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     Conto do menino urbano

 
 
 
     Aquele era um menino urbano. Sempre foi. Sempre tinha sido. Tão urbano que admirar pardais, pombos e urubus ao longe, representava o seu maior contato com a natureza. Gostava de andar rapidamente por entre as pessoas e postes de luz, atravessando ruas e desviando-se dos carros, como se disputasse uma corrida. Para ele, as ruas de asfalto e prédios de concreto eram seu mundo e o caos urbano sua igreja. Crescera respirando o puro ar metropolitano, impregnado de odores urbanos e ouvindo o cantar típico da cidade, com suas notas metálicas e dissonantes. Andar descalço? Não, não era civilizado e oferecia riscos. Sujar-se na lama ou chuva? Nem pensar! Como todo menino de sua idade, plugava-se ao computador e viajava por todo o tipo de mundo e lugares, e tinha conhecimento instantâneo de todo e qualquer fato, mas sem sair do seu quarto urbano. Acompanhava às vezes horrorizado, pela TV ou computador, cenas de selvageria animal, na eterna luta predador-presa, e sentia-se aliviado por estar em seu mundo urbano, longe daqueles riscos. Assim era aquele menino. Totalmente urbano.

     Até que um dia aquele menino urbano saiu enfim de sua toca urbana e teve contato com o mundo real, rude e impregnado de natureza. A princípio assustado e arisco, por não confiar naquele mundo, que não lhe oferecia contato imediato com mundos distantes, pela Internet ou celular, e sim contato real com situações que jamais vivera. Mas como poderia estar ali aquele casal de tucanos? Não estávamos na Amazônia! Como alguém viveria sem luzes elétricas ou tomadas na parede? Banho que não fosse quente? Mas, pouco a pouco, aquele menino foi adquirindo novas e excitantes experiências. Descobriu que a noite real era mais negra em seu início, e ia se tornando mais clara, à medida que a lua surgia mais alta e banhava de luz prata o horizonte; descobriu que os vagalumes e cupinzeiros cintilavam ao luar; que os búfalos à noite eram tão negros, que não eram vistos; que os olhos dos jacarés se transformavam em faróis noturnos; que podia nadar em rios e remansos, sem medo das cobras, jacarés e piranhas, desde que respeitasse os limites da natureza; que as sucuris repousavam placidamente sobre galhos de árvore, à margem dos rios; que os filhotes de papagaio repousavam incógnitos, no oco do buriti, tentando se esconder da ganância do bicho-homem e seu infame tráfico de animais; que passarinhos multicoloridos podiam estar à solta, e não engaiolados; descobriu que as emas e seus filhotes andavam em fila indiana e que preferiam campo aberto, a fim de se proteger dos predadores com a velocidade que lhes fora dada por Deus; que as vacas podiam ser perigosas ao proteger suas crias; que bifes suculentos podiam ser preparados sobre antigas rodas de trator, e que podia dormir cedo e se preparar para o intenso dia de aventuras que logo chegaria.

     E aquele menino descobriu, enfim, que seu mundo urbano não era o único; e que o estilo urbano de viver poderia estar assassinando a beleza real e singela do planeta, criado por Deus e esnobado pelos homens; e aquele menino urbano voltou para o seu mundo urbano, mas agora tocado pela graça da mãe natureza. Agora sim, ele entendia. E não mais agrediria o mundo, mas sim faria o possível para viver em comunhão com ele, a começar por desfazer-se corretamente do lixo ou economizar energia. Assim ele começaria a revolução verde, inclusive utilizando-se dos meios urbanos, tais como o celular ou a Internet.

     Aquele menino agora não era mais somente urbano. Transformara-se apenas num menino. Como todos deveriam ser...
 
 
 
     Obs: dedicado a todos os meninos e meninas que ainda não conhecem a natureza...