CONSTRUÇÃO

Mina abandonada no sertão foi o que o dinheiro pode comprar.

Nada: apenas um poste de luz, único sinal de progresso a restar.

Entre pedras, areia e madeira, a água borbulhante fazia-se notar.

Iniciava com entusiasmo a labutar: “a edificação de meu novo lar”.

Quando saí do meu último emprego aproveitei para requerer a aposentaria. Afinal, foram mais de 35 anos de trabalho. Muito disposto, apesar de meus sessenta anos resolvi tirar merecidas férias. Não gosto de avião, nem de dirigir carro, logo, a opção foi a de viajar de ônibus. Enveredei para o interior mineiro. Durante a viagem presenciei muita coisa bonita, também muita pobreza e sequidão. Meu companheiro do lado, disse-me que aquela região por onde estávamos passando, fazia parte do polígono da seca. De repente, um detalhe chamou-me atenção naquela terra inóspita e árida.

De longe parecia um amontoado de pedras. Todavia, quando o veículo foi se aproximando notei que juntamente com as pedras havia muita madeira cortada e fluía bastante água proveniente de uma abertura no solo. Intrigado, perguntei ao meu colega do lado: - o que era aquilo? Ele respondeu prontamente: - isso que você está vendo é uma antiga mina abandonada. Depois de diversas tentativas não conseguiram extrair minério e foram embora deixando tudo para trás, finalizou ele.

Coincidentemente, o motorista parou o ônibus para descansar e pudemos apreciar melhor o lugar. Não se via árvores, apenas capim seco a perder de vista. Ao lado das pedras percebia-se que água vinha da mina abandonada. Aproveitamos para beber aquele líquido maravilhoso que jorrava copiosamente e imediatamente infiltrava-se pela rocha à dentro. Ao lado da antiga Mina, fios da rede elétrica ainda permaneciam intactos nos postes espaçados e enfileirados, dando a impressão que a civilização tinha chegado ali.

A entrada da mina ficava abaixo de um patamar mais elevado. Tanto a parte baixa do terreno, como a parte alta eram planas. A parte baixa apresentava um pequeno declive, no sentido contrário ao da entrada da mina, que se estendia por mais de quinhentos metros, sendo que o solo era rochoso. A razão das pedras soltas naquele local,provavelmente deveria ser resultante das explosões de dinamite para abertura da mina por parte da mineradora. O declive do terreno tinha o formato de um grande lago, evidentemente sem água.

Senti uma atração irresistível por aquele lugar, até parece que foi amor a primeira vista. Depois da viagem, descobri pela internet que a gleba era particular e encontrava-se a venda. Imediatamente, entrei em contato com o proprietário e a transação foi concretizada. Em poucos dias, já era o dono daquela velha mina e de alguns alqueires em volta por uma “pechincha’. Percebi logo, que precisaria de muita ajuda para conseguir transformar aquele amontoado de pedras em um lugar habitável. Para tanto, procurei dois amigos que outrora tinham me ajudado e propus parceria, eles não entrariam com dinheiro, somente trabalho e seriam sócios naquele empreendimento, aceitaram prontamente.

Levei fotos do lugar para um arquiteto e discuti com ele o que eu queria fazer. Começaria pelo lago, para tanto bastou entupir com as próprias pedras soltas do lugar, a fenda na rocha deixada possivelmente pela ação deletéria dos explosivos e por onde água se infiltrava. Então, ela, a fonte da vida, começou a se acumular pela ação da gravidade em todo espaço abaixo. Em pouco tempo, estava criado um lindo lago semi-artificial.

Nesse meio tempo, aproveitamos para construir a casa na parte alta do terreno. De lá de cima dava para ter uma visão espetacular daquele ermo perdido no interior do Brasil. A moradia foi projetada para diversos módulos, no entanto, devido à falta de recursos financeiros, fizemos primeiramente quatro cômodos, 2 quarto de dormir, cozinha, banheiro e também uma varanda. Gastei muito pouco, visto que a maioria do material encontrava-se no local. Compramos apenas cimento e telhas, a mão de obra foi a nossa mesmo.

