Proibido Pra Mim

Sua vida em minha vida era tudo o que eu queria

Seus braços para meus abraços

Sua boca para meus beijos.

Você foi se abrigar em outros braços

Minha vida ficou vazia.

Vou vivendo por viver

Sepultado, coração bate por bater.

Num papel amarelado pelo tempo, entre os guardados dela ali em sua mesinha de cabeceira, estavam manuscritas estas palavras.

Todos os dias eu passava algum tempo com ela, principalmente agora que ela estava adoentada. E sempre que eu abria aquela gaveta via aquele papel do qual ela não se separava.

Eu ficava curiosa. Mas nunca ousei perguntar.

Mas ela sempre notava a curiosidade em meus olhos.

O estado dela foi se agravando.

Um dia ela me pediu pra pegar aquele papel. Ela o segurava como se fosse uma jóia rara ou um amuleto. Ela começou a falar:

-Você acha essas palavras tristes?

-Tristes, mas belas.

-Nem sei se acho triste mais. Tanto tempo faz. Minha vida passou, passou a juventude, a exuberância, os sonhos.

-Nunca deixamos de sonhar e a juventude permanece mesmo quando o corpo já nem quer acompanhar mais.

-Talvez você tenha razão. Estamos nos aproximando do Século XXI. Quando eu nasci pouco mais de um quarto do Século XX tinha passado. Talvez eu nem veja a chegada do novo século. Você acredita em vida após a morte?

-Não muito, mas também não desacredito. São mistérios.

-E acha que a gente pode encontrar com pessoas que amamos nesta vida, após a morte?

-Talvez. Esta vida é muito passageira pra terminar tudo com a morte, não é?

-Se houver vida após a morte e se eu me encontrar com quem amei eu volto e lhe conto.

-E quem disse que você vai morrer antes de mim?

-Você é jovem, cheia de vida e saúde. E eu sou uma velha, doente e cheia de tristezas.

-Ser jovem não garante que não vamos morrer.

-Você ainda vai viver muito e ser muito feliz. Promete pra mim? Promete que vai esquecer aquele que não lhe mereceu e vai encontrar um amor que saiba lhe valorizar?

-Vou tentar.

-Depois que eu lhe contar a minha história, sei que você vai procurar ser feliz.

-Pois conte. Vou lhe ouvir com toda a atenção e zelo.

-Está vendo este papel que você sempre olha com curiosidade e tem vontade de me perguntar o que significa?

-Quem disse que eu tenho curiosidade.

-Seus olhos. Eu vivi muito, fui muito solitária. Aprendi a ler as reações das pessoas e principalmente o que dizem os olhos e o sorriso.

-Você é muito especial.

-Só não soube viver. Vivi presa ao meu mundinho.

-Como não? E todas as suas realizações? Quantas mulheres da sua geração fizeram o que você fez?

-Tudo que eu fiz foi pra fugir de mim mesma, de meus pesares. Mas na verdade tive muitos momentos felizes. Você vai entender que o amor não precisa razão e nem de se realizar pra ser feliz.

-Tudo o que você fez é porque é uma mulher inteligente, sensível, talentosa e inspirada.

-Você é muito gentil comigo.

Ela olhou aquele papel e como se nele estivesse passando um filme, começou a falar:

-Sabe, eu nunca fui muito bonita. Minhas irmãs eram bonitas, sabiam se vestir, se arrumar. Eu não, sempre fui um pouco desajeitada e desengonçada. Mas isto não era problema. Muitas mulheres não são belas.

Quando ia em festinhas e bailes eu nunca era convidada pra dançar. Mas eu fingia não me importar com isso. Aos vinte e dois anos eu ainda não tinha um namorado. Já estava ficando pra tia, naquela época as moças se casavam muito cedo.

Por esta época eu conheci um rapaz e pela primeira vez eu me interessei por alguém. Eu era professora e ele foi trabalhar na mesma escola que eu. Veio de outra cidade. Ele tinha lindos olhos verdes, um sorriso franco e aberto, tinha uma boa aparência e uma educação primorosa. A primeira vez que ele conversou comigo eu fiquei apaixonada. Mas ele parece não ter notado nada. Eu sempre ia conversar com ele e tentava fazê-lo entender que eu estava muito apaixonada. Mas ele não entendia ou fingia não entender.

