O Francês ou o Grande Professor

O Francês,ou o Grande Professor

Leopoldo Bardout "matou o bicho" com uma cachaça, como costumava fazer todos os dias, quando ouviu a voz da sogra no quarto:

- Anita, eu não vou comer esta comida do Francês com quem casaste! Ah, que nojo, Ragout de Mouton! Pomadista!

O Francês sorriu, estava acostumado com as revoltas da sogra.

É, a Dona Cuca, apelido que levou porque faz cucas deliciosas, não gosta dele. Acha que é muito mimado pela Anita, mas passou a o respeitar quando conquistou totalmente a sua única bisneta, Nicole, que é completamente doida pelo Seu Bardout.

Ás tardinhas, todo o dia, ele pega a neta pela mão e vão passear.Com uma mão carrega a neta, com a outra a boneca inseparável ,ou a bicicleta. Leva a , caminhando, até o aeroporto, e vai falando, vai ensinando no caminho. Mostra os aviões e ensina a perder o medo deles já em pequena ,dizendo que são grandes pássaros, bons e seguros. Um deles o trouxe para cá, de um país que fica muito longe, a França, por isto gostava de comer Ragout de Mouton. Ensinou a ,desde pequena, a gostar de voar. Ensinou que existem outras civilizações mais adiantadas do que aquela de Riocomprido. Em outras tardes, pegavam o bonde e iam á sorveteria do Mercado Público ,onde a recheava na famosa banca quarenta e três ,com todos os sorvetes e mais morangos com creme.

As casas eram vizinhas, e Bardout colocou uma escada para espiar o que se passava com a neta ao lado. Gostava de a observar e deixar em apuros a nora, pois, a qualquer reprimenda que fizesse, aparecia por cima do muro um chapéu ,óculos e o nariz, além de um cenho franzido que perguntavam:

- O que houve aí com a minha neta?

E tanto ele gostou dela, que não percebeu que a Nicole começou a desenvolver um ciúme doentio do avô Francês.

Pagou dois vexames com a neta, e se havia coisa que o Francês não gostava era pagar vexame. O primeiro foi na loja Krahe, no bar. A neta se revoltou porque não havia um banco para o avô sentar ao seu lado. Reclamou:

- Eu quero um banco prô meu vô. Ele não é mais mocinho e sabe, moça, ele é Francês.

O banco veio, as garçonetes começaram a sorrir para Seu Bardout que ,muito galante, conversou . Foi o que bastou. Formou se o escândalo. Nicole desconfiou e saltando do banco, pegou o pela mão, dizendo alto e em bom tom:

-Vamos embora vô, matar o bicho lá em casa, porque essas moças aqui, são todas umas sem vergonhas e mal educadas.

E um Leopoldo muito constrangido escutou aquele palavrão medonho que dizia quando se incomodava com a mulher. Para prazer da neta, nunca mais foi ao bar da casa Krahe, dizendo, entre risos, que haviam lá uma moças muito desbocadas e mal educadas.

O segundo vexame foi quando ele a levou na Igreja. Mostrou a catedral, e conversando com o padre, pediu que desse alguns santinhos á neta. Instruiu a quanto aos santinhos, dizendo que tinham muito valor para as pessoas ,eram abençoados pelo papai do céu, enquanto passava um dinheiro para o padre.

-- Vô porque deste tanto dinheiro por santinhos.

- Porque eles tem mais valor que o dinheiro-, respondeu Seu Bardout, católico que era.

Dias depois a mãe negou uns cruzeiros para comprar balas na venda da esquina e Nicole lembrou dos santinhos. Foi correndo ao mercado, comprou todas as balas, chocolates ou os biscoitos que queria e ,rápida, colocou os santinhos em cima do balcão para pagar, dizendo enquanto corria para a porta:

_Valem mais que dinheiro seu Zoão!

O Francês, entretanto, nunca negou suas origens e assumiu pacientemente a responsabilidade pelos estragos que fez na neta. Usou os para ensinar mais. Quanto mais artes ela fazia ,mais ele ensinava .Havia ensinado há pouco tempo o que era Liberté, Egalité, Fraternité e ela resolveu usar de liberdade e igualdade. Só não foi fraterna com as garçonetes porque queriam namorar o avô.

Nicole já adulta olha para o céu rasgado neste exato momento por um enorme jato, pássaro da liberdade. Quando entra em um deles para viajar o faz serenamente, pois se sente como se estivesse no colo do avô, tranquila .

Quando Seu Leopoldo Bardout morreu ela não foi ao enterro, em vez disto, olhou para o céu atrás de um avião ou um pássaro, cumprindo o trato que, em pequena, haviam feito _ Olha Nicole, se isto acontecer, se eu morrer, não vai ao cemitério ver me enterrarem abaixo da terra...Olha para o céu, vê um avião rasgando o azul rumo ao infinito e me dá teu adeus...

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 28/04/2008
Reeditado em 30/01/2011
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