UM CASAMENTO FELIZ

Meus tios estavam casados há 25 anos. Era um relacionamento modelo que deu a eles três filhos, meus primos, a quem eu adorava. Tia Márcia e tio Rogério se davam super bem. Cúmplices, parceiros, sempre bem-humorados. Dava para ver o quanto se curtiam. Era como se nunca houvesse rotina naquele casamento de tantos anos. Sério, eu sentia inveja deles. Como queria um relacionamento assim.

Nunca tive.

Bem, um belo sábado pela manhã, minha tia acordou e meu tio, não. Ela só foi se dar conta que o cara estava morto quando entrou no quarto com a bandeja do desjejum. Ela adorava mimá-lo. Segundo o médico que atestou o óbito, tio Rogério morreu de enfarte fulminante por volta das três horas da manhã. Nunca vou me esquecer da tia Márcia, aos prantos, contando que, naquela noite, tinha dormido de conchinha com ele. Que bizarro. Tive que me trancar no banheiro para rir. De nervoso, de tristeza, de tudo. Eu adorava o tio Rogério, mas não achei justo e ele morrer em casa e causar aquele turbilhão na família. Pobre da tia Márcia.

Ele foi enterrado naquele mesmo dia. Minha mãe decidiu passar um tempo na casa dela para dar um apoio à irmã mais nova. Meus primos estavam arrasados, mas conseguiam manter algum nível de controle. Tia Márcia não. Quando minha mãe perguntou o que ela faria com as roupas do falecido, a mulher montou num porco. Disse que nunca, jamais, nunca mesmo, daria as roupas do marido para alguém. Manteria o closet dele igual, com todas as roupas, sapatos, lenços, cuecas, exatos como o tio deixara. Minha mãe decidiu não falar mais nada, nem mesmo quando a tia Márcia resolveu deixar suas próprias roupas de lado e andar com as vestimentas do defunto. Meus primos torceram o nariz, contudo respeitaram os seus sentimentos. Minha mãe fez que não viu, espantada com o comportamento da irmã. Afinal, cada um vivia o luto do jeito que dava.

Mas até aí, tudo bem. A merda aconteceu na missa de sétimo dia do tio Rogério.

O culto já havia terminado e os amigos e conhecidos do tio estavam falando com a viúva. O dia estava frio e ela vestia uma jaqueta do marido. Ficou grande, desconjuntada, e todo mundo fez que não viu, como se tia Márcia estivesse vestida como gente normal. Então olhei pro lado. Até hoje não sei exatamente o que me fez voltar meu rosto para a esquerda. Reparei numa mulher alta, bonita, com o cabelo loiro puxado para trás. Ao lado dela, um rapaz de aproximadamente 17 anos. Quase caí para trás.

O menino era a cara do meu tio.

Fiquei pasma e tensa. A mulher respirou fundo e veio em direção à minha tia. O menino logo atrás. Acertei uma cotovelada na minha mãe para lhe chamar atenção. Tia Márcia só percebeu que aquelas duas figuras estavam ao lado dela quando a mulher a chamou pelo nome:

一 Boa tarde, Márcia.

Ela olhou para sua direita e deu de cara com a outra. A expressão da tia mudou completamente quando se deparou com o rapaz.

Afinal, que merda era aquela?

一 Te conheço? ー tia Márcia empalideceu.

一 Meu nome é Suzane. ー ela estendeu a mão. 一 E este aqui é o Rogério Junior.

一 Quem?

A voz aguda da tia Márcia ressoou pela nave da igreja. Meus primos se aproximaram, curiosos.

一 Rogério Junior. Meu filho. E filho do seu marido também.

Tia Márcia podia argumentar que era tudo mentira. Mas o tal do Rogério Junior era a cópia idêntica do meu tio. Era impressionante. Eu estava boquiaberta. Minha tia, pálida, prestes a sofrer um desmaio. Socorro.

一 Muito prazer ー acho que minha tia não sabia o que dizer, abismada. 一 Ele… teve algum tipo de relacionamento com você?

Percebi que a tia não queria saber a resposta.

一 Tivemos um filho. E não foi um relacionamento qualquer. Sinto muito lhe dizer isto justo na missa de sétimo dia dele. Nós éramos a segunda família dele.

一 Ah, é? ー ela olhou para nós, tentando manter algum tipo de dignidade. 一 Ele nunca me contou.

一 Imagino que não, embora eu tenha insistido para isso há anos.

Meus primos logo cercaram o novo irmão, curiosos e amistosos.

一 Eu só quero que meu filho tenha os mesmos direitos que os seus.

Suzane era uma mulher gentil, de fala mansa e educada. Apesar do inusitado da situação, nenhum de nós conseguiu sentir algum tipo de aversão por ela.

一 Claro que sim ー tia Márcia enfiou a mão na bolsa, pegou papel e caneta e fez uma anotação ali. 一 Aqui está o telefone do meu advogado. Sugiro que entre em contato com ele para deixarmos tudo em pratos limpos.

Também era nítido que minha tia estava surpresa com a semelhança do Junior com o marido. Não seria preciso nem fazer exame de DNA para confirmar a paternidade. Nos despedimos de Suzane e do Junior e voltamos todos, calados, para a casa da tia Márcia. Sem dizer nada, ela subiu as escadas com dignidade, abriu a porta do quarto, avançou até o closet e jogou todas as roupas do tio Rogério dentro de duas malas. A própria peça de roupa dele que ela vestia teve o mesmo destino.

Eu e minha mãe assistimos tia Márcia jogar as malas no meio da rua. Depois, ela entrou na casa e foi beber chá com bolachinhas.

E que o marido ardesse no fogo do inferno. Aquele desgraçado.

Maria Caterinna
Enviado por Maria Caterinna em 11/03/2023
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