Um dia eu o convidei pra ir a um baile comigo. Ele, muito gentil, aceitou o convite. Nós dançamos conversamos, nos divertimos. Ele me beijou e eu sonhei lindos sonhos de amor. Eu pensei que ele estava interessado em mim. Mas um tempo depois ele chegou pra trabalhar com uma aliança no dedo direito e contou pra nós que estava noivo e se casaria em breve.

Eu saí correndo dali. Fui chorar sozinha. Eu amava aquele homem e ele estava com outra. Iria se casar com outra.

Eu queria morrer, queria desaparecer. Ele foi o único homem que despertou meu interesse.

Quando ele se casou eu passei o final de semana todo chorando.

Trouxe a esposa. Eles foram morar próximo à minha casa. Eu não suportava vê-lo com ela.

Tinha que conviver com ele todos os dias na escola. Eu tinha uma vontade quase incontrolável de tocá-lo, de me declarar.

Eu sonhava com ele dormindo e acordada. Sonhava com ele me abraçando, beijando, sonhava com coisas inconfessáveis.

Por mais que eu tentasse esquecer aquele homem, aqueles olhos verdes, brilhantes e cristalinos, eu não conseguia.

Ele esteve presente em mim a todo instante durante toda a minha vida. Nem por um momento eu o esqueci. Nunca pensei que pudesse amar assim, um amor delirante e proibido pra mim. Nunca mais na vida outros olhos me atraíram. Nunca mais namorei ninguém.

Todos me perguntavam o porquê da minha solidão, mas ninguém nunca soube deste amor desvairado que me consumia, mesmo sabendo que ele jamais seria meu.

Ninguém jamais entenderia um amor de verdade. Um amor que só ama e nada cobra. Um amor altruísta que só sabe amar

Mas eu nunca fui triste. Só de poder contemplá-lo, conviver um pouquinho com ele pra mim já era uma felicidade. Ele sempre conversava comigo. Sempre fazia confidências de seu casamento infeliz, da sua insatisfação diante da vida. Ele era um homem inteligente e de uma sensibilidade enorme. E a vida nunca foi muito generosa com ele.

Você deve estar achando que sou louca, mas o verdadeiro amor resiste a tudo, tudo suporta e sua chama se mantém viva.

E naquele dia de tristeza ele partiu deste mundo. Dizem que tudo passa, mas não é bem assim. Meu coração guardou este amor mesmo depois da morte dele. Minha alma grita pra sempre o seu nome.

Vendo seu corpo ali inerte eu jurava a ele meu amor eterno e imaginava ver aqueles olhos verdes que tanto me encantavam.

Em minha retina ficou gravada a sua imagem lindo e sorridente e sua imagem inerte e frio.

Alguns anos se passaram e eu nunca o esqueci. Sempre fui fiel a ele na vida e na morte.

Agora eu estou aqui, quem sabe no meu leito de morte. E quando meus olhos se fecharem para sempre eu vou ao encontro dele. Eternamente serei somente dele…

Eu não sabia o que dizer. Ela ficou cansada pela emoção de relembrar sua história. Dormiu, por certo sonhou com os olhos verdes dos seu amor.

Dias depois aquela doença ceifou sua vida. Seu semblante era sereno, suave, como se estivesse dormindo e sonhando.

Esboçava um sorriso. Um sorriso de quem vai ao encontro do seu grande e único amor.

Muitos podem pensar que ela perdeu sua vida amando sem ser amada. Eu diria que ela viveu sua vida por aquele amor e ao seu modo foi feliz.

Aquele papel amarelado com aquelas palavras tão tristes e belas permanece comigo. E quando a vida me machuca, quando a tristeza teima em me invadir, eu olho aquele papel e como em uma tela de cinema aquela história passa por minha retina. E eu sorrio ao pensar naquela mulher forte e talentosa que deixou sua marca em tudo que fez. E que me ensinou uma nova foram de enxergar o amor.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 09/03/2022
Reeditado em 09/03/2022
Código do texto: T7468995
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