O Muso do Departamento

Gente, estou amando. Não deveria, ele é do escritório. Fica lá do outro lado da sala, bem distante, mas sempre está no meu pensamento, é inconsciente. Quando ele está ausente, eu fico mirando a sua mesa, tentando controlar a ansiedade para quando ele chegar. Mesmo que o trabalho esteja maçante, desperto num instantinho quando ouço o apito de parada do elevador. Às vezes eu chego mais cedo, às vezes ele já chegou. É bom o tal de ponto flexível, ninguém mais quer virar robô, cumprir pontualidade. Mas a inconstância do horário me dá uma aflição... Dia sim, dia também, tento dar uma incerta, cruzar com ele no corredor quando ele chega. Acho que já estou dando bandeira, que todo mundo já reparou.

Percebi que ele quase sempre vem com uma mulher. Às vezes com outra. Também já o vi chegar com homens. Maldita popularidade! Nunca o vi chegar sozinho. Duvido que só eu tenha notado a aura de calor que preenche a sala quando ele aparece. Umas colegas até se abanam um pouco. De minha parte, acho que eu sinto até um cheiro diferente, que parece me abduzir os pensamentos. Será algum perfume, uma substância especial? Dizem que tem quem use um tal de feromônio para atrair pessoas. A indústria química é o diabo!

O que eu mais faço é admirá-lo de longe. É um desassossego, pareço uma doida. Meu olhar é tímido, talvez estranho, atento demais, ou insistente. Mas não faço alardes. Às vezes apenas paro o meu serviço, meio que saio do ar, viajo na imaginação... Sinto vontade de levá-lo pra casa, passar o dia com ele, nem ir trabalhar. Fico ali pensando em como ele é cheiroso, em como ele deve ser delicioso e quente como um abraço. Ainda não aprendi a expressar minhas emoções, não encontrei coragem para me declarar, nem para, sei lá, dizer alguma coisa razoável. Eu poderia dizer que tem dias que eu só encontro motivação para vir trabalhar quando penso nele. Que só por saber que ele vai estar aqui no escritório, tenho energia para sair da cama, me arrumar bem bonitinha e encarar o transporte público e o próprio serviço. Ele me inspira, e eu me sinto viva!

É sério, tem dias que eu preferiria não vir. Já imagino a mesmice que vai ser o trabalho, e o monte de desimportâncias que eu vou ter que resolver. Mas parece interminável a minha esperança. Mesmo que assim meio à distância, confio nele para me acalentar um pouco durante as longas horas no escritório. Essas horas de atividades aborrecidas, mecânicas, sonolentas e muitas vezes sem sentido. Só quando ele está presente nas reuniões é que as coisas andam. Ritmo de projeto, busca de indicadores, fake cronogramas, parece que as chefias precisam de algum empurrão pra decidir alguma coisa no rumo certo. Não tenho a menor vontade de ficar resolvendo problemas criados pela má gestão. A coisa toda dá um cansaço, que o pessoal parece que só esquece - ou manda longe - quando se reúne com ele pra desabafar.

Já percebi que tanto as colegas quanto os colegas curtem ficar por ali perto da sua mesa, jogando conversa fora. Tem vezes que não consigo nem chegar perto, de tão popular que o desgraçado ficou. E ele se presta!... Já flagrei muita gente nessas conversinhas. E sei de umas zinhas que ficam ali, bem faceirinhas, dizendo bobagens, rindo, curtindo, e depois saem bancando as chiques, dizendo que "têm melhor em casa". A petulância! Hipocrisia junto com exibicionismo. Ai que ódio, essa turma não tem trabalho pra fazer, não?

Enfim, me encho de coragem e me levanto para ir até lá. Encaro a travessia da sala diante dos muitos linguarudos do setor, e parece que estou chamando a atenção de todo mundo. Pretendo só dar uma passadinha, se pá, no máximo conversar um pouco. O esforço é imenso, passo a passo, atuo como se não estivesse transpirando nervosismo. Cumprimento quem estiver no caminho, desvio das mesas, passo longe dos fofoqueiros. Vou me aproximando, enxergando-o mais de perto, antecipando a sensação de prazer ao vê-lo, ao sentir o seu cheiro, ao tocar na sua mesa, ao pegá-lo meio sem jeito, sentir seu calor na minha pele. Depois, maravilha!, senti-lo tocar meus lábios, aquecer meu corpo, que delícia. Vale muito, é o melhor momento do dia. Estou amando o cafezinho do escritório! :-)