Nike Shox - o clássico

O Nike Shox Branco recém-comprado contrastava com o fundo sujo do ônibus, marcado pelos anos e pelo uso. Meus pés apoiados na barra amarela e a tornozeleira amarrada às minhas pernas na praia, há anos, marcaram a minha mente como marcaria a cena mais chocante do caos urbano. Cotidiano. Só me marcou porque eu a vi – a menina de jeans escuros, jaqueta vermelha e rabo de cavalo que cruzava a roleta no exato momento em que meus fones de ouvido tocavam a favorita do Charlie Brown Júnior.

Desviei os olhos da obra de arte branca da Nike e a vi chegar, sentando-se ao meu lado pela falta de outro lugar e exalando o perfume de Paris – eu não sei qual o cheiro de Paris, mas sei que se fosse perfeito e condizente com a fama de cidade romântica, seria exatamente aquele.

Ela, perdida, distraída, não viu que esqueci meus olhos cravados no seu rosto e me envolvi num limbo onde a canção do Chorão se tornava real para mim. Continuava mexendo na mochila, até que tirou o telefone de lá, depois os próprios fones e finalmente, me notou ali. O olhar dela me trouxe de volta para a realidade e então, assustado, abaixei a cabeça de volta na direção dos tênis e não pude deixar de imaginar que expressão ela estaria fazendo naquele momento – a curiosidade foi tão grande e imprescindível que precisei me virar novamente, mas ela já estava com os olhos fitos no celular e absorta de mim novamente.

Ninguém nunca fala com ninguém no ônibus, a não ser que aconteça alguma coisa... Mas se eu não falasse, com certeza perderia a mulher da minha vida. Já tinha perdido outras vezes e naquele início de conto de fadas, não deixaria acontecer de novo. Foi quando uma moeda inexplicavelmente caiu do bolso da mochila dela e fez barulho, rolando direto para o meu lado.

Peguei. Era um euro. Ela me olhou, sorriu e agradeceu. Perguntei porque ela tinha um euro – e, na minha língua, que graças a Deus também era a dela, respondeu que era um sinal de sorte. Contou como tinha ganhado, riu das histórias que eu contei em seguida e quando foi embora, desci com ela dois pontos antes do meu.

Hoje, faz dois anos que ela foi embora. Meu Nike Shox agora é velho e se parece bastante com o fundo do ônibus, puído pelos anos, pela vida e pelo uso. Quase não ouço mais Chorão e a vida adulta tem me chamado com tanta pressa que quase me esqueci a sensação de como era ser a minha versão daquele dia. Mas toda vez que o vejo sob essa barra amarela, me lembro dela. E espero, sinceramente, que ela esteja feliz rodeada de euros do outro lado do mundo.