Surpreendente Reencontro

Muitas vezes eu tento entender o porquê de certos acontecimentos em nossa vida. Tento entender os encontros tão improváveis e os desencontros tão doídos. Por que o rumo da história não foi diferente? Por que não agimos diferente? O orgulho ferido, a mágoa, a falta de diálogo na maioria das vezes põe tudo a perder.

Vinte e três anos se passaram…

Eu morava naquele apartamento há pouco tempo. Já estava com trinta anos e ainda era solteiro. Namorei algumas vezes, mas nunca me apaixonei de verdade. Tinha até uma certa aversão ao casamento. Desacreditava dessa instituição. Preferia só namorar, mas todas as namoradas que tive pensavam em se casar. E quando sentiam que eu não me entusiasmava com a idéia, me abandonavam, partiam pra outra.

Na época eu já era bem caseiro. Só saía para trabalhar. No mais ficava em casa lendo, ouvindo música ou assistindo a um bom filme.

Sempre fui muito distraído e quase nem olhava pela janela. Vivia no meu mundo.

Numa dessas raras vezes que eu olhei pela janela, vi no apartamento vizinho, que ficava bem próximo ao meu, uma linda jovem. Ela me olhava e quando eu olhei ela sorriu. Eu fiquei surpreso e sem graça. Desviei meu olhar, mas logo depois eu não resisti e voltei a olhar em direção a ela. E a garota estava trocando de roupa com a cortina aberta, sem nenhum pudor. E aquele corpo jovem e perfeito ficou ao alcance dos meus olhos. Eu fiquei ali sem conseguir tirar meus olhos daquela direção.

Mais tarde em minha cama eu me lembrava daquela cena. E me deliciava.

No dia seguinte eu estava ansioso para chegar a hora de voltar pra casa. E lá estava ela me provocando. Eu aceitava a provocação e não tirava os olhos dela.

Por muitos dias aquela situação continuava e eu já estava saindo do sério. Mas não conseguia tomar uma atitude.

Parecia que ela tinha muito mais atitude que eu pois quando viu que eu ficava apenas admirando toda aquela beleza, resolveu ir à luta.

Numa tarde, quando eu voltava do trabalho, lá estava ela desfilando pela calçada numa minissaia e uma blusa super provocante.

Eu sorri pra ela e ela veio ao meu encontro. Agiu como se não tivesse se mostrado inteiramente pra mim por vários dias.

Conversou, se apresentou e disse que morava ali perto. Ela parecia ter por volta de dezoito anos.

Mais tarde lá estava ela me provocando.

No dia seguinte ela estava desfilando na calçada me esperando chegar. Eu a convidei para entrar e ela me disse que não podia, que seu pai não entenderia.

Neste dia ela não apareceu na janela e eu fiquei decepcionado.

Mais tarde a campainha tocou e lá estava ela. Não acreditei. Pensei que estava sonhando. Aquela garota super sensual estava ali me provocando. Se fazendo de difícil mas ao mesmo tempo querendo estar nos meus braços.

E naquela noite nós nos entregamos com volúpia. O mundo parou naquele tempo em que estivemos nos braços um do outro.

Mais tarde ela disse:

-Preciso ir embora. Queria muito que você fosse o primeiro homem a me tocar, a estar comigo.

-Por quê?

-E este tipo de coisa tem explicação? Meu coração, meus sentidos, meus desejos, tudo em mim escolheu você.

Eu sorri.

-Foi esplêndido.

-Pra mim também.

Ela levantou, se vestiu e se foi. E eu fiquei sentindo a leveza que tudo aquilo me trouxe. Estava meio tonto e sem saber se foi real ou se foi um sonho.

Por alguns meses ela frequentou minha cama.

Cada vez mais eu estava me sentindo apaixonado por aquela garota tão jovem e que se entregava a um homem sem nenhum pudor ou reserva. Eu estava ficando enamorado dela e até pensava em um compromisso sério.

Uma noite ela estava especialmente sensual. A gente se amou como se não houvesse amanhã. E quando ela se foi eu senti minha cama estranhamente vazia.

No dia seguinte ela não apareceu nem na janela e nem na minha cama. Eu senti falta e saudade dela. As luzes de sua casa permaneceram apagadas.

E foi assim também nos próximos dias. Eu estava ficando alucinado de saudade daquela menina linda e desinibida.

Eu sabia que o pai dela era gerente de um banco. Procurei saber o que estava acontecendo e fiquei sabendo que ele foi transferido e tinha se mudado com a família pra outra cidade.

Eu fiquei profundamente magoado e com meu orgulho ferido por ela ter me abandonado dessa maneira, embora nunca tivéssemos falado em compromisso.

Os dias passavam lentos e tediosos e eu não conseguia esquecer aquela garota. Estava triste e deprimido. Cheguei a, literalmente, adoecer e estive muitos dias de repouso. Tive uma parotidite ou caxumba tardia que se complicou e me deixou bem mal.

E eu ficava lembrando dela em meu leito de enfermo, afinal nos últimos três meses ela esteve ali comigo. E vivemos uma paixão intensa, cheia de desejo e prazer.

Aos poucos fui esquecendo aquele episódio tão curto e intenso que vivi.

Conheci uma outra mulher. Namoramos, nos envolvemos e tempos depois nos casamos.

Eu que nunca tinha pensado em casamento e filhos, estava entusiasmado. E aquele episódio ficou para trás. Só uma lembrança guardada no fundo da alma.

