A princesa perdida

O rei Carlos Eduardo estava passando por um momento delicado em sua vida.

 

Ele não tinha se casado por amor, como boa parte de seus antecessores, mas nunca imaginou que isso seria um problema. Afinal, não havia ninguém com quem ele desejasse ter esse tipo de relação. Uma amizade, nesse caso, parecia ser o suficiente para o relacionamento com a rainha consorte.

 

Não demorou para sua teoria cair por terra ao ver-se apaixonado por uma mulher, depois do matrimônio já ter sido realizado. Influenciado por livros e boatos, ele viu o adultério como uma opção viável. Tinha consciência de que seus sentimentos não diminuiriam com o tempo e guardar aquilo para si estava fazendo mal demais. Afinal de contas, Carlos Eduardo sabia que sua esposa tampouco gostava dele desse jeito.

 

Por incrível que pareça, o monarca conseguiu manter a amante por anos e anos sem ninguém suspeitar. Por um momento ele pensou estar perto do fim quando ela engravidou, mas, mesmo assim, nem sombra de suspeita. O marido dela nem por um segundo cogitou não ser o pai da pequena Cíntia. Foi sorte pura ele não reparar no tipo sanguíneo dela, que comprovaria seu pertencimento à dinastia Eze.

 

O tropeço veio pouco antes do aniversário de 7 anos da Cíntia. Era tempo demais para essa história durar quando todos sabem que mentira tem perna curta, não? A rainha não quis fazer algazarra, um escândalo desses era tudo de indesejado para sua família. Sentiu-se uma vitoriosa quando conseguiu casar com o rei e assumir um posto tão importante, não poderia pôr sua reputação em risco.

 

A monarca nunca amou de verdade seu marido, teve ao menos esse consolo. Naquele momento, sua maior preocupação era outra: seu filho Raoni era um ano mais novo que a bastarda, por isso, sua linhagem ficou ameaçada caso Carlos Eduardo quisesse assumir publicamente a paternidade daquela herdeira por direito.

 

Considerando isso, a rainha não revelou ao marido a descoberta de sua amante, muito menos ao parceiro da outra. Decidiu valer mais a pena desembolsar uma grande quantia de dinheiro para que a mãe de Cíntia fugisse sem deixar rastros e o rei não conseguisse encontrar nem ela, nem sua filha. Sendo um valor exorbitante e tendo consciência de que negar o acordo poderia ter consequências terríveis, o único remédio era aceitar e partir.

 

Carlos Eduardo ficou arrasado com o desaparecimento de sua amada e a filha primogênita, porém não tinha como perguntar por elas sem revelar seu segredo. A única confidente que teve durante todo esse tempo foi sua irmã mais nova, Eliane, a qual prometeu ajudá-lo a reencontrar as duas, custasse o que custasse.

 

— Já se passaram anos e você não tem notícias! Tenha piedade de mim!

 

A duquesa Eliane suspirou ao escutar tais palavras assim que chegou. Ela tentava fazer algo praticamente impossível, o reino era enorme e levaria anos para conferir todas as casas em busca de ambas. Além disso, a notícia de que a irmã mais nova do rei estava na caça, com certeza, chegaria nelas antes e faria ambas fugirem mais uma vez.

 

Carlos Eduardo esperava que a morte da rainha significasse o fim do dinheiro provavelmente desviado com o objetivo de mantê-las longe e, portanto, colaborasse para a falta de interesse da amada em esconder-se. Alguns meses depois desse evento, nada parecia ter mudado.

 

— Olha, eu acho que encontrei uma pista boa. E como você agora é viúvo, talvez não haja interesse em fugir. Um informante sabe da localização de uma possível Cíntia, quanto a mãe, já não sei de nada. Pretendo visitar a morada para certificar-me e logo trarei notícias e, quem sabe, sua filha também. — O sorriso do rei foi o primeiro de alegria genuína em muito tempo.

