Eu Escolho você- Capitulo 1

Eu odiava fila de cinema. Era chato ficar em pé. Era péssimo ficar olhando a enorme quantidade de casais ao redor trocando caricias. E eu segurando a mão do meu sobrinho Felipe. Oito anos de idade e ele havia ficado a semana inteira pedindo que eu o levasse para assistir Toy Story três. Tive que implorar para meu chefe me liberar no domingo, na semana o cinema era vazio, mas o Pestinha estudava em período integral.

Eu não podia negar, mesmo com 25 anos, eu estava mega ansioso para assistir aquele filme. Havia assistido os dois anteriores, e naquele espaço de tempo, já tinha me tornado fã de Andy e sua turma, mas aquilo era algo que eu não falava para ninguém, alguns adultos não tinham coragem para falar sobre aqueles assuntos, principalmente eu que trabalhava em um ambiente cercado de homens machistas e que se achavam os superiores.

Eu estava olhando o horário das sessões, quando percebi o Felipe olhando para algo atrás de nós e acima dele, olhei para trás e vi um homem dos seus quase 30 anos sorrindo. O motivo de o Felipe estar olhando, era que o homem usava uma camiseta branca com a foto do Andy exposta. E ele era lindo. O cabelo liso arrepiado, lábios carnudos e um sorriso de arrasar quarteirão. Os olhos eram de um verde super claro, meu queixo caiu e fiquei sem graça. Ele estava com as mãos cruzadas e parecia feliz e nem um pouco sem graça com a surpresa do Felipe. Segurei a mão dele e fiz com que ele virasse para frente. Então me abaixei um pouco e disse baixinho.

- Para de ficar encarando as pessoas. Isso não e legal.

- Mas eu tava olhando a camiseta dele tio, você viu, tem o Andy desenhado.

Eu havia reparado muito mais no peitoral perfeito dele do que no desenho, mas não iria falar aquilo para o meu sobrinho de cinco anos.

- Eu sei, mas mesmo assim. E falta de educação.

- Tudo bem, eu não me importo, crianças são assim mesmo.

Quase pulei de susto, o homem estava falando comigo. Sem graça eu me virei para ele todo vermelho. Que percebendo meu constrangimento sorriu ainda mais, então se abaixou e estendeu a mão para o Felipe.

- E ai rapaz, como e seu nome?

Sorrindo o Felipe apertou a mão dele.

- Felipe.

- E quantos anos você tem Felipe?

- Oito.

- Olha você e pequeno ainda.

- Sim, mas eu já vou para escola.

- Que bom, tem que ir mesmo. Você gosta de lá?

- Gosto, semana passada minha professora me ensinou a desenhar o Andy, e a foto que ela me mostrou era parecida com a da sua camiseta.

- Olha, que legal saber disso. Então você e fã de Toy Story?

- Sim, eu tenho um monte de bonecos e minha mãe me deu todos os Dvds, e depois ela vai comprar esse pra mim também, quando sair da tela grande.

O homem sorriu com a inocência dele ao dizer tela grande. Eu estava olhando por cima a conversa dos dois, e não conseguia parar de admirar a facilidade com que ele lidava com o meu sobrinho. Ele estava um pouco curvado, mas parecia não se importar, a fila estava andando, e eles continuaram conversando até chegar ao caixa.

- Olha, apesar de ser mais velho do que você, eu também sou muito fã. Esperei muito por esse filme, e não vejo a hora de assisti-lo.

- Mas esse filme não e de crianças?

- Bom, sim e não. Ele é para crianças, mas isso não impede que adultos o assistam e gostam dele, olhe ao seu redor, há vários esperando para ve-lo também.

Chegou a nossa vez e eu peguei na mão dele para comprarmos o ingresso. Mas o Felipe não queria desgrudar do homem e falava pelas orelhas sobre todos os filmes infantis que já tinha assistido.

- Relaxa, pode ir comprar que eu olho ele.

- Não quero incomodar.

- Não será incomodo nenhum, se puder já comprar o meu.

Ele pegou uma nota de 20,00 reais na carteira e me deu. Aproximei-me do caixa e comprei três ingressos, o Felipe pagava meia por ter oito anos. E como eu havia trago pouco dinheiro, a economia já era válida. Sorte que os assentos daquele cinema não eram marcados. Não havia perguntando ao homem que lugar ele queria.

Quando sai do caixa, encontrei o Felipe com ele do lado de fora da fila. O homem segurava a mão dele e não parecia nem um pouco incomodado pela alegria constante do Felipe. Eu estava morrendo de vergonha por ter um sobrinho tagarela. Entreguei o ingresso para ele sorrindo.

