NO LIMIAR DA ESCURIDÃO

“NO LIMIAR DA

ESCURIDÃO”

Conto de 2011

Por Fernando Barbalho

Cap. I

Turok acordou sobressaltado. A noite estava silenciosa, apenas com os ruídos típicos da selva. No entanto algo parecia não estar certo... Turok foi até a bilha com água e molhou o rosto. A noite estava fria, no entanto sentia um suor pegajoso a correr-lhe pelo corpo. Um cão ladrava ao longe, em meio às últimas choupanas da vila. Olhou por uma fresta da parede de palha, nada viu de anormal no pátio a sua frente, nem mesmo nas sombras da floresta, agora encobertas por uma névoa tênue. Logo amanheceria... Era o momento mais frio das noites selváticas. Rorai, seu filho de três verões dormia ao lado de sua mulher, Reima.

Durante o dia vira alguns sinais diferentes em sua trilha de caça. Conversara com os outros caçadores a respeito. Tinha quase certeza que os Molokai, inimigos constantes do povo Mohauk, estiveram em seus campos de caça. Encontrara restos de um cervo, uma fogueira e marcas que não eram dos Mohauk. Isto era motivo para sobressaltos e preocupação. Seu povo dependia destes campos... Precisavam permanecer protegidos para sua própria segurança. Pensando nisto Turok, por ser o melhor caçador da vila enviou um grupo de guerreiros para montar guarda na entrada do desfiladeiro, onde ficava a vila. Sempre era bom ter segurança e com os Molokai não se podia descuidar.

Turok saiu para o pátio e olhava a escuridão que começava a esmaecer com a alvorada e não distinguia nada de anormal. Tudo parecia quieto na vila... Uma criança choramingava, talvez com fome. Olhou para a árvore da sentinela e viu que a mesma estava sentada e acenou para ele. Acenou de volta. Tudo normal não havia motivo para preocupação. Voltou a deitar-se.

A Vila dos Grandes Cervos acordaria festiva como sempre. As crianças correndo e as mulheres cuidando de seus afazeres comuns. Um grupo de guerreiros entrou no pátio e foi até Turok.

-“Nada de anormal, Turok. Vigiamos toda a noite e ninguém se aproximou da entrada do desfiladeiro.” - O guerreiro que falava era um jovem de vinte verões forte e alto, com cabelos negros a escorrer-lhe pelos ombros largos. Levava uma clava de guerra e uma zarabatana.

-“Mesmo assim, escutamos ruídos estranhos na noite. Não vimos nada, mas escutamos...” – O outro guerreiro, um verão mais jovem, estava ansioso. Tiveram uma noite de vigília e estavam aparentemente cansados. Turok acenou com a cabeça e indicou a choupana, para que os dois pudessem descansar. Reuniu os guerreiros no centro da vila.

-“Estejamos prontos. Tenho quase certeza que os Molokai entraram em nosso território. Com estes guerreiros, todo cuidado é pouco.” - Os Molokai eram conhecidos pela crueldade com seus inimigos, tinham o costume de decepar as cabeças dos guerreiros mortos, e levá-las como troféu de guerra. Não eram tão bons caçadores, mas costumavam saquear as vilas desprotegidas e capturar escravos que vendiam aos traficantes na costa. Talvez estivessem em uma destas incursões.

Sairiam para sua costumeira caçada logo cedo do dia seguinte. Neste dia fariam preparativos para o caso de terem que enfrentar os Molokai. Turok e Róric (um dos chefes guerreiros) distribuíram os caçadores mais experientes para as veredas mais distantes... Precisavam ser avisados caso os inimigos se aproximassem.

O jovem guerreiro Talik e seu companheiro estavam a pouco mais de uma hora de distancia da vila. Quando se abaixou para verificar alguns rastros não teve tempo de entender o que ocorreu... Uma flecha vindo do meio das folhagens ceifou-lhe a vida jovem, atravessando-lhe o pescoço. Caiu pesadamente. Ainda com o espanto estampado nos olhos. Seu companheiro não chegou a esboçar qualquer reação, foi atingido por uma maça de guerra e a última coisa que viu foi um clarão forte e o sono profundo do desmaio... Estes não poderiam avisar à vila da presença tão próxima dos Molokai... Duzentos guerreiros Molokai estavam em terras dos Mohauk... Era uma grande quantidade de guerreiros. Desta vez estavam dispostos a eliminar os caçadores daquela região. Não seria apenas mais uma excursão guerreira. Agora era uma invasão total... Os Mohauk não teriam chance contra um efetivo tão grande de guerreiros treinados na arte de matar... Turok não poderia prever o que estava para acontecer com seu povo...

