PERFEITA DANÇA: A TRADUÇÃO DO AMOR

E lá estava ele, deixando com que as sapatilhas lhe conduzissem pelo extenso salão de ballet, enquanto tinha os diversos olhares de outros alunos encantados à performance esplêndida. Magnífico. Leve, delicado como a mais cara

boneca de porcelana, simplesmente perfeito aos olhos dos juniores. Esse era Aeron Delyon. Um dos bailarinos mais talentosos daquele colégio, senão o mais. Sua determinação pela dança perfeita e sem preconceitos encorajava diversos outros

apreciadores de ballet. "Desistir", com toda certeza, não era uma palavra que estava no seu vocabulário. Por isso era tão admirado.

Ser invejado por muitos da mesma idade que dele causava fervor. Era agradável para ele saber o quão desejado podia ser. Por mais que parecesse um belíssimo anjo em palco, Aaron poderia não ser. Tinha um comportamento egocêntrico, claramente um narcisista mirim. Ou as luzes eram para ele ou não eram para mais ninguém. Orgulhava-se disso como uma mãe se orgulhava de um filho bem-educado.

No outro lado da pista estava Ryan Morgan. Um menino dócil e calmo. Compartilhador de sonhos, admirador de poesias, inteligente e confiante. Morgan era incrível! Seus olhos esverdeados e cabelos ruivos em tom forte conseguiam deixá-lo com uma aparência marcante. Ele tinha orgulho de ser do jeitinho que era. Fora criado numa família amável e companheira, longe de desavenças. Conseguia resolver as indiferenças com muita passividade. Outro orgulho que tinha era de sua paixão pela dança, paixão que lhe abriu caminhos incríveis para receber novas oportunidades na vida. Seu sonho era poder dançar em

um dos maiores palcos para bailarinos do mundo: o teatro Bolshoi.

Claramente não eram parecidos. Ambos tinham personalidades bem distintas Aeron gostava do obscuro, do enigmático. Ryan se sentia bem com cores vivas, que exalavam beleza e felicidade. Aeron da arte silenciosa, os sentimentos angustiados

nas cores frias dos quadros o faziam borbulhar de paixão. O amarelo para Ryan lhe deixava bem e verde o inspirava. O preto era fugaz e excitava Aeron. Ryan se encantava com a simplicidade. Aeron delirava com a notoriedade. A única coisa que

tinham em comum era a paixão pela dança.

Aeron e Ryan eram conhecidos na escola, pois eram os melhores na dança. Já se conheciam, por dividirem o palco algumas vezes, mas não eram de se falarem. Ryan conhecia a fama egocêntrica de Aeron, por isso mantinha distância sempre

que podia. Diferente de Ryan, Aeron o observava de longe. Foram poucas as vezes que ele conversou com alguém daquele lugar, mas aquele garoto era diferente, seu estilo descontraído e leve de ser o deixava curioso.

Ryan percebia os olhares mortais que Aeron lançava sobre si. Definitivamente entendia que Aeron o odiava. Os dois eram magníficos em palco. Seus movimentos eram tão diferentes, mas ao mesmo tempo ligeiramente parecidos. Eram dois

bailarinos de destaque naquele lugar, mas Aeron já tinha sua fama ali. Ele adorava a perfeição, buscava por ela todos os dias, enquanto Ryan Morgan gostava da sensação de liberdade que era dançar. Ele não queria ser perfeito, queria apenas

dançar. A última coisa que Morgan queria era a rivalidade entre eles.

Independentemente disso, rivais ou não, por serem de longe os bailarinos mais talentosos da escola, eles teriam, muito em breve, uma apresentação para fazer. Todo ano a escola escolhia um clássico para apresentar e o clássico da vez era “O lago dos cisnes”. Ryan estava muito feliz por ter sido escolhido, mas preocupado, porque na outra ponta, estava Aeron Delyon, que também havia sido escolhido.

Obviamente não seria uma surpresa para ninguém ver os dois melhores alunos dançarem aquele clássico, mas Ryan preocupava-se, pois como iria dançar com um parceiro tão narcisista e prepotente?

Foram dias ensaiando. Ryan sempre empático, mas Aeron mostrava-se competitivo demais e desprezava a afetividade do ruivo que só queria ser amigo para fazerem uma bela apresentação. Num dos ensaios Ryan Morgan andou calmamente até Aeron Delyon e tocou-lhe duas vezes o ombro para que pudesse ter sua atenção.

— Pois não? — Ele se virou com uma das sobrancelhas arqueadas em desconfiança, cruzando os braços e encarando o garoto.

— Você foi bem no ensaio hoje. — Fechou os olhos com força ao notar que se embaralhou todo ao tentar falar com o rapaz. — Mas, enfim, precisamos estar mais sintonizados se quisermos alcançar a plenitude do grande final.

— Perdão, você não está exagerando?

— Acho que não. Vejo uma oportunidade mágica nesta dança.