Tanto eu como minha esposa já éramos maduros e queríamos ter logo nossos filhos. Para ela era fundamental ser mãe.

Mas o tempo passava e não acontecia.

Fizemos exames e eu descobri que aquela caxumba me tirou a possibilidade de ter um filho.

Nosso casamento esfriou a partir daí. Meu orgulho mais uma vez falou mais alto e eu não admiti um doador. E as brigas e desentendimentos tornaram nosso casamento insustentável e eu voltei a ser só.

Levava minha vida rotineira, mas nunca infeliz ou amarga.

E o tempo foi passando. De repente vinte e três anos se foram desde que aquela garota, que arrebatou meu coração, apareceu em minha vida.

E um dia eu estava em uma viagem numa bela praia. Estava só como sempre.

Cheguei em um restaurante e pedi uma mesa. Estava já acomodado quando olhando para frente eu vi um rosto conhecido. Ela estava com dois jovens, um rapaz e uma garota.

Eu pensava que estava sonhando. Mas ao olhar novamente e vê-la sorrindo não tive mais dúvidas. Era Agnes. Aquela linda garota de vinte e três anos atrás. Ela nem havia percebido a minha presença.

Eu fiquei olhando e ela parecia não ter me reconhecido.

Mais tarde eu me aproximei dela. E me apresentei.

-Agnes.

Ela olhou e parece que só então me reconheceu.

-Vinícius?

-Sim, sou eu. Há quanto tempo, não é?

-Você ainda se lembra de mim?

-E como não lembraria?

-Eu mudei de repente, nem deu pra despedir.

-De repente? Ninguém muda de cidade da noite para o dia. E não sabia meu endereço?

-Não sabia se você algum dia me levaria a sério. Você nunca me procurou.

-E eu deveria ter procurado? Depois de ser abandonado de uma maneira tão rasteira?

-Você não sabe o que eu passei.

-Nem você sabe o que eu passei.

Conversamos banalidades até que os jovens saíram e a conversa ficou séria:

-Você encontrou outra mulher? Casou?

-Sim. Casei. Mas me separei algum tempo depois.

-Eu também.

-Os garotos são seus filhos?

-Sim.

-Quando foi embora já tinha outro? Casou-se rápido, não é?

-Não. Só a Alice é filha do meu ex marido. O Vinny não é dele.

-Vinny?

-Sim. Ele se chama Vinícius.

-Quis me homenagear?

-Sim. Quis que ele tivesse o nome do pai.

-Quantos anos ele tem?

-Ele nasceu oito meses depois que fui embora.

-Você quer dizer…

-Que ele é seu filho.

Eu ri com sarcasmo.

-Você deve estar brincando.

-Não. Não estou.

-E ele sabe que tem um pai?

-Sabe.

-Se é verdade que é meu filho, você não tinha o direito de me privar de conviver com ele. E nem de privá-lo de ter um pai, de conviver com o pai.

-Não tínhamos nenhum compromisso e eu não iria lhe impor um filho que provavelmente você não pensava em ter.

-Devia ter me perguntado se eu queria ter ou assumir um filho e não decidir por mim. Você nunca gostou de mim não é? Só queria um homem pra lhe dar prazer, foi só uma atração e nada mais.

-E você? Gostou de mim?

-Você não imagina o quanto.

-Mas nunca me procurou. Quando mudei de lá eu nem sabia que estava grávida.

-Nem você me procurou. Você tinha um motivo muito mais importante pra me procurar.

-Não temos que discutir sobre isso agora. Como eu, você levou sua vida. Você teve filhos?

-Não. Pouco depois de você me abandonar sem um palavra eu tive uma doença e perdi a capacidade de ter filhos.

-Sinto muito.

-Você não tem que sentir. Você não tinha era o direito de esconder de mim um filho.

-Sinto muito. Pensei estar fazendo o melhor pra você, pra mim e pra ele.

Eu fiquei profundamente abalado e triste com a notícia. E senti uma profunda mágoa por ela ter me impedido de conviver com meu filho, de impedí-lo de ter um pai.

Depois daquelas férias, pedi um teste de DNA e ela concordou sem ter que envolver a justiça. E foi confirmada a paternidade.

Conversamos com nosso filho, tentamos explicar da melhor forma tudo que aconteceu.

Para um jovem de vinte e dois anos não foi fácil entender toda aquela situação. Ele passou toda a infância, adolescência e parte da juventude com um pai ausente. Imagino a falta que ele sentiu de uma conversa, de um conselho, da presença do pai no colégio, na sua vida social, nas suas amizades.

Pra mim e pra ele foi difícil perdoar Agnes. Mas nós conseguimos entender seus motivos e superar a mágoa.

Meu filho e eu nunca vamos poder recuperar o tempo perdido. Mas eu tento ser o melhor pai que ele poderia ter. E ele é um filho muito especial. Aprendemos a nos amar como pai e filho. E me sinto feliz com a nossa convivência. Meu querido Vinny tem meu nome, meu sangue e minha índole. E se parece tanto comigo.

Agnes e eu nos reaproximamos depois de passada toda a mágoa. Sentimos a mesma atração de antes que é irresistível. Não pensamos em compromisso ou casamento, mas namoramos e somos companheiros pra todas as horas.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 04/05/2022
Reeditado em 06/05/2022
Código do texto: T7509215
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