Era o ano de 1985. Tancredo Neves havia morrido e Sarney era o presidente do Brasil. Após 7 anos estudando no Estados Unidos, voltei a cidade do interior onde meu avô tinha uma fazenda e na infância e adolescência eu passava férias e feriados. Cheguei nos dias em que a quermersse do Padre Inácio acontecia e a cidade estava em festa como sempre. Recebi um abraço afetuoso do meu mentor espiritual e de repente avistei Naldo meu melhor amigo e também meu primeiro crush. Quando o tinha visto pela última vez éramos dois adolescentes de 18 anos e em 1985 dois homens de 25 anos. Naldo havia se transformado em um homem bonito, másculo e fiquei sem ar quando ele se aproximou e sem falar nada, me abraçou contente.

          Naldo e eu éramos amigos desde que me entendo por gente. Seu pai trabalhava como administrador na fazenda do meu avô. Vivíamos grudados e até a missa íamos juntos. Quantas quermersses ajudamos Padre Inácio montando barraquinhas e trabalhando nas vendas. Quando crianças brincavamos de pique esconde, queimada, carrinho de rolemã, bolinhas de gude e empinávamos pipas. Tomávamos banho de rio e ficávamos horas falando de nossos sonhos e do nosso futuro. Hoje entendo que namoravamos sem saber ou sem entender, já que não tínhamos consciência que éramos gays. Ele foi ganhando um espaço dentro de mim e eu dentro dele. Eu não imaginava férias ou feriado em outro lugar. Por ser mais alto e mais forte, ele sempre me defendia principalmente em casos de brigas. As únicas que não acontecia eram beijos e transas.

          Após o abraço, ele me olhou profundamente e revelou que estava muito feliz em me ver e que eu o tinha abandonado por 7 anos.

- Eu não acredito que você voltou. - ele falou emocionado -

- Finalmente voltei - foi o que eu consegui falar -

- Vamos para a minha casa - ele decidiu sem esperar minha resposta -

- Sua casa? - perguntei surpreso - 

- Agora moro sozinho - ele respondeu -

          Naldo morava em uma casa que ele sempre dizia que era a casa mais bonita da cidade e um dia moraria nela.

- Lembra dessa casa?

- Claro. Sua casa. E agora é mesmo. - disse rindo -

- Aqui podemos conversar melhor - ele falou ao entrarmos -

          Ele abriu um vinho e durante duas horas colocamos o papo em dia. Percebi que mesmo tendo vivido outras exeriências, mesmo amorosas, eu ainda era apaixonado por Naldo. Vê-lo um homem feito, foi como ativar minhas memórias e tudo voltou.

- Posso te fazer uma pergunta indiscreta? - ele perguntou olhando diretamente nos meus olhos - 

- Claro que sim. - respondi -

- Quero que você saiba que seja qual for a sua resposta nada muda em nossa amizade.

- Nossa, o que você quer saber? - Perguntei rindo -

- Você é gay?

          A pergunta direta dele me pegou de surpresa e fiquei calado.

- Seja sincero porque nada vai mudar na nossa amizade.

- Sou sim - respondi corajosamente -

- Então vou fazer uma coisa que só cheguei a conclusão que eu queria fazer quando você foi para longe de mim.

- O que? 

- Isso.

          Ele pegou minha nuca com as duas mãos e me beijou. Não acreditei no que estava acontecendo, mas me entreguei ao beijo dele. Fomos para o quarto e transamos a noite toda. Nunca mais nos separamos e vivemos uma grande amor durante 36 anos até que em 2021 ele perdeu a batalha para o covid e partiu virando uma estrela no céu. Vivemos o amor que muitos gostariam de viver, fomos o casal que todos queriam ser. Ele era eu, eu era ele e muitas vezes as pessoas nos enxergávamos como um só. Sinto que ele está comigo o tempo inteiro e continua me protegendo. Como sou espírita, tenho certeza que um dia vamos nos reencontrar. Nosso amor não acabou.

       

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 23/09/2023
Reeditado em 23/09/2023
Código do texto: T7892719
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