Um Amor Inesquecível

Desde aquele dia ela nunca mais fora a mesma. Não conseguia dormir, nem comer, na realidade não conseguia fazer mais nada sem ser atormentada por aquelas lembranças.

Atormentada. Sim, era assim que se sentia desde aquele dia. Era uma crueldade do destino cruzar o caminho deles de novo depois de tantos anos. Dezesseis longos anos se passaram, não obstante, estava tudo muito fresco em suas lembranças como se tivesse acontecido ontem.

Precisava fazer alguma coisa para esquecer, não havia nenhuma possibilidade de reviver tudo de novo. “Não, eu não posso dar vazão aos meus sentimentos. Agora sou uma mulher casada. Preciso esquecer. Aquela situação não podia perdurar, e se alguém descobrisse, o que faria? O que iriam pensar dela?” Pensou.

- Querida, o que há de errado com você? Perguntou-lhe Fred

- Desculpe meu amor, eu estava distraída, o que você falou?

- Eu disse que não venho almoçar, tenho uma reunião às dez e não sei a que horas vai acabar.

- Está bem, eu não me importo de almoçar sozinha. Disse isso e abraçou o marido como se fosse a última vez. Fred era um homem apaixonado, vivia para a esposa. Era capaz de fazer qualquer loucura para satisfazer os desejos de Anne. “Como poderia decepcioná-lo?”

Fred a beijou longamente e sussurrou obscenidades em seu ouvido insinuando que à noite ela não escaparia, e saiu.

Anne ficou estática no meio da sala. Olhou ao redor contemplando a beleza dos móveis e da decoração que ornamentava a sala de seu apartamento que ficava no décimo andar de um dos melhores condomínios do Parque São Paulo. O vento frio e forte que entrava pela janela fazia a cortina em tom pastel esvoaçar. De que lhe servia tudo aquilo se o mais queria não podia ter? Um nó que lhe apertara a garganta desde a noite passada quando Fred chegou, foi desatado com soluços incontroláveis. Anne chorou copiosamente. Flashes vinham a sua mente. Aqueles olhos penetravam os seus de uma maneira tão profunda, tão íntima que se sentia invadida e envolvida por aquele clima. Era como se ela fosse a areia e ele o mar. Ainda podia sentir seu hálito quente na nuca, suas mãos tocando-lhe o corpo... Frases soltas e sem sentido entre um beijo e outro. – Por quê? Por que isso tinha que acontecer logo comigo meu Deus? Até quando vou suportar essa angústia?

O telefone tocou, Anne estremeceu. “É ele, eu sei que é.” Pensou. Tocou uma, duas, três vezes. Seu coração estava aos pulos, sua respiração ofegante. Há quanto tempo esperava por aquele momento? E agora, o que dizer?

O telefone tocou pela sétima vez.

- Alô!

Ninguém respondeu. Ela esperou alguns segundos, e tornou a falar entendendo que aquele seria o sinal confirmando que era ele.

- Alô! Com quem deseja falar?

- Com você.

- Quem é?

- Será que você tem dúvidas mesmo?

A voz de Anne estava trêmula, não tinha como esconder o seu nervosismo.

- Não! ... Eu... eu pensei que você não iria ligar. Pausa. _ Como você está?

- Estou bem, melhor agora que estou falando com você. E você, como está?

- Nervosa, com meu coração disparado.

- Dá para perceber. Fique tranquila. Você não está fazendo nada demais. Se você quiser eu desligo...

- Não. Eu não quero. Na realidade eu esperei tanto por esse momento. mas estou com vergonha...

- Vergonha? Vergonha de quê? De quem?

- De você, de mim, de mim mesma...

Anne começa a chorar.

- Por favor, não pense que sou vulgar, não me julgue mal.

- Calma, não fique assim. Se eu soubesse que você ficaria assim não teria ligado.

- Desculpe, eu me descontrolei, me desculpe. Esse telefonema era tudo o que eu queria. Eu estava louca para falar com você, para ouvir a sua voz. Eu não consegui te esquecer. Tentei, fiz de tudo, mas não consegui.

- Anne, nós precisamos conversar pessoalmente, eu tenho muitas coisas para te dizer que não podem ser ditas por telefone. Você lembra daquele lugar?

- Lembro sim.

