O PREÇO DA DESOBEDIÊNCIA( Fato real) 2ª parte

O PREÇO DA DESOBEDIÊNCIA (Fato real) 2ª parte

(Antonio Barros)

Aquele não era mesmo meu dia de sorte. Se é que existe dia para se ter sorte ou não. Mas como diz o ditado: Um dia é da caça, outro do caçador; aquele foi na verdade o dia da caça, porque vi muita, mas, nada levei para casa. E parece que algo ainda faltava para completar a lição daquele dia.

Ao cair da tarde; tudo parecia inerte. Já não soprava aquela brisa suave da manhã. O céu carrancudo anunciava que no final do dia viria chuva. Parece que mudança climática influi até no comportamento dos animais.

De minha casa que ficava a uns 300 metros da mata, ouvia-se o burburinho das aves e animais parecendo animada festa. Era coisa provocante mesmo. Jacutingas voavam de árvore em árvore,de galho em galho. Na beira da mata.Juritis,nhambu-guaçu.chororós completavam o alarido da festa com suas belas cantorias, se é que posso assim dizer.

De minha casa ouvia toda aquela algazarra. Como sustentar a ansiedade? Lembrava-se do ocorrido pela manhã. Foi horrível! Sentia remorso. Na minha imaginação não faltavam interrogações:

Quem inventou esta história de não poder caçar em dias santos? Era mesmo um dia santo?

Quando vou esquecer tudo isso?

Onde vou poder caçar sem receio?

Como aquele bicho havia aparecido para mim?

“Por que “antes não consegui disparar um só tiro, e no” gato” não falhou?

Estava eu entrando na fase de adolescência, ou aborrecência como costuma brincar alguém.

Eu era teimoso. Nariz empinado mesmo. Marrudo ,turrão!Não tinha medo de nada!

Tinha que continuar minha aventura. Restava pouca hora do dia para dar lugar à noite que chegava de mansinho e tudo seria calmaria.

Tomado de impetuosa ansiedade, tomei desta vez alguns cuidados para só então adentrar à mata, dando sequência à minha até então frustrada aventura.

Além da espingarda com fechos de molas já engraxados, muita munição, levei também um facão e um cachorro bom de caça, chamado de Javalí. Estava agora prevenido para o que der e vier.

Parecia não acreditar que iria se repetir tudo que já havia acontecido comigo pela manhã.

Puro engano!

Animado devido o alvoroço da bicharada na mata segui minha aventura, acreditando piamente que desta vez não sofreria decepção.

Cheguei à beira da mata. Respirei fundo novamente. Segui por uma picada (caminho cortando a mata) ladeada por densa mata. Mas tinha algumas clareiras onde se podia andar tranquilamente e com um apito atrair a caça para bem próximo.

Estava apenas a uns 200 metros mata adentro, quase 5 horas da tarde, quando coisa estranha acontecia. Nenhum sinal de que justificasse o alarido que antes ouvia. Onde estavam as aves e animais silvestres que faziam aquele barulhão provocador?

Parei estupefato por alguns minutos. Buscava no silêncio ouvir algum ruído.Mais,nada.E nem sequer uma folha de árvore balançava. Pareciam estátuas inertes. Completa calmaria! Era mesmo impressionante. Lembrei-me do fato antes acontecido. Ainda faltava algo, o que não demorou acontecer...

Quebrando aquele longo silêncio ouvi bem distante como que mugido de bovinos.Ah! Tudo bem.!Do outro lado da mata era a fazenda do senhor Vicente um forte pecuarista da região. Seriam seus animais.

Tinha muito gado da raça Nelore.

Meu cachorro, o Javali já havia sumido pela mata. Ele era muito bom caçador. E pelo latido eu até já sabia que tipo de animal estava acuado por ele. Sendo latido compassado, era algum animal no alto de alguma árvore; se era um latido acelerado com certeza era algum bicho em terra. Mas estava entocado, ou entrincheirado. Aí era presa fácil. Só que até o momento nenhum latido. Sigo um pouco mais à frente, mais um pouco, um pouco mais....Paro novamente já meio desconfiado. Será que tudo iria se repetir?

