Eu e Você - PerfeBleu

Era terrível, talvez mais do que ter a coragem necessária para se afastar de Alessandra, era a paz de mente para conseguir entende-la. Não ela, Alessandra era tão transparente quanto águas cristalinas. Mas sim, seus sentimentos angustiosamente conflitantes em relação a ela. Pensamentos esses que recorrentemente o faziam ter sonhos ruins ou pesadelos, o convenciam a se aproximar e depois a recuar, o deixavam ansioso do nada, preocupado com algo, com raiva de qualquer coisa. William tinha toda razão por odiar ficar apaixonado.

Pegou todos os conselhos, nada servira. Nada poderia mudar o fato de que o amor não era uma realidade em sua vida, e que sonhos as vezes são feitos para serem esquecidos. Ele amava Alessandra, a queria bem. Só o fato de haver a mínima possibilidade de que ela ficasse triste ou se sentindo culpada por algo de que não fez, já o fazia desconsiderar totalmente a ideia de se declarar. Alessandra vinha na frente, o bem dela era mais importante. Mas e eu? o que eu faço com meus sentimentos agora? A quem os dou? Dizia William para si próprio, sabia muito bem que o resíduo sentimental o mataria como uma corda no pescoço.

No meio de toda essa pressão amorosa, uma singeleza de ação quebrou todo o fluxo de pensamentos conflitantes de William: Alessandra conversou com ele. Foi numa noite quando a escola abriu o observatório. Lá estava William solitariamente procurando por planetas ainda mais solitários, colocou o olho na lente de um telescópio e achou Saturno.

Uma bolinha bege com manchas marrons cercada de aneizinhos de várias camadinhas. A lente tremia muito, mas conseguiu ver algumas luas.

Enquanto observava o sistema solar, uma sensação terrível tomou seu corpo, em seguida, ouviu passos femininos iam aumentando, até que finalmente pararam e ele ouviu:

"Qual planeta você está observando?"

Sua mente começou a cogitar se ela queria falar com ele ou meramente usar o aparato científico. No segundo caso, guiaria a conversa para um fim rápido. Porque os instintos de William o diziam incessantemente para se afastar - embora ele quisesse o contrário.

"Saturno, vendo Ganimedes", disse William subitamente se afastando. "Quer ver algo?"

"Esse é um equatorial... Se você ajustasse a base com a luneta não iria ficar tremendo. Quando você acabar de usar vou tentar achar Marte" respondeu Alessandra. E foi nesse momento que William começou a desconversar.

Afirmou que havia se cansado de mexer no telescópio. Deu dois passos para trás, virou de costas e adicionou enquanto se afastava com pressa: "Pode usar se quiser, apenas devolva no depósito."

Aquela sensação de ter feito besteira apertou seu coração. Por que não ficar por perto dela? Que mal tem em apenas conversar?

William estava incerto se tomou a decisão correta, odiava o fato de que a única coisa possível entre ele e a pessoa que mais gostava era a distância. Mas tinha que ser assim, não tinha outro jeito... Se declarar para ela ia trazer rejeição e deixar ela saber certamente a faria sofrer. Mesmo que afastar dela também o machucasse, pelo menos ele era a única vítima. Talvez com sorte e esforço, um dia ele conseguiria esquece-la de vez...

"Você acredita em amor?" perguntou Alessandra, subitamente e sem nenhum aviso. William não precisou pensar naquela pergunta inusitada. Já havia tido aquela conversa mentalmente mil vezes consigo próprio.

"Se existe, talvez não seja para todo mundo" respondeu William ainda de costas, não ousou se virar.

"Você acredita?" perguntou Alessandra novamente. William entendeu o que ela queria.

"Não... o amor não existe. Se existisse... Então eu..."

"Então eu ainda estaria perto de quem amo?" completou Alessandra.

"Mas não é assim a vida. O ser humano não sabe amar de verdade. Tudo é só sofrimento, tudo é só ilusão..." disse William voltando a caminhar para longe.

Com os dizeres de seu amigo, Alessandra fez a pergunta que William nunca se fizera antes:

"Então por que você se afasta de mim?"

A resposta veio para William como um tapa na cara, mas não deixou ser escutado por ela. "Porque eu te amo..."

William não percebia sua própria contradição.

"Desde quando você percebeu?" perguntou William, questionando o fato de Alessandra saber dos seus sentimentos que ele escondia tão bem. Alessandra se aproximou, o pegou pelas mãos e indicou um banco onde provavelmente pretendia ter algum tipo de conversa longa.

Enquanto se sentavam, mantendo o silêncio no percurso. William olhou para Alessandra.

Ela tinha cabelos pretos e vivos, que dançavam toda vez que ela mexia o rosto, seu olhar dócil coberto pelo transparente de seu óculos, grau forte e armação preta. Ela tinha uma expressão totalmente pacífica; não emanava hostilidade, apenas benevolência.

Alessandra em completa pacificação só poderia indicar uma coisa: Total controle do rumo da conversa ou mera certeza no acaso.