- Obrigado. Áreas, muito prazer, meu nome e Douglas.

- Prazer, Rogério.

Apertamos a mão e começamos a andar em direção a fila da pipoca. O Felipe ia à frente, e eu me perdia entre olhar para o Rogério, e cuidar do meu sobrinho.

- Ele e seu filho?

- Não, meu sobrinho, filho do meu irmão mais velho.

- Apesar de ter oito anos, e muito inteligente. Adorei-o.

- Você parece se dar bem com crianças.

- Gosto muito. Ainda não tenho filhos, mas espero ter um dia.

- Porque não teve?

- Não quero ser pai solteiro. Apesar de amar crianças, eu trabalho muito. Seria bom ter alguém para dividir as tarefas. E também quero ter tempo para amar e cuidar. No momento isso não e muito possível. Eu sou professor.

- Entendo.

- E você?

- Eu o que?

- Pensa em ter filhos?

- Nunca parei para pensar no assunto. Eu o tenho que é quase como um filho. Os pais viajam muito então eu passo muito tempo com ele, e ele mora na minha casa. Então e meio como ter um filho.

- Verdade. Às vezes a família faz mais para uma criança do que os próprios pais sei por experiência própria. Minha mãe também não ficava muito em casa e meu pai faleceu quando eu tinha três anos, então fui criado praticamente pela minha tia.

Fiquei feliz por ver ele falando sobre a vida pessoal. Era um bom sinal, talvez tenha gostado de mim. Olhei para ele sorrindo, não parecia ser Gay, se fosse era muito discreto. Não havia nenhum sinal que indicasse que gostava de homens, pelo contrário, parecia até hetéro demais.

Chegamos à fila de pipoca lado a lado. O Felipe estava na nossa frente segurando um boneco do Andy que uma moça tinha dado para ele na entrada do cinema. Ele olhou para nós por cima e deu um sorriso travesso, como se tivesse lido meus pensamentos, por sorte o Rogério estava olhando a tela com as opções de pipoca. Eu fiz cara feia para ele. Que sorriu e continuou olhando para frente.

Apesar de ter oito anos, o Felipe sabia que eu era Gay, ou pelo menos que eu gostava de garotos. Tive que conversar com ele sobre aquilo quando ele viu uma foto minha beijando o meu ex namorado no meu quarto. Meu irmão não ligava para nada daquilo. Até porque o Felipe era como um filho para mim, e crianças não tem preconceito, muito menos aceitam regras ditadas pela sociedade sobre quem podemos ou não amar.

Depois de fazermos o pedido, saímos com dois baldes de pipoca e dois refrigerantes grandes, além do mini pôster do filme que eu havia comprado para o Felipe, quase chorei quando vi o preço. Mas nada como ver a alegria de uma criança ao ganhar um presente tão simples e especial. Entramos na sala e logo procuramos um lugar, a sala ainda estava vazia. O Felipe me poupou o trabalho de convidar o Rogério para ver ao nosso lado, porque puxou ele pela camiseta em direção as cadeiras do meio.

- Vem Rogério, vamos ver com a gente.

- Você se importa?

- Claro que não. Ele gostou de você. Vai ser uma honra.

Fomos em direção às cadeiras. Eu me sentei de um lado, o Felipe no meio e o Rogério do outro. Mas o Felipe se levantou e disse sorrindo.

- Não tio. Não gosto de ficar no meio.

Então ele foi e se sentou do lado do Rogério, me deixando do outro lado. Olhei para ele sorrindo. Pestinha. Será que naquela idade já queria ser cupido? Dei o balde de pipoca para ele (eu odiava pipoca doce). E peguei meu celular para ver se tinha alguma mensagem. Depois de tranqüilizar a mãe do Felipe, eu desliguei e guardei no bolso. O Rogério que estava lendo o folheto do filme puxou assunto.

- Você gosta de filmes infantis?

- Sim, gosto.

- Assistiu os outros dois?

- Sim. Gostei bastante, e você?

- Eu sou suspeito para falar, gosto muito de filmes infantis. São simples, engraçados e em alguns casos, emocionantes.

Naquele momento começou os trailers. Ele olhou para a tela. Não consegui me concentrar muito, porque não parava de olhar para ele. Havia algo mágico em seu olhar, no modo como ele falava, em como estava sentado, e até mesmo em como comia a pipoca. Era como se embaixo daquele corpo forte e musculoso, houvesse uma criança, querendo atenção. Só consegui parar de encará-lo, quando o filme começou. Encostei minha cabeça no banco, e deixei de lado aquela confusão de sentimentos que eu estava tendo por um desconhecido. Meu coração estava acelerado.

