Sótão

Não havia como saber a quanto tempo estava presa ali, afinal, não havia relógio e mesmo que houvesse, com toda aquela escuridão, não teria como olhar. Eram essas as suas condições: presa no sótão, aquele cubículo de 4x6 metros e 80 centímetros de altura, tornando impossível que ela ficasse de pé, cheio de entulho, sem a menor previsão de quando alguém daria pela falta dela, na mais absoluta escuridão e silêncio, tendo que dividir aquele pequeno espaço com as baratas e outros insetos e sem qualquer tipo de alimento.

No início ela procurou manter-se calma, afinal, logo alguém sentiria sua falta e pensaria em procurá-la no sótão. Então arrombariam a porta e ela sairia de lá. Mas ficar sem fazer nada, sem ver ou ouvir nada era perturbador. Não havia com o que se distrair. Nada. Nenhuma imagem sequer. E se havia mesmo baratas ali, elas resolveram se manter quietas naquela ocasião. Não havia nada para se distrair e para piorar sua fome e principalmente sede estavam aumentando.

E se ninguém a encontrasse? E se ela morresse ali sozinha naquele sótão? Não, isso não aconteceria, pensou, só estou nervosa, já deve ser noite, melhor me concentrar para conseguir dormir. Amanhã certamente aparece alguém. Demorou um pouco, mas acabou dormindo.

E o que adianta ter sentidos se eles por si só não têm o menor valor? Tudo depende de algo externo. Se não há nada para ser visto, a visão torna-se algo inútil. Se não há som, de que serve a audição? Se não há alimento, qual o sentido de ter paladar? Quanto ao olfato e ao tato, estes estavam cumprindo suas funções, lhe fazendo sentir aquele cheiro de mofo e o desconforto naquele chão gelado e duro. Toda sua energia, capacidade de executar tarefas ou até simples movimentos estariam inutilizadas enquanto ela estivesse ali.

Às vezes falava algo para testar se sua voz ainda estava funcionando, se não havia perdido a capacidade de falar. E achava graça naquilo. Parecia coisa de gente louca. Nem faria diferença naquele momento se de fato tivesse enlouquecido, afinal de que adiantava ter sanidade mental? De que servia tudo que tinha ou tudo que era se não havia ninguém? Sua existência então dependia das outras pessoas? Ela, que sempre se julgara uma pessoa autônoma? Sua autonomia dependia então dos outros? Sempre fora inteligente acima da média, mas até sua inteligência só existia graças às pessoas menos inteligentes. Havia entendido. Tudo o que era, só o era porque havia outras pessoas por perto que não eram aquilo. Não havia como ser algo sem referencial. Não havia como errar se não houvesse ninguém para julgá-la por isso, não havia como fazer algo admirável se não houvesse quem admirasse. Pensar aquilo tudo fazia com que ela se sentisse louca. Sensação incômoda. A fome estava lhe agitando. Não havia como dormir, nem sabia se já estava novamente na hora. Talvez só tivesse passado dez minutos desde a hora que havia acordado, ou talvez tivesse se passado horas.

Continuou sentindo fome, porém esta deixou de incomodar. Achou que a tendência seria ficar cada vez mais desesperada, que o desconforto viraria dor, que as sensações ruins aumentariam progressivamente, mas a lógica foi oposta: estava se adaptando. A fome era ruim, mas era como se seu corpo já tivesse aceitado que era essa sua condição normal a ponto de não exigir comida. O desconforto de ficar deitada no chão, apesar disso lhe causar dores pelo corpo, já não parecia tão incômodo. Automaticamente ia invertendo a posição, quando o corpo doía de um lado, ela deitava-se sobre o outro. Passou a encarar aquele silêncio como se não houvesse som, passou a não sentir falta de imagens, era como se seu isso tudo pertencesse a outro mundo, que já não era mais o seu mundo.

Não existe liberdade absoluta, mas sim níveis de liberdade. Estava numa posição extrema. Tal ideia lhe excitou. Decidiu que se saísse dali provaria o extremo oposto. E tentou dormir novamente.

Luciana Caroli
Enviado por Luciana Caroli em 14/02/2014
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