TATUAGENS ♥ PARTE I

Lá estava eu com o meu cigarro, apreciando o barulho dos carros, apesar de abafado pela música de Lady Antebellum. Eu adorava aquela sensação depois de um dia de trabalho acabando com cada parte de mim, cada parte minha aos prantos, pedindo para parar, para sossegar, descansar, o que não podia pois o mundo já me havia obrigado a criar rotina de fazer qualquer coisa para não ter a sensação de inútil e dependente financeira, mas assim me pergunto, de quem estava falando quando falava de dependência, não teria ninguém para me segurar, nem tão pouco para dar-me o que comer, então o maior sentido que isso tudo fazia era trabalhar, ou migrar numa floresta e viver igual uma mulher das cavernas ( o que não seria um mal de todo), pelo menos estaria respirando ar puro (como se isso fosse me alimentar e ser suficiente para mim), estaria rodeada de animais, os mesmo que mais tarde teria que caçar para poder me alimentar, adoro verduras, então não teria muitos problemas com isso, me banharia em cachoeiras e comer o tempo todo, pena eu não saber fazer fogo com pedras, é nesse momento que talvez o escutismo teria feito algum sentido.

Sinto o cigarro esvair-se aos poucos enquanto elevo os meus pensamentos e a playlist já tinha chegado nas músicas de Olivia Rodrigo, nem me notei que a tenho ouvido muito atualmente, talvez porque eu consiga sentir a música na sua voz, como um ator que reencarna completamente o personagem ao ponto de fazer-me viajar a milhas daqui, da cidade pacata.

I hope you happy, era o que a música dizia e fico aqui me questionando sobre a lógica de que quem ama quer sempre que a outra parte seja feliz, ainda que não seja comigo, e eu acho absolutamente patético, mas a sociedade moralista e politicamente correta usa sempre essa premissa, e o contrário disso é considerado tóxico.

Deixa-me dizer-vos algo que eu muito acredito e passei acreditar ainda mais com o passar do tempo, todos os relacionamentos são tóxicos, em todas as vertentes, o que provavelmente as pessoas acham normal, é tóxico, e para mim o amor é tóxico, e não que isso seja um mal no todo, porque na real as pessoas se submetem à essa toxicidade. Imagina a imensidão de gente no mundo, e a pessoa ter que passar o resto de sua vida com apenas uma pessoa por escolha, inibindo-se de sentir qualquer outro sentimento por outras pessoas e mesmo que as sentir, precisa inibir isso, pois comprometeu-se a fidelidade para com essa pessoa, e para mim isso é tóxico, comprometer-se e deixar as outras sensações que possam vir a surgir, sumirem sem as viver.

Fico aqui perguntando para os meus amigos como têm a certeza que realmente encontram os amores de suas vidas ou para as suas vidas, tal como pergunto sempre para héteros como podem ter tanta certeza sobre suas heterossexualidades, mas são dilemas que vão continuar flutuando dentro de mim e quando estou com um cigarro na mão e inalando o fumo do cigarro mais me invadem, de forma bruta e tenebrosa.

Me lembro que enquanto mais jovem já me pensei demais, poucas falas e mais pensamentos, preferia sempre criar uma conversa com o meu consciente quando estava acordada e com o subconsciente quando estava dormindo. Obviamente que eu adoro muito mais o meu subconsciente, ele ainda não foi envenenado pela moralidade e pelo politicamente correto, quando ele está atuando ele é puro, é natural e sem limites, sem medo e sem caixas ou padrões por seguir.

Enquanto vou me debatendo entre esses dilemas, penso no meu sonho impossível, assim o chamo porque a muito que o limitei e consciencializei que era impossível, mas uma vez estou aqui falando mal do meu consciente, coitado né.

Uff! Faço enquanto piso na beata que sobrou entre os meus dedos e passo o creme nas mãos para tirar o cheiro do cigarro entre os dedos e levo um mentol para a minha boca, o frescor que surge dele depois de um cigarro é puramente sensacional.

E me pergunto porque raios fui logo fazer a pós-graduação depois do trabalho, ocupando o pouco tempo que sobra do meu dia corrido, mas xhi xhi xhi, não diga nada Otchali, o mundo te acha corajosa e guerreira, inteligente, interessante, sonhadora e tal, para mim eu não passava de um projeto sem rumo, mal construído, mal acabado e quase um caos, um caos que o mundo mal conhece.