- Eu te espero lá. Que horas está bom para você?

- Hoje?

- Sim, hoje, não vamos esperar mais, já perdemos muito tempo longe um do outro. Eu preciso te ver, preciso de ter...

- Ai, meu Deus, eu não sei... Na hora do almoço, pode ser?

- Está bem, espero você lá. Até mais.

-Tchau!

O coração de Anne estava disparado. Correu até ao quarto assustada. Foi essa mesma sensação que sentira quando saíram pela primeira vez. Parou em frente do espelho e olhou-se desconfiada como se alguém a observasse. Aproximou o rosto do espelho mirando cada linha de expressão que o tempo deixara. Não, o tempo não deixa linhas de expressão. Eram rugas! Olhou mais de perto para certificar-se. Eram rugas mesmo. Desatou o laço que prendia o chambre que vestia e o deixou cair no chão, olhou minuciosamente para cada detalhe de seu corpo, apesar dos quase cinquenta anos ainda era uma mulher atraente. Será que teria coragem de ficar sem roupa na frente dele? Pensou. Um sentimento de euforia e expectativa se misturava com medo e com o cheiro de pecado que exalava de seu corpo. Suas carnes tremiam só em pensar que em pouco tempo estaria diante do grande amor de sua vida.

Enquanto se dirigia até ao banheiro uma sensação de incerteza e temor invadiu mais uma vez seu coração, mas a vontade de reencontrá-lo sobrepujava todo medo. Ligou o chuveiro. Depois de um banho demorado, Anne pegou o roupão cor de rosa que ganhou de presente de casamento. “Meu Deus, o que estou fazendo? O Fred não merece uma traição, ele é louco por mim e jamais teria coragem de me trair. Eu sou imunda, como posso fazer isso com um homem como ele? Quantas mulheres não queriam tê-lo como marido...?” Esses pensamentos atormentavam lhe a alma. Certa de que não mais iria cometer aquela loucura, Anne sai do banheiro e ao entrar no quarto vê a pasta de Fred junto à poltrona. Sem entender o motivo dele ter esquecido, resolve ligar para o escritório.

– Não, o senhor Fred ainda não chegou. Ele ligou e disse que hoje só viria depois das 15 horas. Mais alguma informação senhora? – Não, obrigada. Anne desligou o telefone.

“O que estava acontecendo? Fred nunca mentiu para mim!”

Curiosa, resolveu abrir a pasta. “Eu não acredito! O que é isso?” Sem acreditar no que via Anne repetia várias vezes a mesma coisa: “Eu não acredito, não acredito no que estou vendo, como Fred foi capaz de fazer isso comigo”?

Anne estava surpresa com o que via... um álbum de fotografias com várias fotos de Fred com uma mulher bem mais jovem do que ela. “Então foi por isso que ele mentiu. É por isso que pelo menos três vezes por semana ele não pode almoçar em casa”. Anne andava de um lado para o outro sem compreender como uma pessoa poderia ser tão mentirosa, tão dissimulada. Fred tinha uma amante com quem provavelmente estaria naquele exato momento até às 15 horas.

Depois de ponderar sobre tudo o que vira e pensar no sentimento de culpa que a atormentava por não ter esquecido de sua grande paixão tomou uma decisão. “Eu não vou perder essa oportunidade, faz tanto tempo que espero por esse momento, não vou deixar passar assim, o Fred que me perdoe, mas eu vou, e vou fazer tudo que sempre quis, vou me entregar inteira, vou viver tudo que sempre sonhei e que esperei durante todos esses anos. Não vou permitir que o sentimento de culpa me acuse e não vou me privar de viver essa paixão louca e enrustida que me faz me sentir viva e feliz. Mesmo que seja por pouco tempo.”

Decidida, vestiu-se, passou um batom vermelho café e um perfume adocicado. Pegou a bolsa, a chave do carro, olhou para o porta-retratos que estava sobre a cômoda, nele, estava a foto de Fred. Anne sorriu, deu uma piscadinha para a foto, bateu a porta e saiu para viver a mais louca aventura de amor que já se ouviu falar.

Selma Sá Barreto
Enviado por Selma Sá Barreto em 23/07/2023
Reeditado em 27/07/2023
Código do texto: T7844145
Classificação de conteúdo: seguro