 

— Ela teria 20 anos hoje… — disse sentindo a tristeza voltar, por perder o crescimento dela. Mas logo uma ideia passou por sua mente e os lábios voltaram a transbordar animação. — Poderíamos fazer um baile para Raoni. Dizemos que seria para escolher um cônjuge e que todos os habitantes do reino estariam convidados, assim atrairemos minha filha para cá! — o rei falou como se o plano não possuísse falhas.

 

— E por que ela viria a um baile disputar a mão do irmão? — Eliane estava horrorizada.

 

— Cíntia não sabe que é minha filha. E se souber, dane-se. Quem sabe ela não vem reivindicar o título de princesa da dinastia Eze?

 

— Melhor certificar-me de que estou com a jovem certa então, mal cheguei e já devo sair novamente… — Suspirou. — Eu vou cumprimentar meu sobrinho antes de partir para mais essa jornada.

 

O príncipe Raoni ficou muito feliz com a visita de sua tia, porque ela quase nunca aparecia. Estava sempre viajando a mando de seu pai. Porém, sua expressão mudou drasticamente depois de saber sobre a estratégia de seu pai para resgatar sua irmã.

 

— Vocês vão me obrigar a casar com um desconhecido?! Mas eu só tenho 19 anos! Sou jovem demais para isso! Querem que eu tenha uma união frustrada que nem a dos meus pais?! — perguntou à tia, revoltado.

 

— Não, claro que não. É só para atrair a sua irmã, acreditamos ter uma pista de onde está escondida.

 

A expressão do sobrinho ficou impassível. Ele sabia que não poderia ser contra essa jogada e conteve-se em fazer papel de interessado. Seus sentimentos, entretanto, estavam mostrando preocupação pura. Sua mãe já o tinha alertado quanto à possibilidade de, por ser mais velha, Cíntia ter prioridade na linha de sucessão. Era desesperador não poder fazer nada quanto a isso.

 

Já Eliane, estava tranquila. Afinal, descobriu realmente estar na pista certa quando viu a suposta Cíntia e o quanto ela era parecida com seu irmão. A duquesa não conseguia entender como o marido da mãe dela nunca suspeitou de nada. Ou talvez soubesse da história e manteve o silêncio pelo dinheiro da rainha. Depois que Carlos Eduardo descobriu a razão da fuga, tudo fez sentido.

 

Sabendo que a notícia do baile já tinha chegado àquela região, tentou fazer sua parte e garantir que a jovem comparecesse. Com vestimentas mais simples, tentando não ser reconhecida como duquesa Eliane, ela bateu à porta para falar com a sobrinha, que prontamente atendeu.

 

— O que deseja? — Cíntia perguntou com educação.

 

— Meu nome é Eliane. — disse com receio de ser descoberta, mas, sabendo que existiam diversas mulheres chamadas Eliane no reino, não seria tão arriscado. — Eu sou amiga da sua mãe, gostaria de falar com ela, por favor.

 

— Minha mãe já faleceu, faz alguns anos. — A jovem disse hesitante, sem saber como seria a reação da outra.

 

— Desculpa, eu… não sabia. — Eliane estava visivelmente abalada.

 

— Tudo bem, creio que nos despedimos aqui. — Ela não sabia como prosseguir.

 

— Será que eu poderia falar com seu pai então?

 

— Então… ele também não está mais entre nós. — Dessa vez a preocupação era da tia quanto ao estado emocional da sobrinha.

 

— Eu… nem sei o que dizer. Desculpa por fazer essas lembranças virem à tona.

 

— Já faz muito tempo, não se preocupe. — Cíntia tentou tirar o peso da mulher em sua frente.

 

— Você mora sozinha, devo concluir? — A duquesa tinha medo de parecer enxerida, mas não poderia chegar até ali só para morrer na praia.

 

— Eu vivo com minha madrasta Samira e minhas irmãs. Por quê? A conversa lhes diz respeito também?

