IEMANJÁ

Foi em uma tarde quente de verão que a conheci. Eu havia saido do trabalho após um dia sufocante de calor, mesmo no escritório recebendo a brisa do mar.

O dia ainda estava claro apesar de já passar das 18:00 horas.

Desci do ônibus ansioso para chegar em casa e tomar um banho refrescante.

Recentemente havia sido inaugurada uma filial da Farmácia Santana. Era novidade no bairro do IAPI, se bem que haviam outras duas farmácias, mas outra opção era sempre bem vinda.

Resolvi entrar para comprar um desodorante e conhecer o estabelecimento.

As instalações eram amplas e bem mais espaçosas e organizadas que as outras duas farmácias do bairro.

No setor de perfumaria comecei a ver os desodorantes. Estava tão entretido com as várias opções que nem me dei conta da funcionária que se aproximou de mim.

Ao olhar de lado percebi aquela mulher linda com um jaleco branco que me perguntou com voz aveludada:

- Posso ajudar?

Fique extasiado com a sua beleza. Tinha uma pele clara e longos cabelos negros que se derramaram pelos ombros e costas como uma cascata. Olhos negros e brilhantes cujas iris pareciam entradas para um paraíso.

Dos seus lábios carnudos e belos saia uma voz suave quase murmurando como vento que sopra ao fim de tarde anunciando a noite que vem.

Eu com meus 1,65 metros precisei inclinar a cabeça para o alto para dar atenção aquela bela mulher que deveria medir aproximados 1,80 metros.

Fiquei momentaneamente fascinado com tanta beleza e ela vendo que eu havia petrificado, estalou os dedos e sorrindo falou:

- Ei! Acorde!

De repente despertei do torpor causado por tamanha formosura.

Como ela havia perguntado se poderia ajudar resolvi perguntar-lhe qual o desodorante que ele indicaria para mim. De pronto ela pegou uma caixa contendo um desodorante e um sabonete Rastro. Disse-me que adorava aquele sabonete e o perfume também.

Aceitei sua sugestão é recebi em troca um sorriso tão lindo que mais parecia um amanhecer de um dia lindo.

Fui para a fila do caixa a fim de pagar o que resolvera comprar.

Na fila eu não tirava os olhos da bela moça. Meu Deus! Será que estou sonhando? Eu me perguntava.

Paguei e em seguida fui ao setor de entrega. Quando ia receber o produto tive uma idéia: Pedi a funcionária que abrisse a caixinha e retirasse o sabonete para embrulhar separado. Antes de sair procurei aquela Afrodite e entreguei o sabonete dizendo:

- Tome, é um presente pela sua amabilidade ao me atender.

A moça aceitou sorrindo de uma forma que senti como se uma flecha houvesse atingido meu coração. Não resisti e perguntei se poderia vê-la mais tarde ao sair do trabalho. Ela respondeu que sim. Disse-me que sairia as 20:00 horas.

Saí da farmácia contente por ela ter aceitado. Eu estava feliz como um potro solto em um campo verde.

Corri para casa, tomei um banho e usei o desodorante que havia comprado. Nem demorei e já estava nas proximidades da farmácia esperando aquela sereia sair.

A farmácia fechou e os funcionária saíram. Cada um seguiu seu rumo. A minha deusa olhou para os lados, certamente a minha procura. Então aproximei-me dela. Meu coração não batia, galopava dentro do peito. Eu não estava acreditando.

Ele me recebeu com um sorriso e os olhos pareciam falar. Ela disse:

- Que bom que você veio.

Caminhamos pela rua enquanto seguimos para sua casa. Fomos conversando e nos conhecendo. Perguntei seu nome é ela respondeu:

- Wasthi. Escreve-se com "w" e thi" no final.

Achei um nome diferente. Ela sorriu.

Parecia uma moça recatada e não me atrevi na conversa. Preferi assuntos amenos no nosso primeiro encontro.

Deixei-a perto de casa a seu pedido. Não queria que sua mãe me visse. Não agora, pelo menos.

Nos despedimos com um discreto beijo encostando nossos lábios. Ela seguiu para casa e eu retornei. Eu não sentia os pés no chão. Nem preciso falar que naquela noite sonhei com ela.

Os dias de janeiro se sucederam e quase todas as noite eu a esperava na saida do trabalho. Caminhávamos, namorávamos um pouco e eu a deixava em casa. Percebi que ela não era como muitas garotas que logo se deixavam levar. Era muito recatada. Procurei agir com parcimônia para não perder a namorada.

Ela tinha uma folga na semana pois trabalhava inclusive nos sábados e domingos. Nos dias de folga não nos encontrávamos pois ela acompanhava a mãe em atividades religiosas. Nunca perguntei qual a religião pois não me importava com isso.

Acabou janeiro e ela me disse que folgaria no dia 2 de fevereiro e que participaria de uma cerimônia religiosa. Caso eu quisesse assistir poderia ir.

Combinamos o local e a hora.

No dia 2 de fevereiro cheguei no Rio Vermelho e a procurei entre muitas pessoas vestidas de branco. Era festa de iemanjá.

Lá estava ela e ao me ver pegou minha mão e me apresentou as diversas pessoas.

Ela estava linda. Toda vestida de branco, cabelos soltos e enfeitado com flores. No pescoço, diversos colares de miçangas. Parecia uma deusa. Uma rainha.

Ficamos em um canto conversando enquanto as pessoas se preparavam para as festividades. De repente soaram atabaques e alguém começou a entoar cantos característicos do candomblé.

Wasthi estava do meu lado. De repente a notei com o semblante sério como se estivesse com o pensamento distante. Estávamos todos na areia da praia de frente para o mar.

Ela levantou. Tentei segurar sua mão mas foi em vão. Como se em transe, lentamente ela foi caminhando na areia enquanto as pessoas cantavam e jogavam flores nela. Logo ela alcançou o mar. Com os braços levemente abertos ao lado do corpo entrou na água. As pessoas cantavam e saudavam iemanjá.

Ela foi entrando na água de roupa e tudo. A água chegou a sua cintura. Alcançou seus longos cabelos. Em instantes seu corpo estava totalmente submerso. Até sua cabeça ficou sob as águas.

De longe eu assistia a tudo sem acreditar que aquilo estava acontecendo. Como ela estava demorando sob a água, levantei-me e ensaio ir ao seu encontro para buscá-la, mas fui contido por alguém. Lentamente ela foi saindo de baixo d'água.

Levantou a cabeça, os ombros, e finalmente o corpo todo. Ficou na margem onde seus pés pudessem ser tocados pela água do mar.

As pessoas ajoelhavam em seu redor em referência. Com as mãos ela abençoava todos ainda em transe.

Lentamente voltou para a areia e sentou em uma cadeira toda ornamentada. As pessoas dançavam em sua volta e a presentearam com oferendas. De longe eu ficava olhando sem falar nada. Só pensava em tudo que estava acontecendo e me indagava. Será que estou namorando Iemanjá?

Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 02/12/2023
Código do texto: T7945668
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