A MELHOR CURA É O AMOR

Sandra sempre fora muito criativa, vivera grande parte da sua existência imaginando-se uma heroína dos romances de Emily Bronté ou de Jane Eyre, experimentando intensos amores, plenos de doçura e fantasia. "Vivia" em bailes cheios de luz e de cor, julgava-se dançando valsas com oficiais esbeltos, que a cortejavam e disputavam entre si a sua atenção, tal como na "belle epoque". As pessoas eram educadas e gentis, de posses e princípios, considerando-a sempre como uma delas. Sandra vivia num paraíso de sonho, à margem da vida que conhecia, monótona e rotineira, na companhia de uma mãe chata e implicativa, que a invectivava por ter quase quarenta anos e ainda ser solteira.

Distraída com seus pensamentos, quase sempre se esquecia de algo em casa, antes de sair para o trabalho.

As colegas, que tal como ela também laboravam no escritório da companhia de seguros Alliance, conheciam-lhe o feitio, educado e gentil, de trato doce com todos.

Em determinada altura Sandra começou a ter outros sonhos, no mais recorrente caminhava ao longo de uma falésia, com os cabelos ao vento qual Elisabeth do livro "Orgulho e Preconceito". Invariavelmente acordava num estado misto de aflição e alívio, pois quando lhe parecia que iria escorregar para o precipício surgiam uns braços fortes que a seguravam e abraçavam. Então inspirava fundo e a respiração voltava ao normal.

Esses sonhos prolongaram-se por algum tempo e o rosto do salvador foi tomando feições. Começou a interrogar-se se não o conhecia, se na realidade já se teria cruzado com ele em algum lugar...

Mas tudo o que é bom acaba e esses sonhos sumiram, em vez deles apareceram insónias persistentes. Como andava com olheiras e sempre sonolenta, fruto de noites mal dormidas, algumas amigas insistiram com ela para consultar um médico, de forma a encontrar solução para o seu problema.

Durante algum tempo resistiu à ideia mas acabou por seguir o conselho e então foi-lhe receitado um ansiolítico. As noites passaram a ser mais calmas até que se habituou a essa droga e as insónias voltaram.

Numa manhã em que distraidamente, cheia de sono, atravessava a rua e ia sendo colhida por um automóvel, valeu-lhe a intervenção de um homem, que perto de si, deu um salto e abraçando-a, a puxou para o lado, livrando-a do impacto. Aturdida, sentiu-se presa num forte amplexo. Olhou a cara do desconhecido e apesar de tremer com o susto, um arrepio agradável percorreu a sua coluna vertebral... Era ele, o mesmo do sonho...

Num misto de alegria e calor transmitido pelo abraço do homem, aqueceu rapidamente perante aqueles braços protectores e olhou-o com reconhecimento.

Ele perguntou-lhe se estava bem e Sandra respondeu-lhe « Agora sim...».

O homem convidou-a: « Venha beber algo quente ali na pastelaria. Está a tremer e decerto vai sentir-se mais confortável». Ela não respondeu, teve medo que a sinceridade a traísse. Então ele segurou-lhe o braço com delicadeza e em meia dúzia de passos entraram no estabelecimento.

Esse foi o primeiro encontro, acidental mas muito importante, o princípio de tudo. Daniel (era esse o nome dele) mostrou-se sempre gentil e atencioso com ela, maravilhando-a com pequenos pormenores que a surpreendiam pelo inusitado. Era arquiteto, vivia só e tinha casa própria, morando não muito longe dali.

A relação foi-se aprofundando e um dia Sandra entregou-se-lhe, embora com muito medo de depois ser abandonada; era essa a conclusão de tais acontecimentos, pois pelas palavras das suas amigas sabia que os homens só queriam uma coisa e acabavam por sumir depois da conquista.

Naquele estado de felicidade, que não sabia quanto tempo duraria, nunca mais teve insónias, adormecia abraçada a ele depois de se amarem.

Quis o destino que tudo corresse bem, Daniel tinha mesmo bom caráter e acabaram por viver juntos, tendo uma linda menina, a que deram de forma apropriada o nome de Anabela.

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 01/04/2024
Reeditado em 01/04/2024
Código do texto: T8032308
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