O dia que eu conheci o verdadeiro Super-Homem

               Era manhã de um fim de semana qualquer, eu sabia que era um dia assim, pois eu não tinha ido à escola. Era um dia nublado. Eu estava no quintal da minha casa. Meu irmão estava dormindo. Minha mãe tinha saído. Meu pai estava, como de costume, lendo livros, especificadamente a bíblia, lá de longe, mas dava para ouvi-lo lendo, se eu me concentrasse.

               O quintal era repleto de areia, plantas, pés de coco. Havia três pias de lavar roupas, embaixo dava para brincar, se esconder e fazer muitas coisas. Ao redor paredes velhas, com pó de barro, ali tinha uma casa de abelha, dentro da velha parede. Sempre existiu. Parecia quieta demais. Era como se fosse minha família dentro da minha casa, e aquela família de abelhas dentro daquela parede. Ninguém mexia com ninguém e todos viviam em paz.

          Os pés de coco não tinham coco, mas faziam aquela sobra que você respira e traz paz, acompanhado daquele vento que refresca sua alma. Existia um gatinho, que parecia uma oncinha, era raivoso, mas era por causa de sua defesa interna, instinto de sobrevivência, mesmo eu querendo fazer carinho nele. Ele correu assustado. Fiquei apenas observando correr, como corria tão rápido em cima do muro? Como não caia? Ele se foi.

               Quando virei, apenas vi algo que me torturou. Algo que me traria um enorme trauma para o resto da vida. Não é apenas medo, é algo que me traz um nojo, me paralisa. Isso me paralisou. Fiquei sem reação. Apenas lembro de que minha ansiedade foi nas alturas. Eu sabia que sentiria dor, eu sabia que iria me machucar. Apenas queria que fosse logo, parece que eu não tinha em mente a chance que eu poderia sair dali sem se machucar. Eu era apenas uma criança de oito anos. Eu odiava dor. Não sabia como lidar com isso. Eu pensava na morte, pensava qual dor era menos dolorida. Para mim, não existia liberdade, embora eu ame ser livre, mas eu estava sem saída. Eu me tremia. Eu queria apenas fechar meus olhos, e não sentir nada. Porém nada era fácil. E só existia aquela ansiedade tomando conta do meu corpo. A fraqueza engolindo meu corpo. E minha mente a aumentando.

               Uma cobra enorme vinha ao meu encontro, dando voltas de um lado para o outro. Era uma cobra preta com uns detalhes brancos. Eu me paralisei. Sim, eu estava com medo. Tentei gritar, mas não consegui. Parece que minha voz estava sendo abafada pelo medo, pela ansiedade. Apenas sentia meu coração bater tão forte, uma dor de cabeça enorme, como se o sangue tivesse subido até me sufocar para a morte. Quando percebi que não tinha jeito, eu, aos poucos, fui me arrastando, igual à cobra, para debaixo das pias de lavar roupas. Eu não conseguia ouvir nada, também não conseguia respirar, parecia que meus ouvidos estavam tampados, meu nariz também estava. Eu chorava para caramba. Tentava olhar para a porta que dava acesso à casa, minha mãe não estava lá, ela ainda não tinha chegado. Eu gritava tão alto, mas chegou um momento que eu percebi que só era dentro de minha mente. Queria que tudo acabasse logo. Eu fechei meus olhos, como um fraco que desiste logo.

               Segundos depois, uma mão, grande, forte, tocou meu braço. Nesse momento percebi o quanto eu era fraco. Mas no mesmo momento, meu nariz desentupiu, voltei a escutar tudo ao redor, até mesmo minha voz. Abri meus olhos, e a dor de cabeça foi passando aos poucos, aliviando tudo aos poucos, dando até um certo tipo de prazer sentir esse alívio. Meu pai tinha me soltado. Ele estava segurando a cobra com as próprias mãos. Ele a matou, jogou em uma sacola e jogou fora. Meu pai não salvava uma cidade, mas ele me salvou. Eu não disse obrigado, mas o abracei. Tão forte, que percebi que um dia eu poderia ser tão forte quanto ele. Ter braços que poderia salvar quem eu amo, e quem precisa.

               Logo em seguida, eu acordei. Era sim um dia de fim de semana, estava nublado. Mas eu estava no meu quarto, era umas 8h da manhã. As luzes solares ultrapassavam certos buracos que a janela de madeira do meu quarto tinha. Eu acordei com nariz como se tivesse entupido e estivesse voltando a ficar livre para respirar. Meu pai estava lá, lendo sua bíblia. Ele não dizia bom-dia. Também não curtia pedir a benção. Porém, ele dizia algo que entrelinhas amava alguém, “já tomou seu desjejum?”.

               Nessa época, eu tinha apenas oito anos. Hoje lembro disso. É incrível como pensamos nessas histórias que já aconteceram quando viajamos olhando para as estradas, ao redor delas. Olhar o céu e seu infinito. Olhar e pensar onde uma pessoa que morre está? Pelo vidro de uma janela do ônibus em que estou vejo minha face, cada vez mais parecido com aquele velho, e estando cada vez mais velho, com suas manias e exageros, percebi que ele mora ali, dentro dos meus olhos, dentro do meu coração, da minha mente. Um pai não morre, ele se torna a força de um filho, todos os dias. O verdadeiro Super-Homem é aquele que se sacrificou para você ser alguém na vida, mesmo diante dos desafios da vida. O Homem mais forte que conheci é o Homem que sempre está comigo no coração, e para sempre. E ainda assim, as estradas sempre te levam para casa.