Nem sei porque raios estou aqui escrevendo, já que a preguiça vai tomar conta de mim e é 99% de certeza que nunca vou terminar de escrever essa história ou estória, tanto faz, estou exausta e com preguiça de sair para comprar alguma coisa para comer. Ah! Acharam que eu estivesse realmente a fumar em algum lugar, bem obviamente que eu fumo, é a minha calmaria, mas eu quero contar-vos sobre uma experiência, em como eu fui aqui chegar, nesses pensamentos confusos e realistas, quer dizer, não vou conseguir escrever tudo né, mas espero que de certa forma possam pensar sobre isso.

09 de outubro de 2026

Estava eu morta pela rotina que já vos expliquei acima, pós-graduação e trabalho, e por sinal dia do meu aniversário, então provavelmente o meu pessoal ia querer sair comigo, como sempre encher a minha cara e quase morrer no dia seguinte, ainda bem que amanhã é sábado e geralmente consigo dormir até mais tarde, aproveitando cada minuto de sono que o meu corpo possa oferecer-me.

Eu adorava os sábados e detestava os domingos, foda! Os domingos são segundas disfarçadas de um dia de descanso, mas o meu cérebro não parava de planear a segunda-feira o que estragava o meu domingo.

Não tenho ninguém geralmente para visitar nesses dias, pois há muito que me afastei da minha família e nem quero partilhar convosco a definição que eu tenho deles, prefiro manter-me neutra nesse quesito.

Então eram apenas dias meus, sem intervenção nenhum, com uma saída ou outra, se não fosse com Dafne e Celson que eram o que eu mais tinha próximo de amigos, com encontros casuais que acabavam em uma transa e sem gravar o contato da pessoa sequer.

Quem diria que o tinder fosse um passatempo interessante, estava lá eu, vagueando por ele, lendo os perfis das pessoas que eu achava interessante aparentemente, eu adorava aquilo, se existisse um emprego que fosse apenas para ler o perfil das pessoas em termos que não fosse profissional, eu teria me candidatado, até talvez exista, mas quem seria o louco igual eu que criaria um emprego assim?

E foi aí que eu tive a brilhante ideia, por que não? Seria interessante né, que alguém organizasse encontros para ti, com todos os pormenores necessários escusavas-te de conhecer um monte de gente, eu seria a pessoa que iria conhecer um monte de gente e depois tentar unir eles, talvez né, mas vou pensar melhor nisso, organizar as ideias e tentar colocar isso em prática.

Naquele sábado acordei com uma ressaca do caralho e mais uma vez, acabei não indo fazer a minha corrida matinal, suar de manhã aliviava a minha alma e dava mais energias para aguentar a rotina do dia-a-dia.

Fiz umas panquecas e tomei um chá de gengibre e limão, me pergunto como raios continuo com toda essa bunda e pernas mesmo o tanto de limão e gengibre que me enfio o dia todo, em qualquer lugar onde eu estiver, e se fosse transformado, eu até concordaria, era a raiz pura do gengibre o suco puro do limão, com o tempo isso acabou sendo o meu vício de líquido, outros apaixonados por café, chás de camomila e tantos outros, mas eu, bem eu era por essa mistura maravilhosa. E percebi que quanto mais me aproximava da casa dos 30, mas os meus gostos eram estranhos, desde comidas e bebidas.

Coloquei a roupa na máquina de lavar, havia me desfeito da Helena há já algum tempo, não tinha muito que fazer aqui em casa, lavar uma chávena ou um prato todos os dias e só aos finais de semana lavar e passar a roupa não era um emprego pelo qual eu poderia pagar, sou pobre e não posso me encher de luxos. Então as tarefas domésticas eu as fazia no sábado, enquanto colocava uma música super alta que fazia com que a dona Célia viesse reclamar sempre com aquela toca na cabeça e o cigarro sempre entre os lábios.

O hábito que eu tinha de fazer uma comida decente há muito já havia morrido, depois das tarefas me pus na rua, para comer alguma coisa. Usava umas calças leggings, ténis e uma camisola cinzenta que estava a me matar de calor, mas só percebi isso quando já estava na rua, e sem esquecer que eu odiava expor os meus braços para fora, de tanto que eles parecem muito robustos, devo ter criado isso dos 7 anos que andei praticando boxe, sem contar com as tatuagens enormes que invadiam os meus braços e não me arrependo das mais de 20 que tenho espalhadas pelo meu corpo e tão pouco do piercing que carrego no nariz e no septo, não as fiz inconsciente e estou seriamente pensando em fazer outras marcas a mais no meu corpo, não há mesmo descanso para os ímpios (risos).

