A mangueira

No quintal de casa – aliás, um vasto quintal, cheio de árvores, terra e tatus-bola- Alessandra e Berenice passavam boa parte de seus dias. Do alto dos seus cinco e seis anos, respectivamente, elas ainda não haviam descoberto muito mais que o mundo escondido entre as belezas do quintal de casa.

Além disso, nas horas que passavam ali, estavam livres das surras da babá, que lhes batia com mangueira pelo simples prazer de bater. Naquelas surras, ela parecia encontrar o alívio de todas as suas dores trazidas pelas frustrações de sua tão triste vida.

A babá era um tipo comum, uma fisionomia maltratada que denunciava o quanto sua vida havia sido, e possivelmente ainda era, sofrida. Era bastante jovem, não tinha mais que vinte anos de idade. Havia saído de sua cidade – a cidade ficava localizada no interior do Piauí e era dessas bem pobres, como só se ver pela televisão – direto para aquela casa, onde trabalharia como babá, a fim de tentar um futuro que fosse melhor do que a realidade que se apresentara para ela até então. No fundo, sabia que estava melhor do que estava na sua cidade de origem, afinal, naquela casa ela se alimentava e tinha o salário, que lhe possibilitava cultivar sua vaidade, além de enviar dinheiro para a mãe. Mas inconscientemente se sentia agredida diante daquela nova realidade. De alguma forma aquilo tudo era injusto. Ela não passaria disso, não seria jamais a dona daquela casa ou de qualquer outra, mas seria sempre subordinada. Não era, nem sabia se algum dia seria, dona de suas próprias vontades. Ao invés disso, teria que se submeter às vontades alheias.

As meninas, por sua vez, como era da natureza infantil, não agregavam a dor daquelas surras quase diárias às suas emoções de forma significativa. Continuavam juntando tatus bola e os colocando dentro da garrafa pet até ela ficar cheia deles, subindo nas árvores do quintal para comer jabuticaba lá em cima, brincando de casinha com suas filhas-bonecas, sujando-se até a tarde cair.

No finalzinho do dia, recebiam o carinho do pai que chegava do trabalho e tentava –com sucesso- compensar o dia no qual esteve ausente. Ele brincava com as meninas após o jantar, desenhava, conversava sobre como havia sido o dia, ouvia as meninas contarem sobre suas aventuras no quintal, fazia cócegas, deixava as duas se divertirem amarrando xuxinhas no seu cabelo. Por fim, colocava-as na cama, embrulhava, lhes dava um beijo de boa noite. Ele não podia saber das surras, pois a babá havia dito às meninas que se elas ousassem contar, no dia seguinte,elas apanhariam dobrado.

E assim, elas tiveram uma ideia: Havia duas crianças que apanhavam diariamente da babá e que não tinham como se livrar desse problema sozinhas. Então, era só chamar a Chirra e a Tila, pois elas eram super heroínas e poderiam resolver facilmente aquela situação.

- Eu vou ser a Chirra, disse Alessandra.

- Então eu vou ser a Tila, disse Berenice.

- Ótimo! Vamos correr e salvar logo as duas meninas!

Então, personificando suas heroínas preferidas, elas subiram no alto da árvore, jogaram a mangueira no telhado, crendo que a bruxa não poderia tirá-la de lá e, assim, não teria como bater nas meninas, e estas estariam salvas.

Luciana Caroli
Enviado por Luciana Caroli em 18/02/2014
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