A patrulha estava desde o alvorecer andando pelas trilhas de caça quando avistaram seis guerreiros Molokai, em atitude de espreita. Pararam para ver o que eles estavam fazendo... O Chefe da patrulha, Malik, fez sinal para todos ficarem em silencio. Os Molokai estavam escondidos entre as folhagens e somente uma equipe de caça como os Mohauk poderia vê-los. Para os caçadores experientes aqueles guerreiros pareciam patéticos, tentando esconder-se. Estavam de tocaia a alguns escassos dez braços de onde se encontravam. Malik viu o guerreiro mais forte retesar o arco e imaginou que o mesmo havia visto uma corsa. O guerreiro Molokai tinha um sorriso sinistro e isto fez Malik olhar para onde ele apontava a flecha. A folhagem densa não lhe deixava antever seu alvo, muito embora pudesse escutar os galhos sendo quebrados muito cuidadosamente como se alguém se aproximasse. Com certeza não era um animal... A flecha partiu célere. O alvo fora acertado. Um outro guerreiro Molokai partiu velozmente para a vereda e aplicou potente golpe, de sua pesada maça de guerra, em outra presa. Somente aí Malik viu que se tratava de guerreiros Mohauk. Contendo a fúria, fez sinal para que os demais guerreiros da patrulha se escondessem. Somente teriam uma chance contra aqueles seis guerreiros experientes. Malik sabia que eram caçadores e tinham força e coragem, mas contra os Molokai isto não bastava... Estavam em uma patrulha de 10 homens e aqueles dois guerreiros abatidos era parte de sua equipe. Malik havia enviado os dois adiante para observar e relatar e seguira por uma vereda paralela. Haviam caído em uma emboscada...

O chefe Molokai foi até o guerreiro caído com a flecha atravessada no pescoço e, como era seu costume, cortou-lhe a cabeça, pondo-a em um saco pendurado na cintura. Fez sinal para que o restante amarrasse o outro guerreiro e o prendesse a uma árvore. Seguiriam em sua trilha de guerra. Todo o desenrolar dos fatos ocorreu no mais profundo silêncio.

Hatikawã um dos mais poderosos chefes guerreiros Molokai comandava quase cem guerreiros e estava empenhado nesta excursão contra o povo Mohauk. Caminhavam desde as terras Molokai há uma semana e sua chegada às terras Mohauk já deveria ter sido pressentida por este povo. Esperavam alguma resistência, mas eram os guerreiros mais temidos de sua época e contavam com isto, além do seu efetivo. Era a maior expedição guerreira em muitos verões.... Hatikawã estava com uma patrulha de seis guerreiros fazendo uma varredura nas veredas próximas à vila dos Mohauk, quando avistou, após uma curva, dois jovens guerreiros inimigos andando pela vereda. Vez ou outra paravam e verificavam pegadas e rastros. Estavam caçando os Molokai... Eram caçadores muito astutos e isto deixava sua equipe em perigo de serem descobertos. Hatikawã colocou a patrulha em meio à vegetação e esperou que os dois guerreiros se aproximassem. Seriam um alvo fácil para sua flecha se chegassem à distancia adequada. Fez sinal para que os guerreiros se escondessem e agindo com a máxima cautela, retesou o arco e apontou para o pescoço do primeiro guerreiro, era necessário impedir que o mesmo gritasse alertando seus companheiros... Sinalizou para um dos guerreiros indicando-lhe que deveria abater o segundo a golpes de maça, tão logo o primeiro fosse abatido. Não podia dar-lhe tempo para o revide... Após abater os dois guerreiros e ver que um deles continuava vivo Hatikawã deu ordens para que o sobrevivente fosse amarrado em uma árvore, sem antes decepar a cabeça do guerreiro abatido como presa de guerra. Esta cabeça iria aumentar a sua vasta coleção.