E independentemente da resposta, William sabia muito bem a onde iria parar aquela conversa.

"Antes de te responder, gostaria de te fazer algumas perguntas. Se importa?" perguntou Alessandra, alinhando suas retinas azuis com as de William de modo que parecia olhar dentro de sua alma. Sem dúvidas aquela seria uma das conversas mais sinceras e verdadeiras que William teria em sua vida.

"Claro, diga o que quiser. Mas lembre-se também que tenho outras perguntas a te fazer."

"Você acredita em vida fora da Terra?" disse Alessandra como quem não diz nada. Outra pessoa teria estranhado o tópico, mas não William. Ele levava Alessandra a sério o suficiente para entender que aquela pergunta era importante. Era vida ou morte.

"Eu tenho certeza que há vida fora da Terra. Tanto no ponto de vista religioso, quanto no científico. Pessoalmente, a ideia de um planeta ínfimo e solitário me incomoda... Um pálido ponto azul de poeira espacial? Mas pense, as possibilidades... Já ouviu falar sobre a equação de Drake?"

"Aquela que calcula a possibilidade de vida inteligente baseada em diversos parâmetros como número de estrelas semelhantes ao sol e de exo-planetas em zonas habitáveis? Mas onde estão os Aliens?"

"É por isso que criaram a teoria do grande filtro... E agora se tornou um pesadelo encontrar vida fora da Terra. Seria um péssimo sinal, sabe?"

"Sim... A questão é, o quão perto estamos do grande filtro? E se formos a única civilização que existe no universo inteiro? Qual seria o significado da vida? Seria tudo frutos de processos não guiados, vida ao acaso?" perguntou Alessandra um tanto animada com o assunto, William filtrou a pergunta mais importante e tentou responder com calma.

"Então seria uma grande perca de espaço... Porém você não acha um tanto egoísta o modo como nós pensamos? Como se fôssemos mais especiais ou menos prováveis que toda a vida que existe ao redor. Segundo a evolução, nossa consciência pode ser apenas um feature existencial..."

"Você acredita em milagres?" disse Alessandra, sem entender porque rompeu o assunto tão rápido. Eram mais perguntas do que respostas, porém nenhum dos dois pareciam incomodados com isso.

William a olhou de cima a baixo. Em sua frente estava o maior milagre do universo, na opinião dele.

"Isso implicaria em acreditar em Deus? Milagres vão ser milagres, mesmo que eu deixe de acreditar... Mas eu não tenho certeza se Deus existe. As vezes eu tento falar com ele, mas não sei se sou ouvido..." respondeu William, fugindo do olhar de Alessandra. Ele sabia muito bem que ela acreditava em Deus. Ela não pareceu contrariada, e disse algo que ficou na mente de William mais tempo que ele gostaria de aceitar:

"Eu não acredito que Deus exista!" disse ela sem nenhum pudor.

"Então... Por que você confessa ele?"

"Um Deus que existe não é Deus, é criatura.

Aquilo que transcende a existência espaço-temporal é. Deus é. É nisso que acredito." ela respondeu com um sorrisinho no rosto. William achou a resposta super interessante, mas ficou se perguntando onde ela havia inventado aquilo.

"Interessante, mas para tal afirmação você precisaria dos conceitos de relatividade geral de Eistein e um pouco das multidimensões. Onde exatamente a sua ideia de Deus se estabelece nisso?"

"Fácil, Deus não está alheio a tempo nem espaço e nem em dimensão alguma. As mecânicas divinas são espirituais, e não existe designação científica para isso, senão a transcendência. Se para a ciência não é designável e na filosofia é mera especulação, logo ele é inexplicável. É por si próprio. Tudo existe nele e sem ele, nada do que existe se fez."

"É loucura" respondeu William, "acreditar no inacreditável?"

"Você chegou a onde eu queria. Isso se chama fé. Loucura para uns, sabedoria para outros." respondeu Alessandra se referindo a um texto de Romanos.

"Por que você acredita nele?"

"É uma ótima pergunta... É porque ele salvou minha vida. Você não chegou a conhecer minha avó, mas ela tinha Alzheimer. Muito preocupada com tudo, a família não deu um suporte muito grande. Acabei cuidando dela, já que ela cuidou de mim desde que meus pais morreram quando eu tinha apenas cinco anos de idade. Quando ela se foi, eu não sabia o que fazer mais da minha vida. Eu não tinha como me sustentar. Foi aí que abri o livro dos salmos, numa noite em que quase tentei me matar. Deus falou comigo. Desde então tenho me relacionado com ele e aprendido muitas coisas a seu respeito. Para mim não é loucura... É minha esperança..."

William não entendeu a onde ela queria chegar. Era como se faltasse uma peça do quebra cabeça, por que ela dizia essas coisas? Mal sabia William que Alessandra estava plantando nele o que mais tarde viria ser uma resposta para todas as coisas.

Alessandra tornou a perguntar a respeito do universo, das estrelas e da vida.