O Felipe assistiu o filme como eu esperava, em silêncio e completamente vidrado com o que via na tela, o balde de pipoca já tinha acabado há tempos. Se ele não quisesse jantar quando chegasse a casa, minha mãe iria me matar. O mais engraçado de tudo, e que o Rogério estava tão vidrado e focado quanto o Felipe. Não dava para saber qual era a criança, a não ser pelo tamanho.

Quando saímos da sala, o Felipe estava segurando as calças nervoso. Eu me abaixei e perguntei:

- O que foi amor?

- Tio, eu quero ir ao banheiro.

- Vamos então, eu também quero.

O Rogério que estava jogando o balde no lixo disse sorrindo:

- Eu espero vocês aqui fora.

Fomos em direção ao banheiro e depois de usarmos, eu o peguei no colo para ele lavar a mão na pia que era muito alta. Quando ele terminou eu fiquei arrumando meu cabelo com ele do lado olhando.

- Tio, você gosta do Rogério?

Fiquei vermelho. Era incrível como crianças não deixam nada passar.

- Gosto, ele parece ser uma pessoa legal, um bom amigo.

- Não perguntei como amigo, como namorado.

- Claro que não, ele e hétero.

- O que e hétero tio?

- Significa que ele gosta de mulheres, e não de garotos como eu.

- Você perguntou para ele?

- Claro que não, imagina eu nem conheço ele direito.

Saímos do banheiro e eu sorri para ele.

- Mas não posso negar que ele tem o sorriso mais lindo que eu já vi.

Ele sorriu como quem entende o que eu dizia. O Rogério estava na porta do banheiro mexendo no celular. Quando nos viu ele guardou e nos aproximamos.

-Vocês demoraram.

-E que ele ficou arrumando o cabelo.

O Rogério esticou o braço e mexeu no meu cabelo sorrindo.

- E estão bem arrumados por sinal. E então o que vão fazer agora?

- Eu to com fome tio.

- Felipe, você acabou de comer um balde enorme de pipoca. Vamos tomar um sorvete e ir embora.

- Vamos então.

Sorrindo o Felipe deu a mão para mim e fomos em direção ao quiosque mais perto. Eu comprei um sorvete pequeno para ele, e um maior para mim. Aquele era o momento que eu me achava uma criança, porque amava sorvete. Depois que o Rogério comprou o dele, nos sentamos em um banco no meio do Shopping, perto havia uma piscina de bolinhas, e o Felipe com certeza pediu para ir. Depois que ele entrou, ficamos do lado de fora olhando ele nadando em meio aquele mar enorme. Alguns minutos depois eu disse que íamos embora, antes que minha mãe ligasse atrás de nós.

No estacionamento, o Felipe abraçou o Rogério.

- Foi um prazer tio. Espero te ver outro dia.

- Claro meu anjo, vamos marcar outro passeio.

Então ele entrou no carro e se sentou no banco de trás, eu coloquei o cinto nele e fechei a porta, o vidro estava aberto. Ele colocou a cabeça para trás e disse de supetão:

- Meu tio disse que o seu sorriso e o mais lindo que ele já viu.

Antes que eu falasse qualquer coisa, ele apertou o botão e fechou o vidro do carro. Eu fiquei mais sem graça do que nunca, mas o Rogério pelo contrário parecia estar feliz, e olhava para mim com as duas mãos no bolso. Eu não sabia o que dizer, então apenas tentei disfarçar:

- Crianças, não sabem o que dizem.

- Verdade, elas tem a imaginação fértil.

Eu me aproximei e estendi a mão.

- Bom, foi um prazer, obrigado pela noite incrível.

- Obrigado você. Gostei muito da companhia.

- O Felipe também gostou muito de você.

- Ele é uma criança incrível, mas não e dele que eu estou falando.

Dei um sorriso entendendo o recado. Então soltei sua mão e entrei no carro, quando abaixei o vidro, ele se aproximou e colocou o braço na janela.

- Posso te ligar? Poderíamos jantar, ou almoçar.

- Claro, anota meu número.

Ele anotou o número do meu celular no dele, e guardou. Então, antes que eu ligasse o carro, ele deu um beijo na minha bochecha, sorriu e saiu em direção ao carro dele. Eu ainda olhei ele andando pelo retrovisor e me senti muito feliz, obviamente ele também era Gay. E eu estava torcendo muito para que aquilo desse certo.

CleberLestrange
Enviado por CleberLestrange em 14/03/2022
Código do texto: T7472797
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.