Afastaram-se, cautelosamente, alguns metros quando uma chuva de dardos envenenados de zarabatana caiu, como uma nuvem de insetos, sobre eles, abatendo três guerreiros. Não houve tempo para o revide. Mesmo com a tentativa desesperada de defesa de Hatikawã, devido ao seu porte de guerreiro enorme, a reação foi infrutífera tombando aquele gigante sob os golpes da clava de Malik. Logo os outros eram abatidos por golpes de clava. O combate violento ocorrera silenciosamente e durara o tempo necessário para soprar um dardo de zarabatana.... Apenas o barulho dos corpos caindo ao chão e os golpes secos das clavas esfacelando os crânios dos guerreiros... Os Mohauk não queriam advertir os outros Molokai de sua presença.... Esconderam os corpos fora da vereda, cobrindo-os com folhagem. Malik retirou da cintura do arqueiro, a bolsa com a cabeça de Talik. Deu um chute na cabeça arrebentada do gigante morto e juntou-se aos demais. O grupo retornou até o corpo de Talik e dois guerreiros, ao sinal de Malik, prepararam-se para transportá-lo para a vila. O outro Mohauk estava com um profundo corte na cabeça, mas estava vivo. Logo estaria andando com os outros, cambaleando... Havia começado o que nenhum Mohauk queria: a guerra!

Cap.II

A notícia da emboscada e morte de Talik deixou sua família transtornada, mas o feiticeiro fez as honras do guerreiro, mesmo sendo escasso o tempo e toda a vila preparou-se para a guerra. Guerreiros foram mandados para reforçar as veredas principais. As mulheres e as crianças foram colocadas na choupana mais ao centro da vila e colocados de guarda os três guerreiros mais experientes e fortes. Precisariam defender suas famílias e o futuro do povo Mohauk.

Os Molokai estavam o mais perto que jamais haviam chegado. Os Mohauk sabiam de suas incursões em vilas visinhas. Por algumas vezes já haviam combatido contra eles... Mas nunca em suas próprias terras... Tão perto da vila.

Turok, Malik e os outros chefes guerreiros (eram cinco chefes) dividiram entre si os 150 guerreiros aptos da vila. Toda a população da vila era formada de 300 almas, entre guerreiros, crianças, velhos e mulheres, além de alguns guerreiros doentes ou feridos. As outras vilas Mohauk, mais ao norte precisavam ser avisadas e o jovem Telken, filho de Malik foi encarregado de avisá-los, partiu juntamente com outros dois guerreiros. Logo se perderam na floresta densa. A calma cotidiana da vila fora drasticamente alterada. As crianças, sem entenderem porque, ficaram confinadas ao pátio central da vila, vendo a preocupação de suas mães. As mulheres e os velhos apressavam-se em confeccionarem novos dardos para as zarabatanas e mergulhavam os mesmos em um caldo altamente venenoso de determinadas plantas. O dia se arrastaria sem grandes sobressaltos, todos sabiam que os Molokai pretendiam atacar ao alvorecer e que aquela patrulha dizimada, havia sido apenas um grupo de reconhecimento.

No final da tarde um dos guerreiros designados para uma das trilhas do desfiladeiro sul entrou correndo na vila e procurou Turok.

-“Turok!”

Turok estava, juntamente com os outros chefes, em uma reunião na choupana do Conselho da Vila, quando o guerreiro entrou alvoroçado.

-“Fala homem. Por que toda esta gritaria?”

O guerreiro parou para tomar ar e recompor-se, havia corridos os três mil braços que separavam a aldeia da entrada do desfiladeiro, seu ponto de vigília, juntamente com uma equipe de cinco guerreiros.

-“Vimos o inimigo. Estão vindo em grande quantidade e acamparam a duzentos braços (aproximadamente 200 metros) da entrada do desfiladeiro. Não nos viram e eu deixei os outros espreitando-os”.

-“Quantos são?!” – Turok estava apreensivo. Nunca os Molokai tinham vindo tão profundamente no território Mohauk. Este território compreendia cinco vilas: a vila que fazia praticamente fronteira com o território Molokai era a maior delas, as demais ficavam mais ao norte desta em uma distancia que variava de um a dois dias de marcha.

Faziam como que um semicírculo, a mais forte e maior vila fazia fronteira com o inimigo mais audacioso, tal vila tinha 1500 almas. Era praticamente inexpugnável e invencível, sendo por isto a vila da fronteira.