Adquirimos também um tratorzinho usado com carreta para facilitar o trabalho. Depois de alguns meses a CEMIG fez a ligação elétrica, assim a inauguração de nossa pequena casa no sertão contou com a iluminação artificial e obviamente de cerveja gelada. Em volta da lagoa plantamos mais de 100 pés de coco da Bahia compradas pela metade do preço. Tal negociação foi facilitada, tendo em vista, que o caminhoneiro que transportava essas mudas passou pela propriedade, dizendo que ia para a Capital para vendê-las, assim não foi difícil convencê-lo a fazer o negócio.

O restante da arborização local foi toda trazida por esse senhor em seu veículo. O fato, que em pouco tempo, um jardim espetacular surgiu naquele deserto, para o encanto de todos que circulavam por ali. Dado o grande movimento da estrada próxima, resolvemos transformar nossa casa em uma pequena hospedaria, para tanto, construímos mais módulos. Na realidade, estava eu concretizando um sonho que vislumbrei assim que vi aquelas paragens. O contraste observado daquele oásis no meio do deserto foi à propaganda que propiciou o imediato sucesso da empreitada, em pouco tempo os quartos estavam todos reservados para praticamente todo ano.

Seguramente posso considerar um sucesso o empreendimento naquele fim de mundo. Todavia, não foi fácil, pelo contrário foi uma luta incessante até a consecução do projeto final. Por outro lado, meus companheiros da “primeira hora” acabaram me deixando sozinho. Venderam a parte deles para mim e voltaram para a capital. O progresso acabou trazendo outras pessoas para trabalhar na cozinha, jardim, horta de subsistências e etc. Contudo, aquela situação inicial de amizade foi substituída por uma relação fria de trabalho. Agora, que parecia estar tudo lindo e maravilhoso, passei a conviver com mais problemas e também com uma solidão muito grande...!

Naquele momento, apesar de ter uma situação econômica estável, aos 65 anos, não tinha família comigo e meus amigos foram embora. Dependendo do prisma que se olha verifiquei em mim próprio, um dilema muito peculiar da condição humana: Por fora, tudo deu certo. Por dentro um vazio muito grande. Infelizmente, não sobrou espaço para construir um jardim internamente. Talvez, não haveria mais tempo e nem coragem para começar uma nova jornada muito mais complexa do que a anterior, entretanto não tinha alternativa viável. Dispunha de saúde e disposição para reformular toda a parte interior de meu ser, sabia que não seria fácil, mas não impossível, enveredar por outra estrada bem mais tortuosa do que a primeira.

Assim, iniciei minha nova caminhada, vendendo primeiramente a casa para um casal de italianos ecologistas, que adoraram o local e pagaram um preço mais que justo pelo lugar. No entanto, continuei morando lá. A cláusula do contrato de compra e venda estabelecia uma disposição que garantia permanência em caráter vitalício do antigo proprietário no caso eu, sem nenhum ônus pela hospedagem. A comida e outras despesas eu teria que arcar. O dinheiro obtido pela venda foi suficiente para garantir minha sobrevivência por resto da vida, logo não tinha com que me preocupar.

Sem as preocupações de posse que uma propriedade acarreta, pude apreciar melhor as maravilhas que o lugar dispunha: de manhã acordava com o trinado dos canarinhos, sabiás, passo preto e o pio das seriemas que passavam ao largo. As árvores nativas que antes não existiam, agora eram o pouso seguro para aves do lugar. Todo aquele arvoredo resultante de mudas trazidas de outras paragens, plantadas uma a uma estrategicamente localizadas no sentido de propiciar aos seres alados um ambiente aconchegante. No crepúsculo, muitos pássaros voltavam para seu dormitório localizado nas gigantescas moitas de bambus. À noite os animais noturnos beiravam a lagoa em busca de uma caça ou para matar a sede. Entre eles ouvia-se claramente o uivo dos lobos, o pio da coruja e o barulho dos sapos na lagoa. Tudo isso gerava em mim uma satisfação muito grande, afinal com ajuda de Deus tínhamos construído esse lugar.

