Carmosina

Carmosina era a filha mais velha do senhor Antônio e aquele era um dia muito especial para ela, pois o moço Tiago vinha pedir formalmente para frequentar a casa e noivar com ela.

A moça estava quase ficando para titia, quando conheceu Tiago numa festa de São João na Igreja do Perpétuo Socorro.

Carmosina e o rapaz tinham algo em comum, ou seja, a timidez, porém, o medo de nunca casar a obrigou a se insinuar e chamar a atenção do pretendente.

Agora, no tão esperado dia, ela investiu tudo num vestido feito especialmente para a ocasião e caprichou na maquiagem suave, que realçou seu rosto redondo e os olhos amendoados.

Carmosina! Carmosina! Olha que notícia boa, tua irmã vai chegar hoje no trem das cinco, arreia a charrete e vai buscar ela na estação.

Mas, mãe…

Não tem mas, nem meio mas. Vai já buscar a tua irmã. Capaz que ela vai enfrentar a poeira da estrada e se queimar neste solaço de janeiro.

Carmosina tinha uma única irmã mais nova que ela. O chuchu da mamãe, a pérola do papai, a Alice.

As duas irmãs eram tão diferentes quanto a água e o vinho.

Carmosina era um mulherão de quase dois metros de altura, corpo redondo pela comilança, mãos, músculos e pés avantajados pela lida no campo e um vozeirão de tocar os rebanhos de bois, vacas e ovelhas.

Já a Alice era como uma minúscula flor de encanto e beleza.

Quando chegou a época da escola, Carmosina ficou para ajudar o pai na lida da fazenda e Alice foi morar com a tia Maria José em Paris, para “aprender as coisas do mundo”, como queriam os pais.

Assim, com a Alice lá na Europa, pintando o sete e bordando a própria liberdade, Carmosina se viu importante na família, mesmo às custas do trabalho duro.

Agora, justo naquele dia, a Alice voltava da Europa para ameaçar a vida amorosa de Carmosina.

Pensa rápido – falou Carmosina para si mesma.

Então, enquanto arrumava a charrete para buscar a irmã, Carmosina arquitetou um plano na própria cachola, pois ela sabia que se o Tiago visse a beleza da Alice, o futuro amoroso dela iria pelo ralo da pia.

Chegando à estação ferroviária Carmosina encontrou a irmã mais linda do que nunca esperando impaciente.

Carmosina! Quê demora. Vamos lá sua lerdinha.

Sim, Alice era a mesma. Ela não havia mudado nada.

Durante o trajeto de retorno Carmosina inventou rumar por um atalho, estacionou a charrete no belvedere e convidou a irmã para descer e admirar a natureza.

Carmosina! Este lugar não mudou nada! Quê paisagem mais bucólica. Tu precisas conhecer Paris.

Era uma Alice debochada e insolente caminhando na borda do precipício e Carmosina considerou acabar com a história atirando a pequena serpente nas profundezas do abismo.

Não, matar a irmã não estava nos planos dela.

Carmosina se embrenhou no mato e voltou com alguns ramos verdes, que escondeu no bolso do vestido.

Ao chegar em casa, depois da recepção dos pais, ela ofereceu a todos copos de chá gelado com generosas fatias de um bolo caramelado.

Depois que todos se fartaram Alice se sentiu sonolenta e pediu para fazer um descanso.

Bem à noitinha, o moço Tiago chegou, apresentou-se aos pais da moça e acertou o noivado, então quando todos já estavam jantando no salão principal da casa, a Alice apareceu na porta e estava quase irreconhecível, com o corpo e o rosto todo inchado, vermelho e empipocado.

É, a beleza da Alice estava coberta pela alergia provocada pela erva venenosa, que a Carmosina havia colocado no chá da irmã.

Imediatamente o doutor Augusto foi chamado, ele receitou alguns remédios para Alice e recomendou o isolamento dela do resto da família.

Naquele fim de semana, longe do perigo que a irmã representava, Carmosina se esmerou nos carinhos e fisgou o noivo pelo estômago, preparando pratos de dar água na boca e sobremesas de levar aos céus qualquer mortal.

Dias depois, a Alice voltou de mala e cuia para Paris.

Alguns meses depois, o moço Tiago pediu Carmosina em casamento.

Se eles casaram e foram felizes para sempre?

Sim, até porque, a Alice arrumou uma namorada e nunca mais apareceu por aquelas bandas.

Ondina Martins
Enviado por Ondina Martins em 10/01/2023
Código do texto: T7691184
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