-“Muitos... Não deu para contar... Tantos quanto o rebanho de porcos selvagens.”

Uma vara de porcos selvagens tinha algo em torno de duzentos indivíduos. Ao ouvir esta quantidade entreolharam-se apreensivos. O momento era mais grave do que pensavam. Isto era uma invasão e não apenas uma incursão guerreira para iniciação de algum jovem Molokai. A guerra estava próxima e todas as defesas foram reforçadas. Turok recolheu seus trinta guerreiros, todos exímios no uso da zarabatana e foi colocar-se estrategicamente nas bordas da vereda dos cervos, trezentos braços de uma das entradas da vila. O primeiro turno seria seu. Os guerreiros misturaram-se com as folhagens e ficaram invisíveis para quem quer se aproximasse e não tivesse os sentidos aguçados de um caçador.

No acampamento Molokai os duzentos guerreiros, armados com lanças e maças de pedra estavam sob o comando do chefe guerreiro Mokaiokan, um gigante enorme com mais de dois metros de altura e uma ferocidade sem limites. Aterrorizava só de ve-lo. Sua pintura de um vermelho vivo, os olhos circundados de negro, seus colares de dentes dos inimigos e seu corpo musculoso cheio de cicatrizes impunham respeito. Empunhava uma enorme maça que um guerreiro comum não ousaria levantar, devido ao peso.

-“Amanhã estaremos na vila Mohauk. Não quero sobreviventes. Somente as mulheres e crianças. Já temos a quem vende-las.” – Todos afirmaram com acenos de cabeça haverem compreendido as palavras do chefe, ditas sem nenhuma preocupação de serem ouvidas pelos guerreiros Mohauk, que ele sabia estavam espionando, ainda que não pudesse vê-los. Fez sinal para manterem o mais absoluto silencio, queria que suas palavras fossem ouvidas pelos espiões:

-“Nenhum Mohauk irá sobreviver e suas cabeças iram enfeitar nossa aldeia! O deus da vida e da morte: Tókunterun está conosco. A vitória será nossa !”

Anoitecia e os guerreiros Mohauk retornaram à vila para levar as notícias do acampamento Molokai. Saíram furtivamente de seus esconderijos, a uma distancia do sopro de uma zarabatana e nem mesmo os sentinelas Molokai notaram seu movimento.

A vila de Toruk estava sobressaltada, mesmo à noite poucos estavam dormindo, quando chegaram os guerreiros encarregados de espionar aos Molokai. Passaram pelos guerreiros de Toruk e seus olhos de caçadores notaram sua presença, fizeram sinal para o grupo e entraram na vereda dos cervos, logo após encontraram a vila às escuras. Somente a Choupana do Conselho mantinha uma fogueira acesa. O guerreiro mais velho da patrulha foi até o Conselho da Vila para dar-lhe as notícias terríveis do que os aguardava com o alvorecer. Os Chefes reunidos ouviram e não mostraram-se alarmados. Já esperavam por isto. Não iriam se entregar e morrer em defesa de sua família e de sua gente era tudo que um Mohauk esperava em um momento como aquele.

Malik tivera uma idéia: se era para usar de terrorismo iria usar. Mandou um grupo de dez guerreiros irem buscar os corpos dos seis Molokai abatidos na manhã anterior. Estavam a mil braços de distância da vila. Não demorou muito e os guerreiros voltaram com os despojos dos Molokai destroçados. Malik mandou que os pendurassem pelos pés na subida do outeiro a leste da vila, o local de mais difícil defesa, já que era coberto de uma vegetação densa, que tanto ajudaria os defensores quando os atacantes. Esperava assim devolver o terror aos guerreiros Molokai, quando estes atacassem ao alvorecer.

Os Molokai aproximavam-se da vila ao alvorecer, cuidadosos. Traziam archotes e talvez não achassem que seria vistos pelos Mohauk. Acreditavam que a vila estava dormindo. Já haviam cercando a vila com três colunas de aproximadamente cinqüenta a oitenta guerreiros cada. Quando a primeira coluna entrou na vereda onde Toruk encontrava-se de tocaia com o grupo de guerreiros armados das mortíferas zarabatanas, este fez um sinal para os mesmos, postados nos dois lados da vereda, mantivessem o silêncio absoluto. Imóveis. Precisavam deixar que todos os guerreiros Molokai passassem. Não poderiam arriscar um combate corpo a corpo, até porque a proporção era de dois Molokai para um Mohauk, somente a surpresa faria a diferença e quem sabe poderia igualar as chances.

