Nova Chance: Escrito Nas Estrelas

Eu acredito que nada nesta vida acontece por acaso. Quando as forças do universo tramam a favor, as coisas acontecem.

Por uma fatalidade acontecida em minha vida eu fui parar justamente ali naquele lugar, entre tantos outros. Quando cheguei ali ainda estava muito triste, ferida e amedrontada.

Todos os dias após o expediente de trabalho, ele caminhava a passos lentos para casa. Morava num lugar bem afastado, no alto de um morro. Eu sabia muito pouco sobre ele. Era bastante estranho e solitário, vivia como um ermitão. Diziam que era viúvo.

Passava os dias em sua mesa de trabalho e só falava o indispensável.

Estava com quase quarenta anos. Seus olhos eram claros, um pouco acizentados e apagados. Não sorria quase nunca e quando esboçava um sorriso era sem graça.

Os colegas de trabalho o evitavam por ele ser muito estranho e circunspecto.

Quase nunca o convidavam para as confraternizações ou encontros dos colegas e quando convidavam ele não ia.

Cheguei naquela cidade transferida e fui trabalhar no mesmo setor que ele. As circunstâncias da vida fizeram eu me transferir de cidade.

Não entendia porque uma pessoa vive assim sem alegria de viver. Mesmo depois de tudo que eu passei, eu toquei a minha vida pra frente. Mesmo triste e ferida na alma eu não deixava a peteca cair. Tentava superar e viver com alegria que a vida merece e cheia de gratidão por estar viva.

Mesmo estando na situação em que me encontrava, procurei me aproximar dele. Mas ele não me dava quase nenhuma atenção. Apenas me tratava com educação.

Há seis meses eu havia ficado viúva. Era casada há apenas dez anos e já havia conhecido uma vida infernal. Ele era um homem carinhoso e amoroso. Sei que me amava. Mas ele se enveredou, ou já estava e eu não sabia, em uma vida não muito convencional. Aos poucos ele foi se transformando e minha vida era uma eterna insegurança. Muitas vezes a polícia batia em minha porta. Eu pensava que ele ainda poderia se emendar. Mas acabou assassinado e me expondo ao risco de morte.

Naquela noite nós estávamos chegando a um restaurante. Estávamos indo comemorar nosso aniversário de casamento. Quando ele estacionou o carro foi abordado por três homens que começaram a atirar. Ele não teve tempo nem de pegar sua inseparável arma. E eu ali exposta ao tiroteio. Eu só tive tempo de pedir a Deus pra me proteger e tentar me esconder. Por fim aqueles homens fugiram. Alguns amigos que iam jantar conosco assistiram a tudo e chamaram a polícia. Nada mais podia ser feito. Ele estava morto. E eu ali assistindo àquela cena de terror. E por um milagre saí ilesa. Aos trinta e poucos anos eu estava ali envolvida como testemunha de um crime executado por pessoas perigosas.

Eu com medo e sem querer me envolver nos assuntos do assassinato, preferi sair da cidade. Eu ainda estava sob o impacto daquela situação e da brutal morte dele quando cheguei ali. E preferia nem falar no assunto.

Trabalhávamos lado a lado e eu ali com aquele cara que parecia um morto-vivo.

Quando eu perguntava alguma coisa ele respondia com monossílabos.

Aos poucos eu comecei a sentir compaixão por ele. As pessoas eram cruéis. Debochavam, falavam pelas costas e o excluíam. Não entendia como pessoas inteligentes e civilizadas eram capazes de atitudes tão mesquinhas. Ele me parecia um homem inteligente, competente e dedicado ao trabalho. Eu ficava pensando o que o levou a ficar assim.

Aos poucos, depois de muita insistência de minha parte, ele começou a ficar mais acessível comigo. A gente conversava. Eu percebi o quanto ele era um homem inteligente e sensível. Era culto e de bom gosto. Sempre me ajudava quando eu tinha alguma dificuldade em questões do trabalho.

Os colegas ficavam surpresos ao nos ver conversando.

Com o tempo eu fui me sentindo apaixonada por ele. Mas pensava que era só pena.

Eu sentia que ele também se sentia atraído por mim mas mantinha aquela pose de frio e distante.

Às vezes saíamos juntos do trabalho e íamos caminhando e conversando. Numa destas vezes ele me perguntou o porquê de eu ter vindo pra esta cidade.

Eu perguntei se ele tinha um tempo pra me escutar. Entramos em um barzinho e ficamos conversando e tomando um chope. E eu contei a ele tudo que me aconteceu. Ele ficou calado e pensativo. Parecia ainda mais triste que de costume. Depois ele disse:

-Que coincidência, minha esposa também foi assassinada.

-Há pouco tempo também?

-Não. Há seis anos.

Eu não tive coragem de perguntar nada e ele também não contou nada.

Depois desse dia a gente sempre saia e conversava muito. E entre nós surgiu uma atração e uma paixão que já não conseguíamos controlar. E eu que não gostava de me envolver com colegas de trabalho, estava ali completamente apaixonada por ele.