Cheguei na Burguers Home, me sentei e como sempre o cara de lá sabia exatamente o que eu queria, mas naquele dia eu queria algo diferente e ele sugeriu-me um prato, cujo nome não lembro agora, mas detestei, porque por mais que eu fosse rebelde, parece que a lactose não estava disposta a aceitar-me no mundo dele e aquele dia tive um dia péssimo e paguei por isso.

Voltei para o meu casulo, com uma garrafa de vinho verde e tomei como se fosse água pura, sem sequer pensar em alguma ressaca no dia seguinte, afinal de contas só sentia a ressaca quando fosse beber fora de casa e com uma música tocando e eu me mexendo igual uma lunática.

E o dia já tinha se ido, então me pus na cama e fiquei a ler mais uma vez os 7 casamentos de Evelyn Hugo, não me cansava de ler aquela mulher, calculista, inteligente, imprevisível e vos mandando foder, digo, mandando foder o mundo e as suas regras do politicamente correta.

Parecia uma vida triste, apenas parecia, não era a vida perfeita, porém eu adorava aquilo, aquela calmaria me dava uma sensação perfeita e não sou muito de me lamentar, tudo o que tiver que acontecer porque eu quis e puder controlar, eu passava por cima disso e me lembrava muito da época em que a depressão passou por mim e como um caracol se rastejando eu tinha a mandado foder, não funciona com todos obviamente, é uma treta das piores, as doenças emocionais são fodas e uma vez que as sentes, em algum momento elas retomam e só com o tempo eu pude aprender isso, não com ouvi dizer, mas com experiências, muitas experiências, porque a sensação de sentir-se inútil do absolutamente nada é foda.

Naquele dia eu tentei colocar as ideias em relação ao meu pensamento do dia anterior, sobre ser uma amoreira, se assim o poderia chamar. Pensei em como o chamaria, como e onde eu faria o suposto projeto que eu acabava de criar, bem criar pelo menos a ideia eu tinha criado.

Pus o meu cérebro a funcionar, sinceramente não achava lógica nenhuma e cada vez mais a ideia parecia ridícula e fútil e começava a ter certeza disso.

Já era finalzinho da tarde, e precisa compensar as 3 corridas matinais que eu não tinha feito nos últimos dias, pus a roupa de corrida e com a minha música nos ouvidos é claro e cronometrando os 90 minutos de corrida planeados para o domingo, joguei-me nisso.

A corrida é uma sensação aterrorizante no princípio, principalmente eu que sou fumante, parece que o meu peito está a suplicar por água, amor, atenção e por parar, principalmente por parar, mas é apenas no princípio, é como tudo, ou melhor, quase tudo, é tudo uma questão de adaptação e quando já se tinham passado 25 minutos de corrida, parece que o corpo já tinha pegado o ritmo e nem conseguia sentir mais o peito a suplicar, sentia toda a minha roupa presa em mim de tanto suar, mas as minhas pernas não paravam, e eu adorava aquela sensação de entrar no ritmo e não querer parar mais, jamais.

Ia fazendo uma curva quando esbarrei em alguém, alguém com capuz, então não pude identificar quem era, mas pedi desculpas e a pessoa acenou, continuou caminhando, como quem não queria ser visto, pela respiração da pessoa, sinceramente achei que fosse ter um treco, um daqueles bem foda mesmo, quando nos separamos olhei atrás e os seus passos eram lentos, super lentos e quase que parando, fui dando outras voltas e praticamente a pessoa estava andando mais do que correndo, não andando às pressas, um andamento leve, porque estava eu na quarta volta e a pessoa continuava na primeira e parecia sem pressa nenhuma de avançar, e aí ouvi o meu cronómetro tocando.

Pois é, a minha corrida tinha terminado e vocês vão achar loucura, mas a primeira coisa que fiz, foi entrar no bar bem em frente de mim e comprar cigarros, eu precisava tanto dele, como um diabético de insulina, como um alcoólatra de álcool, como um bebê do leite. Sentei-me ali, bem na fonte que tinha no parque do centro, com uma ponte mais abaixo.

O dia começava a escurecer, e as minhas mãos tremiam, sempre tremiam no primeiro cigarro, fumantes sabem como é o primeiro cigarro, é uma sensação quase indescritível, já imaginou ficar dias no deserto sem água, e aí encontras uma garrafa de água, bem fria, é como se tivesses achado uma fonte de riqueza, ouro, diamante, qualquer coisa que te coloque em êxtase. É uma das melhores sensações que eu não me inibo de sentir, gosto de sentir isso.