Quando o último guerreiro Molokai, de um grupo de cinqüenta, passou pelo último guerreiro Mohauk, quase agachado e olhando para os lados procurando ver algo entre as folhagens, Toruk deu o sinal e uma chuva de dardos mortíferos caiu sobre eles. Não sabiam de onde vinham as ferroadas dos dardos e muitos guerreiros foram abatidos logo neste primeiro embate. As zarabatanas dos Mohauk eram realmente temíveis. Após este primeiro ataque e para não serem vítimas das flechas Molokai, os Mohauk embrenharam-se nas sombras da floresta, enquanto os gritos do chefe Molokai eram ouvidos acima da confusão reinante entre os gemidos dos moribundos. Quarenta Molokai foram abatidos nesta passagem. Nenhum Mohauk foi ferido neste combate.

Na passagem guardada por Malik, distante mil braços a nordeste da passagem dos cervos, os Molokai foram surpreendidos pelos guerreiros Mohauk, no entanto, conseguiram esconder-se entre as árvores e após o primeiro embate somente dez Molokai estavam mortos e entre os Mohauk contavam-se seis mortos e doze feridos pelas flechas mortíferas dos Molokai. O local não era o mais adequado para a emboscada, o que permitiu que o Chefe Molokai, um guerreiro atarracado e forte, com uma pintura de vermelho e negro que era a cor dos chefes, o rosto totalmente vermelho e o busto com listras negras e vermelhas, resistisse ao primeiro ataque podendo oferecer uma resistência acirrada e seus arqueiros eram precisos. Malik pressentiu esta situação: um Mohauk levantava-se para apontar sua Zarabatana, tornando-se um alvo, quando foi alvejado por uma flecha. Malik decidiu pela retirada e seus guerreiros esgueiraram-se para a floresta mais densa. Isto foi providencial, já que por este caminho estavam chegando aproximadamente cem guerreiros Molokai. Os defensores contavam apenas trinta guerreiros. Não houvera ainda um embate corpo a corpo, ansiado pelos Molokai e evitados a todo custo pelos Mohauk, que sabiam da força e da agilidade daqueles guerreiros acostumados às guerras. Na floresta os Mohauk eram insuperáveis, mas na luta corpo a corpo, com certeza estariam em flagrante desvantagem. Os chefes dos Mohauk haviam decidido que deveriam abater o maior número possível de inimigos já no primeiro encontro, quem sabe isto os faria desistir de continuar o ataque... Malik levou seus guerreiros para uma posição mais defensável, onde grossas árvores ofereciam um abrigo mais adequado.

Mokaiokan, o gigante Molokai, liderava o terceiro grupo que tentaria contornar o outeiro a leste da vila. A vegetação era mais rala e ele imaginou que por aí o ataque teria mais resultados, já que os Mohauk não conseguiriam esconder-se com facilidade e caso existissem alguns sentinelas estas seriam abatidas antes de darem o alarma. O terror fez-se presente entre os guerreiros quando viram, logo ao subirem o outeiro, pendurados pelos pés, com as cabeças esfaceladas, seis guerreiros Molokai. Os guerreiros reconheceram Hatikawã e seus homens. Haviam sentido sua falta, mas não acreditavam que haviam sido mortos. Agora tinha a certeza! O valoroso Hatikawã havia sido abatido! Isto esmoreceu o moral dos atacantes e foi preciso que Mokaiokan abatesse com um golpe de sua formidável clava o primeiro desertor, para deixar bem claro que naquela incursão o maior perigo não eram os Mohauk e sim ele: Mokaiokan! Ninguém fugiria sob seu comando. Avançaram silenciosos, temerosos. Agora viam do que os Mohauk eram capazes. Estavam a cerca de seiscentos braços da entrada da vila, quando uma flecha zuniu entre eles visando acertar o Líder. Mokaiokan, instintivamente desviou-se do dardo mortífero que foi encravar-se profundamente no peito de um outro guerreiro que caiu pesadamente, enquanto uma chuva de flechas e dardos envenenados de zarabatana ceifava outras vidas. Mokaiokan, brandindo sua clava investiu contra os guerreiros Mohauk e com golpes certeiros abateu dois deles pondo o restante em fuga, apavorados ante a ferocidade daquele gigante vermelho. O combate do outeiro fora vencido pelos Molokai que tiveram apenas seis guerreiros mortos. Aquela manhã estava apenas começando e Mokaiokan, que não esperava esta reação de um povo que ele considerava covarde, achou por bem reunir os guerreiros e preparar novo ataque. A um sinal seu os Molokai voltaram sobre seus passos e atravéz de gritos de guerra foi dado o aviso para suspender os outros dois ataques. Reunir-se-iam a dois mil braços da vila para contar as perdas. Não conseguiram dominar a vila na surpresa e haviam encontrado uma resistência inesperada... Para Mokaiokan isto tinha o sabor de uma derrota. Como cães lambendo as feridas os Molokai se preparariam para uma nova investida. Agora sua chegada não era surpresa e poderiam agir com mais desenvoltura. O combate da “Vila dos Grandes Cervos”, do povo Mohauk, seria decisivo. Em meio à selva homens morreriam em defesa de suas famílias.

