alguns meses depois, quando cheguei do trabalho eu vi a luz na casa de Arnaldo acesa. Meu coração ficou aos pulos, mas passei e entrei em casa. Não merecia vê-lo ali com sua esposa.

Nem saí lá fora. No dia seguinte saí pra trabalhar sem nem olhar pra casa dele. À noite as luzes da casa dele estavam novamente acesas.

Dias depois a minha campainha tocou. Fui ver quem era e era ele.

-Boa noite! Eu sou seu vizinho do lado.

-Que brincadeira é essa?

-Boa noite!

-Boa noite! O que você quer aqui?

-Estou precisando de um pouco de açúcar. Poderia me arranjar?

-Que piada de mal gosto é essa? Vá procurar açúcar no inferno.

-Por que tanta grosseria?

-Não vou lhe dar açúcar pra você fazer um chá pra esposa.

-Quem disse que vou fazer chá pra esposa?

-Vá embora, Arnaldo. Você não tem o direito de vir me importunar, de vir me incomodar. Logo agora que eu consegui viver bem sem você.

-Conseguiu?

-Sim. Eu não quero falar com você e nem lhe ver. Esquece que eu existo. Não vou ser a outra pra você.

-Você não tem curiosidade de saber o que aconteceu?

-Nenhuma. Não me interessa.

Bati a porta na cara dele e voltei pra meus afazeres. Mas aquele reencontro mexeu comigo. Eu sentia a mesma atração e paixão por ele. Mas me mantive firme.

No dia seguinte quando cheguei do trabalho minha varanda estava cheia de flores. Vários cartões dele me pedindo perdão e declarando seu amor. Embora essa atitude dele tenha me deixado emocionada e mexida, eu entrei como se nem tivesse tomado conhecimento daquelas flores.

No outro dia, um sábado, eu saí bem cedinho pra caminhar e curtir a natureza. Olhei para as flores ali e sorri.

Quando estava voltando eu o encontrei.

-Andrea, eu quero falar com você. Por favor me ouça. Por tudo que vivemos eu lhe peço que me deixe explicar.

-Não quero explicação. Tudo que você tinha que me dizer, disse há seis meses quando me deixou e reatou seu casamento.

-Eu não reatei meu casamento. Durante este tempo não tive nada com ela. Só estive lá por causa da suposta doença.

-Suposta?

-Posso explicar?

Sentamos no gramado do jardim e ele me disse que ela nunca esteve doente. Usou deste artifício para que ele voltasse pra casa. Até que ele desconfiou e ao procurar saber viu que ela não tinha nenhum nódulo, não tinha nenhum problema de saúde. Ele então saiu de casa novamente.

-Eu disse pra você que ela estava fazendo chantagem.

-Eu devia ter ouvido você. Por favor, me perdoa. Eu amo você. Senti tanta saudade.

-Você me magoou muito. Eu não merecia você ter feito o que fez. Nada justifica você me deixar e voltar pra sua ex.

-Eu errei, mas não mereço que você me dê uma nova chance? Eu prometo que nunca mais vou lhe magoar.

-Daqui a pouco ela vem com outra chantagem e você cede novamente. Você é um fraco, não tem atitude, ela lhe domina.

-Você está me ofendendo.

-Então não aja como tal.

-Eu prometo.

-Eu vou embora.

-Não vai me dizer nada? Diz que me perdoa.

-Eu não consigo lhe perdoar. Você não sabe o quanto eu sofri quando você me deixou.

Saí e o deixei falando sozinho.

Nas próximas semanas ele tentou de todas as formas me reconquistar com mimos, lindas palavras e gestos que demonstravam o seu amor.

Numa sexta-feira ele bateu em minha porta com uma garrafa de vinho e um jantarzinho especial.

Eu que já estava quase cedendo, me entreguei de vez. Tivemos uma noite deliciosa e encantadora, cheia de carinho e prazer.

Reatamos mas não tivemos paz. A ex dele fez todo tipo de intrigas e escândalos, inclusive em minha porta. A princípio eu o pressionava a colocá-la no seu lugar. Mas depois vi que realmente ele jamais teria coragem de enfrentá-la. Então passamos a ignorá-la.

Jurei pra mim mesma que ela não conseguiria mais nos separar. Enfrentamos tudo de cabeça erguida.

Finalmente depois de muito tempo ela viu que de nada adiantaria nos infernizar.

Hoje somos aposentados e vivemos aqui na serra. Só vamos à cidade para as compras e alguma necessidade. Curtimos a natureza, as noites, o luar e o nosso amor a cada dia, sem pressa e sem pensar no amanhã.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 04/03/2022
Reeditado em 04/03/2022
Código do texto: T7465282
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