E lá estava eu, com a mesma sensação e o meu corpo respondendo a tudo isso de maneira tão feliz e sensacional, por uns segundos sinto uma pequena tontura, o que é normal do primeiro cigarro e principalmente depois de 90 minutos de corrida, obviamente vocês e eu sabemos que não é saudável, obviamente que não é, mas muita coisa não é, e também não preciso e nem tenho necessidades de inibir os meus desejos e necessidades, ainda que isso vá contra o politicamente correto, ou para a minha morte prematura, afinal de contas a qualquer momento todos nós estaremos mortos.

Fiquei alguns minutos a mais, até do nada eu sentir que alguém está sentada bem ao meu lado, normal né, afinal de contas era um parque público e várias pessoas vêm aqui para espareicer e aproveitar o ar não poluído daqui. Mas, começou a ser constrangedor quando senti que a pessoa estava aí a observar-me, a gente consegue ter a sensação de quando estamos a ser observados não sei qual nome pode se dar à isso.

Decidi me virar e ver quem poderia ser, e só vi alguém com a roupa toda preta e um capuz preso na cabeça, brincando com as unhas e olhando para mim, agora sim eu conseguia perceber que a pessoa que estava se esfoliando tentar correr, caminhar ou sei lá como chamar à isso, e os seus olhos estavam fixados de uma maneira estranha, estranha boa, acho eu. Não dizia nada, apenas olhava, não fazia gesto nenhum com o rosto ou qualquer parte do corpo, estava encolhida, com a cabeça sob os joelhos, e os olhos e acabeça levantadas para mim, encarei de volta por uns 30 segundos, mas começou a ser constrangedor para mim.

- Se ao menos tirasses o capuz, seria menos assustador!

Ouvi um sorriso que mais parecia um rosnar.

- Não precisas te assustar, corres muito bem e jamais te alcancaria.

- Talvez sim, talvez não, se fores um predador tentando me alcançar, poderias estar a fingir na pista que não corrias nada e quando chegasse o momento agirias igual um leão feroz.

- Porque não predadora? Apenas os homens podem ser predadores? Na verdade sou uma leonina, mas das mais lentas, a mais lentas vais conhecer.

Não tinha me dado conta que tinhamos todos essa mania de falar sempre no masculino quando não conseguiamos identificar o sexo da pessoa, entre ser mulher ou homem, a gente relacionava sempre a homens, e nesse quisito predadores/as pior ainda.

E fiquei encantada com a voz que soou, uma voz grave e bem potente, com uma fala firme e calma, medindo cada palavra que saisse da boca, com se estivesse sendo desenhada antes de sair.

- Ah! Vou?

- Ah vais sim!

- Parece uma imposição!

- Na verdade te verás obrigada a conhecer!

Dei um sorrioso, pareceu-me desafiador, tenho a mania de meter sempre em desafios com as pessoas, tudo que me desafia e me tira da zona de conforto é o que mais me chama atenção.

E aí levantou-se e veio para bem perto de mim, e baixou o capuz. Puta merda! Ela era linda, com uma estatura média de 1.75cm ou mais ou menos isso, diferente de mim que estava com 1.63 cm, era linda, com a pele negra, os olhos grossos e rasgados em simultâneo, o lábio superior tinha um formato como se tivesse sido desenhado pelas deusas, o queixo meio saliente e o nariz pequeno, achatado e as bochechas meio salientes, tinhas as sobrancelhas e os cílios bem cheios e pretos, era perfeita.

Estendeu a mão para mim.

- Leia! O meu nome é Leia.

Levantei-me, joguei fora a beata, pisei nela e estiquei a minha mão.

- Otchali!

- Que nome lindo, mas não mais lindo que a dona obviamente.

E foi quando deu um sorriso e puta merda dentro de mim me derreti por completo, tenho plena certeza que se eu tocasse a minha calcinha naquele momento eu sentiria que ela estava molhada.

- Prazer em conhecer-te Otchali, nos vemos por aí.

Fiquei em êxtase, dentro de mim queria que ela ficasse e que eu a pudesse conhecer mais naquele momento e saber mais dela, tudo o que eu pudesse saber dela naquele momento seria muito relevante para mim, é como ir ao tinder, encontrar ela e não ter nada no seu perfil, criou-me curiosidade e destesto não saciar as minhas curiosidades no momento, como uma pulga na orelha.

Mas, não podia dar razão à ela sobre a querer conhecer naquele momento tal como ela disse mais cedo.

- Foi um prazer Leia!

E foi embora. Fiquei ali presa nos seus movimentos enquanto andava e mexia os seus dedos, até ela se perder no nada.

MGREÓRIO

JUNHO DE 2023

MGregório
Enviado por MGregório em 28/06/2023
Código do texto: T7824345
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