Cinéfilos
Quando entrou na sala de cinema, dez minutos antes da sessão começar, viu que havia apenas uma outra pessoa presente: uma garota de óculos, mais ou menos da idade dele. Ela estava sentada aproximadamente no meio da plateia, numa poltrona junto ao corredor, e ele havia comprado um assento na última fileira, bem acima. Por alguma razão que não conseguiu justificar para si mesmo, achou bom estar num local onde pudesse vê-la, mesmo que não tivesse coragem de se sentar na mesma fileira. Afinal, a garota poderia estar esperando alguém, talvez uma amiga, e ele acabaria sentindo-se um idiota por imaginar que ela queria companhia.
Acomodou-se em sua poltrona e aguardou. As luzes apagaram, trailers foram exibidos e mais ninguém entrou na sala. Abaixo dele, a garota solitária comia pipoca. Pouco depois, o filme que ambos haviam ido assistir, "A Vida de Dominik Panek", começou a ser exibido e ele mudou o foco da sua atenção.
Uma hora e meia depois, os créditos rolando tela acima, luzes acesas, a garota ergueu-se do assento e ele levantou-se pouco depois. Ela estava jogando o saco de pipocas amassado no cesto de lixo, quando ele a alcançou.
- Oi!
- Oi - respondeu ela, encarando-o em expectativa.
- E aí, gostou do filme? - Indagou, enquanto ambos se dirigiam para a saída da sala do cinema.
Ela abriu um sorriso.
- Bom, é aquele velho clichê: são meios diferentes, mas ainda acho o livro melhor. Eles cortaram muitas tramas paralelas para fazer toda a história caber em uma hora e meia de filme.
- Confesso que não tinha grandes expectativas, mas acho que fizeram uma adaptação decente - ponderou. - Fora, é claro, a parte das tramas paralelas que realmente foram ignoradas.
Como já estavam no saguão do cinema, ele resolveu arriscar uma abordagem direta:
- Se você não estiver com pressa, a gente poderia tomar um milk-shake e trocar mais umas ideias sobre o filme?
Ela o encarou de forma direta, como se quisesse ler o pensamento dele, mas balançou a cabeça afirmativamente.
- Está bem. A praça de alimentação do shopping é um lugar público e bem iluminado - disse num tom sério. E diante da cara de surpresa que recebeu, acrescentou:
- Calma, isso não é um encontro. E eu não acredito que alguém que venha assistir "A Vida de Dominik Panek" num sábado à tarde, seja um tipo perigoso.
Ele fez uma careta.
- Eu não sei se devo ficar ofendido com essa última observação...
Ela parou de andar e arqueou as sobrancelhas:
- Por quê? Você é um tipo perigoso?
Ele ergueu as mãos num gesto defensivo.
- Não, juro que não sou um tipo perigoso! Só fiquei curioso porque achei que mais ninguém iria querer ver esse filme, e no entanto lá estava você...
- Eu gosto de histórias estranhas, e "A Vida de Dominik Panek" é uma história estranha - declarou ela, voltando a andar. - E você, porque se interessou pelo livro, se é que leu?
Ele sorriu.
- Li sim. Eu tenho uma edição de bolso, releio uns capítulos de vez em quando... a coisa da sincronicidade...
- Nós dois irmos sozinhos à mesma sessão de cinema num sábado à tarde? - Ela abriu um sorriso de mofa.
- Então, você realmente não estava esperando ninguém - concluiu ele.
- Não - redarguiu ela em tom solene. - Ninguém me deu um bolo. Gosto muito da minha própria companhia.
Ele balançou a cabeça.
- Nesse ponto, somos parecidos. Mas, talvez, e só talvez, a nossa solidão possa ser acompanhada.
- Temos ao menos um interesse comum - assentiu ela. - Pode ser um começo.
Haviam parado em frente ao balcão da lanchonete. A atendente virou-se para eles e indagou:
- Seus nomes, para fazer o pedido?
E só então, percebendo que ainda não haviam se apresentado, olharam um para o outro e riram.
- [30-11-2023]