 

— Não, não. Acho que meu assunto deve ser com você então. — Ela pensou no que dizer antes de continuar. — Você já deve ter ouvido do baile do príncipe Raoni, imagino.

 

— Todos estão comentando nas redondezas, mas acho uma grande bobagem. Coitado dele por precisar submeter-se a isso, aliás.

 

— Eu acho que você deveria ir. — Jogou no ar.

 

— Esse é o assunto que queria ter com a minha mãe?

 

— Não exatamente. É que… — Interrompeu-se na tentativa de pensar em algo para dizer.

 

— Olha, mesmo que eu quisesse, não poderia. Minha madrasta está muito doente e eu preciso cuidar dela.

 

— Mas suas irmãs não poderiam fazer isso? Aliás, qual é a relação? Elas são irmãs só por parte de pai ou… — Eliane não resistiu à curiosidade.

 

— São filhas da Samira com o primeiro marido, na verdade. Mas são como irmãs. Elas gerenciam o negócio da família, de uns tempos para cá, a lucratividade caiu muito. — A duquesa associou essa informação à morte da rainha e o fim dos pagamentos.

 

— Vou ser sincera com você. — Eliane torcia para que Cíntia realmente acreditasse nessa história. — Sua mãe tinha uns assuntos pendentes com o rei Carlos Eduardo e acho que ela não estando mais entre nós, você deveria ir. Eu fui enviada por ele para buscar você e posso acomodar a dona Samira na carruagem também, se for o caso.

 

A jovem ficou surpresa com esse comunicado, mas essa informação fez muita coisa conectar-se em sua cabeça. Às vezes sua mãe mencionava o rei, provavelmente pensando nesse tal negócio em comum. Considerando que suas irmãs já iriam ao baile mesmo, ela aceitou e as cinco foram em direção à capital.

 

Quando o dia do baile chegou, Cíntia e as irmãs foram à festa, acompanhadas de Eliane. Enquanto isso, Samira ficou em casa repousando. O príncipe logo encontrou o grupo e, seja por reconhecer a tia, seja por reconhecer a irmã, foi em direção a ele.

 

— Como ousa aparecer aqui sua bastardinha?! — O grito de revolta foi alto o suficiente para chamar atenção de todos, inclusive do pai.

 

— Que falta de educação é essa, Raoni? — O rei perguntou assim que os encontrou. — Seja educado com sua irmã.

 

Cíntia estava no escuro quanto a aquela história toda e não conseguia compreender coisa alguma. Suas irmãs bombardeando-a com perguntas não colaboram para que deduzisse nada, aliás. Ela estava prestes a fazer um questionamento à Eliane quando o rei fez um pronunciamento:

 

— Eu sei que todos vieram aqui na esperança de conquistar a mão de meu filho Raoni, mas todos sabem que ele ainda é muito jovem para casar. Neste baile, na verdade, eu gostaria de apresentar a vocês minha filha perdida: Cíntia Eze.

 

Enquanto todos os convidados aplaudiam a nova princesa, só uma coisa se passava na cabeça dela:

 

“Mas que raios…?”

 

A recém-reconhecida como parte da família real começou a receber muita atenção daquele monte de gente estranha. Sendo uma jovem simples e acostumada a passar despercebida, o tumulto formado ao seu redor foi extremamente desconfortável.

 

Sem pensar duas vezes, resolveu afastar-se dali junto de sua madrasta e irmãs. Não conseguia pensar com todo aquele falatório e não conseguia assimilar direito o que estava acontecendo.

 

Suas três companheiras também iniciaram um pequeno debate sobre o fato de aparentemente Cíntia ser uma princesa, mas, ao menos com elas, a jovem estava acostumada.

 

Para seu azar, a correria foi tanta que acabou tropeçando e perdendo um de seus sapatos. A multidão era tal que nem valia a pena procurar, poderiam pegar depois nos achados e perdidos. Pois sim, depois de um pouco de paz para colocar os pensamentos em ordem, ela certamente retornaria ao castelo para conhecer sua nova família.