Cap. III

Toruk, ao notar que os adversários retornavam pela própria vereda, aterrorizados diante da inesperada e violenta reação de seu grupo de guerreiros Mohauk, partiu em seu encalço. Não poderia perder a oportunidade de abater mais alguns dos guerreiros que fugiam em desabalada carreira, chegando mesmo, o chefe e um dos guerreiros em sua fuga, caírem nas armadilhas de caça dos Mohauk, encontrando a morte entre os espetos de madeira do fundo da vala camuflada na vereda. Os dardos dos Mohauk continuavam a perseguir os Molokai como um enxame raivoso de abelhas. Mais três Molokai seriam abatidos antes de encontrarem ao grosso de suas tropas na clareira que ficava a dois mil braços da vila. Ali o restante dos atacantes estava se reunindo e Turok achou por bem não abusar da sorte.

Os últimos cinco sobreviventes Molokai, de uma tropa de cinqüenta homens, entraram na clareira, definitivamente aterrorizados. Haviam perdido todo o gosto pela batalha. Seu chefe e os guerreiros mais fortes e experientes haviam tombado. Quando começaram a contar o desastre uma nuvem de superstição e medo começou a tomar conta dos demais guerreiros. Haviam saído de sua terra para uma incursão aparentemente fácil. Não esperavam encontrar um povo guerreiro. Os Mohauk eram caçadores, mas estavam comportando-se como verdadeiros guerreiros...

-“Molokais!” – A voz forte do gigante vermelho se fez ouvir e calou a todos os outros, até a floresta se fez silenciosa ante aquele vozeirão potente e raivoso. –“Não viemos até aqui para sermos derrotados por um punhado de comedores de pássaros! Nós somos o povo escolhido! A selva treme à nossa passagem! Todos tremem ao ouvirem nossos gritos de guerra! Nosso deus não está contente com esta matança de seu povo! Agora nem mesmo as mulheres e crianças serão poupadas! Arrasem este povo que ousou nos enfrentar! Destruam os Mohauk! Queimem tudo!”

Com um grito sinistro e uníssono aquela tropa sanguinária partiu para o último assalto à vila, em uma única leva Como uma onda devastadora, O Molokais avançaram deitando o mato à sua passagem. Pés de mais de cem guerreiros pisotearam a terra dos Mohauk, destruindo tudo à sua passagem, como um flagelo. Espalharam-se em um vasto leque por entre as folhagens. Saíram das veredas, buscando assim escapar da tocaia dos Mohauk.

A Tropa comandada por Malik retirou-se para outro local mais próximo da vila e como tinham perdido apenas um guerreiro, estava praticamente intacta. Um dos guerreiros subiu em uma árvore a guisa de posto de observação e informou por gestos a Malik que a horda invasora estava se aproximando mais a leste. Todos vinham agora em um só ataque. A posição de seus guerreiros dava a Malik uma condição privilegiada. Poderia atacar os inimigos pelo flanco, daí como se estivesse em uma de suas caçadas, começou a movimentar-se silenciosamente pela floresta densa, procurando circundar os inimigos e colocar-se em seu flanco esquerdo. Neste lado havia o outeiro de onde descia correndo a outra tropa. O Chefe Mikiã havia sido abatido pelo gigante Mokaiokan, o que pôs a tropa inteira em debandada. Ao encontrarem Malik recompuseram-se e deram as informações sobre os atacantes daquele lado. Falaram do gigante vermelho. Feroz como uma fera que havia abatido Mikiã e o outro guerreiro antes que estes pudessem usar suas zarabatanas. Era um inimigo formidável. Aterrorizante!