— Perfeito! Pensarei a respeito.

— Como quiser. — Ryan apenas deu um sorriso e saiu.

Assim seguiram semanas de treinos. O Lago dos Cisnes exigia uma boa atuação e ótima dança, mas iria dar certo sim, tinha que dar. Durante os treinos Ryan notava uma mudança no comportamento de Aeron. Ele estava mais pálido, passava horas e horas dentro de outra sala fazendo treinos extras, sozinho. Até que numa ocasião Ryan adentrou na sala e fixou seu olhar no rapaz e logo saiu. Nem bem a porta se fechou, Aeron saiu correndo atrás do garoto ruivo.

— Bem que dizem que os Morgans não possuem educação.

— Não entendi? — Ele bateu os pés, irritadiço com o rapaz, cruzando os braços enquanto o mirava.

Aeron achou uma graça como ele tentava parecer intimidador. Ryan suspirou antes de falar.

— Aeron, por que raios você está treinando sozinho? Assim não estaremos sintonizados.

Aeron, calmamente, caminhou até o garoto sem tirar os olhos fixos dele.

— Você está pensando somente na sua performance, Ryan.

— É, talvez eu esteja mesmo, dentro de uma sala escondido treinando sozinho também. Talvez seja esse o conceito de sintonia que te falei.

Ryan deu de ombros e continuou andando.

— Talvez você que não tem enxergado Ryan, o quanto eu ...

Aeron interrompeu a fala e recuou.

[...]

Nos últimos ensaios Ryan e Aeron passaram se estranhando até o grande dia. É chegado o dia da apresentação e Ryan estava radiante, nem parecia que estava nervoso para esse momento. Queria poder ver Aeron logo e dizer a ele como tudo estava perfeito e tinha confiança nos resultados finais, mas tinha receio da reação do loiro.

Ryan entrou no recinto e lá estava Aeron sentado num dos bancos. Ele parou na frente do loiro e tocou sutilmente no seu ombro. Aeron suspirou antes de levantar o olhar para poder encarar o ruivo. Parecia que havia levado um susto de tão pálido.

— Aeron, você está bem? — Perguntou Ryan com a voz um tanto falha.

— Eu estou bem, Ryan. Só estou nervoso assim como você.

Aeron levantou-se do banco, levando a mão na lateral do rosto bonito de Ryan, para fazer um carinho casto em sua bochecha, mas conteve-se.

A apresentação começou. Ryan Morgan foi o primeiro a apresentar-se. Era o cisne branco. Flutuava no palco como se fosse a própria ave. Seus gestos sutis e perfeitos encantavam a plateia. Aeron, pela fresta da cortina, nos bastidores, espiava o rapaz brilhar no palco. Era realmente belo e perfeito. Aeron estava nervoso, pois era chegada a sua hora e tinha que também ser perfeito. Era a dança da sua vida, era mais que isso, poderia ser o início de um novo ciclo e precisava que Ryan compreendesse o que isso significava para ele.

A dança do cisne negro começou. Aeron estava magnífico. Ele espalhava beleza em cada passo, cada expressão. Ele nasceu para dançar aquilo. Ryan foi para frente do palco e observava o rapaz dar o melhor de si para a performance sair impecável. Todos assistiam Aeron encantados, após alguns aplausos Aeron parecia mais confortável e confiante. A magia tomou conta do espaço, por via daquela linda performance. Ele era simplesmente belo.

Sua apresentação já estava terminando. Faltava somente o grande final, a entrega triunfal do Cisne Negro. Aquele momento era para Aeron Dalyon o ápice e nada poderia dar errado. Aeron prepara-se para o salto mortal e vê Ryan Morgan à frente do palco. Olhou firmemente para o ruivo, concentrou-se e partiu para a perfeição que tanto buscava.

O salto foi perfeito e a plateia delirou com aquela grandiosa performance. Foi lindo, foi delicado, foi apaixonante. Mas Ryan não aplaudiu, sentiu seu coração bater muito forte. Algo estava errado. De repente gritou em desespero e correu para o

palco ao encontro de Aeron. Seus olhos buscaram por ele que continuava caído no chão imóvel. A música parou, não havia mais a magia de alguns segundos atrás, para Ryan tudo estava tão escuro, ele não sabia o que fazer.

Ryan segurou firmemente a mão de Aeron e as lágrimas impiedosas fizeram caminhos por seu rosto maquiado. Aeron, num gesto angelical, pende a cabeça para o lado e sussurra baixinho.

— Talvez você não entenda a perfeição. Talvez você não entenda que ela é a tradução do quanto eu te amo.

Cerram-se os olhos, a cabeça pende-se e sua aura transcende na luz branca brilhando para sempre na vida de Ryan Morgan.

"A paixão pela dança os uniu e a perfeição por ela, infelizmente, os separou."

Ana Carolina dos Santos Fiuza
Enviado por Paulo Roberto Fernandes em 27/11/2022
Reeditado em 27/11/2022
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