Alessandra Nas Flores

Alessandra conseguiu abordar William em um momento em que ele estava sozinho na sala. Assim que a viu se aproximar com cara de brava, logo ficou desconcertado em sua cadeira até que Alessandra o questionou:

- William... Essa cartinha por acaso era para mim? Por que jogou fora? - disse Alessandra jogando a cartinha de amor desamassada na mesa de William, que começou a fazer uma cara de mais profundo pavor.

- Onde você achou isso? Não era para você ver...

- Como assim não era para eu ver? Tem quanto tempo que você gosta de mim? Por que nunca me contou?

- Te contar? Você está doida? Eu te vi com o Felipe, você está gostando dele. Eu não queria me intrometer na sua vida amorosa, eu não tenho nada a ver com você...

Por algum motivo que William jamais sequer poderia supor, Alessandra parecia brava por ter descoberto sua paixão secreta, como se ele tivesse feito um terrível mal por não contar. E tudo piorou após a sua última frase. A menina puxou uma cadeira como um pugilista prepara as luvas e começou a dizer nitidamente estressada:

- NÃO? Você é meu amigo... Você tem tudo haver comigo. Então você queria sofrer sozinho e não deixar que eu soubesse disso?

Você tinha que ter me contado, poxa. A gente teria feito isso juntos. Não parece que você me considera sua amiga, porque você quer fazer tudo por si próprio. Você não sabe o quanto estou chateada com sua atitude...

Em seguida Alessandra começou um longo monólogo sobre a importância da amizade e das sinceridade entre as pessoas, até um ponto onde William já tinha se arrependido de ter escrito as cartinhas. No final da história, ela conseguiu fazer com que ele se sentisse o garoto mais culpado do mundo. E ainda acrescentou:

- Seus sentimentos são minha responsabilidade também. Entendeu? Você precisa compartilhar absolutamente tudo comigo...

Após um tempo calado, suficiente para pensar em uma resposta a altura. William virou para ela totalmente decidido a ainda tentar vencer a discussão e começou a responder:

- Eu concordo que devemos ter responsabilidade nos sentimentos alheios. Foi por isso que desisti de me declarar. Eu não queria que você soubesse que eu gostava de você para não te machucar. Na verdade, a paixão sempre pode nos trazer muitas coisas, mas nunca o amor. O desejo apaixonante é uma obsessão carnal e romântica sobre a ilusão que a mente cria de um determinado alguém. Resumindo, eu não gosto de você. Eu tenho sentimentos românticos pela ilusão que eu criei de você, me entende?

Alessandra tentou falar algo, mas William falou mais rápido e acrescentou:

- E não há como fugir do sofrimento, além de ser covardia e negação contra si próprio. Eu não posso jamais negar a verdade do que sinto no meu interior, pois fazê-lo seria como uma ofensa esquizofrênizante. E a paixão impreterivelmente nos fará sofrer, sendo recíproco ou não. Uma hora todos precisarão se desencantar, não importa o quanto você esteja vinculado com tal pessoa. Um dia você vai chorar por ter que se livrar desse sentimento...

Dessa vez foi Alessandra quem fez silêncio. Era raro que ela não tivesse uma resposta para a maioria das coisas. Então ela tornou a perguntar:

- Quando foi?

- Desde que te vi pela primeira vez... - respondeu William sentindo que a discussão estava ganha.

- William. Eu acredito no amor verdadeiro. Mesmo que a paixão se manifeste na maior parte das vezes em seu aspecto negativo. Eu ainda acredito que dentro de toda essas camadas de ilusão, existem gomos e núcleos de verdade. Essa verdade é que toda empatia é uma semente do amor. E o fato de você ter desistido de se declarar, para que eu possa estar com o Felipe sem pendências mentais, revela que você sente amor verdadeiro por mim. Talvez você não consiga enxergar isso em si próprio.

Eu sinto extremamente privilegiada com sua decisão de amar. E digo que amar não é um sentimento, é um querer-decidir-agir. Amar é decisão. Eu fico lisonjeada com seus sentimentos por mim, embora não possa prometer que seja recíproco. Como você disse, eu gosto do Felipe e estamos entrando em um relacionamento. Não digo que você não me atrai, mas isto se resume apenas na parte intelectual do nosso vínculo.

Portanto, minha preocupação é para que você não sofra durante o processo, embora eu agora concorde que sofreremos. Mas se o seu sofrimento é legitimizado no amor, então tudo você pode sofrer e sem perder sua alma no processo. Por isso me alegro por saber do teu amor por mim...

Após falar essas coisas, ela olhou para ele fixamente querendo comunicar algo, como que por telepatia. De alguma forma, William pareceu entender a mensagem porque ele a respondeu:

- Espera, isso não faz sentido...

- O que não faz? - Disse Alessandra ainda o olhando com um sorriso. William estava prestes a entender a mensagem.

- Você diz que não é recíproco, porém seu discurso a respeito do amor implica automaticamente no fato de que ele deveria ser recíproco.

- Você percebeu! O seu raciocínio está completamente certo, só não levou em conta que existe uma dissociação...

- Uma dissociação? - voltou a perguntar para Alessandra, um tanto interessado naquele assunto.

- Sim, uma dissociação entre amor e paixão!

- Aah!! Então a paixão não é recíproca, porém o amor é... Isso faz sentido de uma forma muito simpática. Alessandra, tenho uma pergunta.

- Pois diga.

- O amor é um estágio mental superior em relação a paixão? Ou é uma emulação consciente?

- Nenhum dos dois. Deve se lembrar que estamos falando de conceitos ideais, e que no mundo real nunca atingimos a plenitude dessas abstrações pois somos relativos.

- Ué, isso não significa que de certa forma nunca então conseguiremos amar de verdade?

- Sim... De certa forma, o ser humano é incapaz de amar de forma constante e ideal. Porém o amor continua sendo absoluto mesmo que seus veículos de transmissão sejam relativos. Acredito que o amor seja um fenômeno espiritual da consciência. Mas para isso eu precisaria definir o que é espírito, o que é alma, e o que é consciência.

- Resuma logo Alessandra, o que é o amor para você? - disse William começando a perder o interesse naquele longo raciocínio de Alessandra. Ela percebeu que seu amigo queria mudar de assunto e por final respondeu o olhando enquanto levantava as sobrancelhas:

- O amor simplesmente é. Ele é aquilo que ele é...

Depois disso os dois se retiraram da sala e continuaram a conversar sobre muitas outras coisas a respeito do sentido da vida, do universo e o melhor tipo de bebida quente, único assunto em que os dois não conseguiam se entender.