Sem Mikiã, somente restavam Toruk, Malik (estes comandando as tropas de defesa) Tukón, o mais velho que tivera a missão de defender as mulheres e crianças, juntamente com o mais jovem dos chefes guerreiros Mikal. A tropa destes dois chefes era composta dos guerreiros mais jovens (alguns nem iniciados eram), no total de vinte guerreiros. Seriam o último baluarte do povo Mohauk. Se eles caíssem não haveria esperanças para seu povo.

Turok, que juntamente com seus guerreiros observava o movimento dos inimigos, desviou-se para o extremo oeste, visando surpreender os atacantes pelo flanco, não oferecendo resistência no meio. Se este ardil desse certo, os Molokai se veriam entre as duas tropas, mesmo que os dois chefes Mohauk não soubessem da movimentação um do outro.

A tropa sanguinária Molokai, sem ter nenhuma preocupação com silêncio avançava com rugidos e gritos que amedrontariam qualquer homem civilizado. Até os animais da floresta faziam silencio ante estes guerreiros A escuridão da noite já havia se dissipado totalmente com o alvorecer. A calma do amanhecer na vila Mohauk já não acontecia. Aquele seria o último amanhecer para muitos guerreiros Molokai e Mohauk. O futuro do povo da Vila dos Grandes Cervos estava sendo decidido entre as árvores da floresta.

Toruk viu quando o gigante vermelho, Mokaiokan, brandindo sua enorme maça de pedra entrou com seus guerreiros no perímetro da Vila dos Grandes Cervos, daí para as primeiras choupanas havia um descampado de 500 braços. Em meio às plantações de raízes e feijões da vila. Os guerreiros Mohauk estavam a uma distancia de um sopro de zarabatana dos Molokai e a um sinal de Toruk as vespas agudas dos dardos envenenados dos Mohauk ceifaram as primeiras vidas. Mesmo Mokaiokan, não esperava que houvessem guerreiros à sua direita e quando procurou abrigo nova chuva de dardos partiu de sua esquerda e de sua retaguarda. Caíra em uma armadilha: estava cercado, tendo à sua frente um descampado... Sua única opção era correr com seus guerreiros para escapar dos mortíferos dardos que dizimavam os seus homens como se estivessem em uma gaiola.

Mokaiokan levantou-se de seu esconderijo para dar a ordem de atacar. Tempo suficiente para um arqueiro do grupo de Malik acertar-lhe uma flecha envenenada no peito e os demais guerreiros encher seu corpanzil de dardos de zarabatana. Os Molokai não acreditavam no que estavam vendo: o invencível Mokaiokan caiu em câmara lenta, dobrou os joelhos e caiu pesadamente com boca aberta de espanto engolindo o mato que crescia entre as árvores. O terror se fez presente entre os sobreviventes Molokai que agora lutavam pela própria vida, investindo contra os arqueiros Mohauk, brandido suas maças de pedra. Na confusão reinante muitos Molokai foram abatidos e alguns Mohauk tiveram o mesmo fim.

Terminara a batalha da Vila dos Grandes Cervos. Os Molokai haviam provado da força dos Mohauk e por muitos verões contariam a seus descendentes sobre este povo pacífico que havia se tornado feroz.

As vilas Mohauk não temeriam mais os Molokai. Na batalha da Vila dos Grandes Cervos, dos duzentos guerreiros que atacaram a vila, somente vinte e cinco guerreiros apavorados escaparam da morte. Haviam sido exterminados e isto era motivo de orgulho para aquele povo caçador. Não temeriam mais os terríveis “caçadores de cabeça”.

Por muitas gerações esta batalha seria cantada nos Fogos de Conselho do povo Mohauk. A batalha da vila dos Grandes Cervos. A vila de Toruk e Malik!

FIM