Um dia eu perguntei o que aconteceu com a esposa dele. Ele ficou em silêncio e uma densa nuvem cobriu seus olhos deixando-os ainda mais apagados. Ele não respondeu e mudou de assunto.

Dias depois ele me chamou para irmos ao parque da cidade. Sentamos em um banco bem isolado da agitação que sempre tinha ali nos finais de semana.

Seu olhar estava distante e ele começou a falar:

-Eu sempre fui meio nerd. Nunca fui um jovem como os outros que gostam de farras, festas. Sempre fui mais retraído. Sempre gostei de boa leitura, boa música, inclusive a clássica. Sempre gostei de teatro e artes em geral. Nunca gostei muito de beber, nunca fumei, nunca experimentei drogas ilícitas. Muitos colegas nunca entenderam isso. Pensavam que eu tinha que ser como eles. Mas eu não me importavam quando debochavam de mim. Eu era como era.

Namorei algumas vezes mas as garotas não queriam um namorado como eu. Elas queriam curtir a vida, as festas, as baladas e eu não gostava disso.

Até que um dia eu conheci aquela garota. A garota que me encantou. Eu a vi dançando em cima de uma mesa de bar. Era linda, corpo escultural, um sorriso encantador, dançava feito uma deusa. Ela olhou pra mim e sorriu e meu coração quase saiu do peito. E naquela noite nós nos conhecemos e rolou de tudo. Eu fiquei apaixonado com aquela mulher tão desinibida e solta que me levou ao êxtase.

Nós começamos a namorar. Em pouco tempo estávamos casados. Eu já estava com quase trinta anos.

Depois de casados nossas diferenças apareceram. Ela me acusava de não querer acompanhá-la em baladas e festas e dizia que eu sabia bem da vida que ela gostava de levar.

Mas como eu podia dar a ela todo luxo que ela queria, ela ficou comigo.

Tempos depois eu desconfiei que ela estava aprontando comigo. Por fim eu confirmei as minhas suspeitas. Ela estava saindo com um homem casado já há algum tempo. Naquela noite fatídica nós brigamos feio. Eu mandei que ela saísse da minha casa. E ela foi ao encontro da morte.

Ele engasgou. Ficou um tempo calado e seus olhos estavam cheios de lágrimas.

-Vi que ela ligou para o amante antes de sair. Ela saiu pra ir ao encontro dele e desapareceu.

Três dias depois ela foi encontrada morta com indícios de violência sexual.

Eu a amava tanto, eu fiquei tão arrasado e me sentindo tão culpado por tê-la mandado embora. Eu não tive mais vida. Eu convivo com a culpa e o remorso todos os dias Eu me tornei este homem que você conheceu.

A pedido da mãe dela eu fiz de tudo para o crime ser elucidado. Contratei um detetive para fazer uma investigação paralela.

No final foi descoberto que ela vinha pressionando o amante para assumí-la e naquele dia ela disse que eu tinha descoberto e que a estava expulsando de casa e ameaçou ir à casa dele fazer escândalo. E o crime que já estava encomendado foi antecipado. Ela saiu da minha casa direto para as mãos do assassino.

Se eu não a tivesse expulsado ela estaria em segurança. Eu não consigo me perdoar por isso. Eu que a amava tanto, não a protegi. Você entende porque eu não consigo mais viver, não me permito ser feliz?

-Mas você não teve culpa de nada. A escolha foi dela. Se ela tivesse lhe respeitado e honrado o casamento você não a teria expulsado.

-Todo mundo que conhece esta história me fala isto, mas eu não consigo me libertar.

-Quando você amar novamente você vai perceber que não teve culpa de nada.

Ele me abraçou:

-Então me ajuda pois eu sinto que estou amando novamente.

Eu sabia que ele falava de mim. Eu o abracei forte:

-Eu também estou amando muito e sei que nós dois merecemos esta nova chance, este amor. Tenho certeza que desta vez nossa escolha foi acertada. Eu vou fazer você esquecer toda esta amargura, toda esta tragédia e sei que você também vai me fazer esquecer tudo o que passou.

Ele me beijou e eu me entreguei de vez àquele amor. Passamos o fim de semana juntos na sua casa no alto do morro. Uma casa aconchegante e de bom gosto como tudo nele. E o fim de semana foi de sonhos, de prazer, de carinho, de amor.

Chegamos na segunda-feira pra trabalhar e estávamos diferentes. Ninguém entendia.

Ninguém entendeu quando souberam que íamos seguir juntos a nossa vida. Perguntavam o que uma mulher comunicativa e alegre como eu viu naquele homem estranho e sem vida como ele.

Ninguém sabia e nem precisava saber que debaixo daquela máscara vivia um homem que sabe agradar qualquer mulher em todos os sentidos. Ele é gentil, sensível, inteligente, carinhoso, educado, sabe tratar uma mulher e é um amante maravilhoso. O que mais uma mulher pode querer? Só amá-lo muito e retribuir.

E o passado ficou no passado. Nós merecíamos um futuro feliz e cheio de amor.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 25/03/2022
Reeditado em 27/03/2022
Código do texto: T7480873
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