O clima era ideal para concentrar naquela viagem em busca de mim mesmo. A parte externa estava resolvida e não oferecia nenhum problema. A parte interna precisaria de mais preparação. Para tanto, modifiquei a alimentação, passei a comer menos e mais devagar. Tudo isso de forma disciplinada. A qualidade dos alimentos também passou a ter uma relevância maior: mais frutas, verduras e peixes e menos massas e carnes vermelhas. Essa mudança não foi fácil, mas os resultados foram animadores, pois melhorou a saúde e acabei perdendo alguns quilos. Passei a fazer longas caminhadas diariamente, procurando entender melhor a natureza das coisas.

Ao lado das alterações de comportamento físico, também procurei mudar a maneira de relacionar com outras pessoas, passei a falar menos e ouvir mais. Um exercício difícil pela força do hábito e também por conta do orgulho e vaidade que ainda habitava o recôndito mais profundo de meu ser. Com treinamento cotidiano, acabei por dominar a vontade de exercer influências sobre os meus semelhantes. Por incrível que possa parecer o efeito foi surpreendente, as pessoas de minha convivência passaram a me respeitar mais, apesar de passar a maioria do tempo calado nos encontros interpessoais.

Todavia, a solidão persistiu. Talvez a falta da família, filhos casados vivendo em outra cidade com seus próprios problemas seria a grande causa desse desequilíbrio que ainda teimava em continuar. O desgaste matrimonial levou a separação, que nunca foi formalizada. A reconciliação não estava em nossos planos, nem meu, nem nos da mãe de meus filhos. Um novo casamento nessa altura da vida, totalmente fora de cogitação. No entanto, uma relação afetiva com outra pessoa sem matrimônio formalizado, cada um morando em sua casa seria uma possibilidade.

A propósito, os italianos que compraram o lugar ampliaram e melhoraram as condições da pousada. Por conta disso têm recebido muitos turistas, muitos deles apaixonam pela paisagem e acabam ficando por aqui. Geralmente pessoas ligadas à natureza. Portanto, tendo entre si muita coisa em comum. Quase toda noite um grupo desses reúne no jardim para prosear. Em uma dessas ocasiões, tive a oportunidade de conhecer alguém muito interessante. Todavia, o convívio apesar de terno, não foi avassalador, visto as limitações da idade e os cuidados que se tem que tomar para não incorrer em impropriedades que significariam o fim da relação.

Bom senso, firmeza de caráter, alegria, espontaneidade, inteligência, humildade e beleza: qualidades que eu consegui identificar em minha nova amiga e companheira. Talvez o grande problema fosse a diferença de idade, ela tem 25 anos a menos do que eu. Todavia, nunca me senti velho perto dela, pelo contrário, me fez mais jovem e alegre...! Encontramos, passeamos e divertimos. Não existe disputa entre nós, apenas carinho e amizade. Ainda não falamos das dificuldades mundanas e até agora conseguimos evitar o excesso de intimidade que destrói a maioria dos relacionamentos. Aparentemente, ela me tem em alta estima e me considera muito. Na realidade, isso é que importa, não é? Caro leitor, estou nas nuvens, espero que dure, mas se não durar já valeu a pena ter vivido tal experiência!

Assim no transcorrer da vida, apesar dos tropeços, consegui construir uma vida digna externa e internamente. Posso dizer que sou um homem realizado em todos os sentidos. Se não houver intercorrências pretendo viver mais 20 anos. Obviamente, não estou pronto para fazer a derradeira viagem. Todavia, tenho que iniciar os preparativos para essa última empreitada, e quando chegar a hora, espero não estar desprevenido e possa vencer esse último desafio de forma mais tranquila e natural possível!

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 22/01/2014
Reeditado em 22/05/2016
Código do texto: T4660322
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