Mas, e a teimosia? Metido a machão não queria desistir. Afinal não tinha conseguido nada até então. Era questão de honra para mim conseguir alguma caça. Não importava que tipo ou tamanho. Mas, nada!

De repente mais barulho! Outra vez! Mais uma vez! Puxa! Agora mais perto! Era um urro agora diferente. Dava a impressão de ser algum animal engasgado, se enforcando, sei lá o quê!...

Senti um leve arrepio. Parei estupefato.

Aquilo era algo estranho.

Teimoso como nunca;birrento,parei,olhei para todos os lados.

O silêncio tomava conta daquele ambiente, antes com um ar de festividade na mata. Naquele momento eu era apenas um pontinho perdido em meio à floresta.

Santo Deus! O que é isto? Um urro esquisito ecoou pela mata .Agora bem próximo de mim.Só que era no alto das árvores. Como pode? Não queria acreditar. Mas era verdade. Arrepiei novamente. Medo intenso tomou conta de mim .Quase perdi o fôlego. Pensei que fosse desmaiar, e eu, ali sozinho. Não tinha a quem pedir socorro. Mal me sustentava sobre as pernas. Quase desabei.

De repente, ouço um barulho na folhagem da mata, vindo em minha direção. Não podia correr. Não tinha forças. O jeito era esperar. Clamei pelo nome de Deus. Não tive dúvidas. Desembainhei meu facão, engatilhei a espingarda e fiquei esperando. Era tudo ou nada naquele momento.

Foi maior a minha surpresa. Sorte do meu cachorro que escapou por pouco. Já ia apertar o gatilho ,quando percebi que era Javali meu companheiro de caça correndo em minha direção. Estava muito assustado. Também ouviu aquele barulho. Parece que até choramingava quase se enrolando em minhas pernas. Agora até meu companheiro estava tomado de muito medo. O que fazer?

Entre teimosia, medo e desistência, optei pela última.

Imediatamente quase sem sentir as pernas iniciei meu retorno saindo da mata. Com o cachorro Javali quase enroscando em minhas pernas. Tremia como vara verde ao vento. Nunca tinha visto aquilo. Era algo extremamente inédito. Silenciosamente lembrei de fazer minhas orações pedindo proteção ao Criador e prometendo não mais desobedecer a meu pai que tanto havia me aconselhado.

Ufa! Fim da tortura. Parece que durou um mês minha saída da mata. Estava exausto mas, são e a salvo. Mais ainda tremia, eu e o cachorro que não queria me deixar de maneira alguma. Enfim alívio. Tudo havia passado.

A noite chegou e junto com ela muita chuva. Chuva forte. Temporal imenso, assustador, raios trovões, ventania, granizo, parecia que tudo chamava a minha atenção. Mas, não durou muito tempo. Eu recebia mais uma advertência; já estava em casa na companhia de meus pais. Não vou aqui descrever o belo sermão que deles recebi. Mas eu precisava. Era muito rebelde.

Fui então repousar. Estava muito cansado. Tudo silenciou. Mal adormeci, vieram os pesadelos. Gritos. Joguei-me da cama. Fui parar no chão. Esfolado. Nariz ensanguentado. Agora era eu que tinha os olhos arregalados. Acordei com meu pai agarrado em mim. Eu nada vi, mas ele disse que eu queria subir pelas paredes. Eles ficaram assustados comigo. Acordei também a vizinhança com meus gritos de terror.

Tive que passar por tratamento psicológico. Muitas orações, até promessas como era o costume dos mais velhos. E meus pais não fugiam à regra. Só após vários anos foi quer superei toda essa turbulência. Hoje só tenho viva a recordação deste triste episódio. Divido hoje com filhos e netos esta passagem de minha vida. Procuro mostrar a todos que a desobediência tem também o seu preço. E eu paguei caro por ela.

Antonio Barros
Enviado por Antonio Barros em 19/03/2014
Reeditado em 29/03/2014
Código do texto: T4735533
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