O GARIMPO MALDITO

Nova aventura de Tim Capacete e Tom Valentim

Seqüência da história “A Caverna dos Escravos”

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— Que quieres? Que é esto? — O pai de Tom pergunta, intrigado, ao ler o recado escrito no pedaço de papel de embrulhar pão, que o filho lhe entregara.

— É um recado para o delegado de polícia, avisando que os ladrões estão na Caverna dos Escravos, no morro da...

— Pero, que besteira, chico! Usted está imaginando coisas. Hay que estudar mais e sonhar menos. — O pai joga o bilhete no chão e sai, pisando quente.

Tom fica chateado. É de manhã, está na hora de ir para o ginásio e pensava que o pai poderia ajudá-lo. Ainda está confuso com os acontecimentos da tarde anterior, quando Tim Capacete e ele voaram até o Morro Vermelho e taparam a caverna do botim dos três ladrões. “Será que fui mesmo com Tim Capacete? Ou foi apenas um sonho?”, pensa. Com a recusa do pai, a dúvida se instala na cabeça do garoto. “Mas o bilhetinho está aqui, a letra não é minha, é do Tim Capacete, tenho certeza!.”

Cata do chão o bilhetinho e o coloca no bolso. Pega a pasta com livros e cadernos e sai para a aula. A caminho do ginásio, vai relembrando a aventura. Na manhã clara as peripécias da tarde anterior vão lhe parecendo cada vez mais ilusórias. Caminha preocupado, dando tratos à bola. Se nem meu pai acreditou no recado e não quer entregar o bilhete pro delegado, como Tim havia recomendado, eu é que não vou me meter a besta. Acho melhor rasgar o papel e esquecer essa história. Não vou arriscar. Já pensou? O delegado pode até pensar que é brincadeira e...Mas, espera aí! O Arnaldo, que estuda na quarta série, é filho do delegado! Vou entregar pra ele! Como é que não pensei nisto antes?

Tom chega ao ginásio em cima da hora: o porteiro já fechava o pesado portão de ferro, quando ele se esgueirou, correndo, dirigindo-se para a fila de entrada. Esperou, ansioso, pelo primeiro intervalo, a fim de pôr seu plano em ação.

Meio ressabiado, procurou o colega, com o qual não tinha amizade nem intimidade.

— Arnaldo, quero lhe pedir um favor. Cê pode entregar esse recado pro seu pai? — Timidamente mostra o papel, dobrado em quatro.

— Que papel é esse?

— É um recado pro seu pai.

— Deixa ver.

— Não, não pode ler. Só seu pai deve ler.

— Deixa de bobagem. Como é que vou dar pro meu pai um papel se não sei o que está escrito nele?

Arnaldo toma o papelote, abre e lê em voz alta:

“O esconderijo dos três ladrões

que estão

roubando na cidade

é na Caverna dos Escravos,

na Mata do Gavião”.

— Eta que menino bobo! Onde você achou isto?

Tom se arrepende de ter pedido o favor. “Agora sim, vão pensar que tou ficando lelé da cuca!” pensa.

— Tá bom, não quer entregar, num entrega. Me dá o papel de volta.

— Ara, bobo. Vou levar, sim, esse papel pro papai. Vamos ver o que ele diz.

Tom passou o dia angustiado. Durante as aulas, estava no mundo da lua. Arrependido de ter pedido ajuda ao Arnaldo, essa história não vai acabar bem. O delegado vai me chamar na cadeia, vou ter de contar tudo, tintim por tintim. Tudo por causa do sonho que tive. A confusão na cabeça do garoto era total, já não sabia mais distinguir o real do sonho ou da imaginação.

No dia seguinte, ainda com receio do que poderia acontecer, viu Arnaldo se aproximar. Tremeu e teve de fazer um esforço tremendo para não sair correndo.

— Ei, Tom, onde é que você achou aquele papel?

— Foi... foi... — Desesperado, tenta inventar uma mentira. — Foi no caminho do ginásio. É, no caminho, quando vinha pra aula.

— Pois cê sabe que o recado era de verdade? Papai foi lá na Mata do Gavião, achou o esconderijo e prendeu os bandidos.

Nos dias seguintes, Tom evitou estudar sob a sombra da mangueira, no fundo do quintal. Acreditava e não acreditava na aventura com Tim Capacete. Tinha que estudar muito, principalmente latim. Dedicou-se com afinco aos livros. Embora lembrasse constantemente das peripécias com Tim Capacete, os devaneios não o impediam de estudar. Pelo contrário, sentia que estava aprendendo bem, declinações e conjugações fixavam-se em sua memória, os axiomas e as equações matemáticas se tornaram de fácil compreensão. Datas históricas e detalhes geográficos eram agora “canja”, aprendia tudo numa passada de olhos.

As provas vieram, as temidas provas de fim-de-ano. Tom passou por todos os testes com facilidade, inclusive as orais. Para sua surpresa,obteve ótimas notas no latim, e a promoção à terceira série aconteceu com boa classificação: ficou em quinto lugar, coisa que jamais lhe ocorrera antes.

Os momentos de perigo e aventura que vivera naquela tarde iam se tornando cada vez mais quiméricos, foram um lindo sonho. Mas o Tim falou que, quando eu quiser, é só passar a mãos três vezes no meu capacete, falando o seu nome, que ele aparece. Será...? Agora, passados os dias difíceis das provas, a tentação de fazer como o Tim Capacete ensinara — “passe a mão três vezes no seu capacete, falando o meu nome cada vez, que apareço” — era mais e mais insistente. Pegava o capacete, com muito respeito e até com certo receio. Se esfregar sem querer a mão no capacete, será que o Tim vem mesmo?

Queria e não queria, ao mesmo tempo. Ainda se lembrava dos sustos e das emoções, dos poderes que teve quando ajudou Tim Capacete a prender os ladrões na caverna: superforça, visão ampliada, poder voar, e, agora reconhecia, sua inteligência ficou melhor, pois não tivera a menor dificuldade em aprender o que necessitava para prestar os exames.

Afinal, tomou a decisão. A manhã clara convidava a uma aventura. Pegando seu capacete, passou rápido pela cozinha, em direção ao quintal.

— Aonde vai com tanta pressa? — A mãe percebe a urgência de Tom.

— Vou para a mangueira. Me dá uma sacola, que trago algumas mangas pra senhora. — Estava ficando esperto em inventar desculpas.

Instalado com cuidado num galho da imensa árvore, olha o capacete. “É agora ou nunca!” Pensa e passa a mão devagar na copa do capacete. Três vezes. A cada vez, fala não muito alto, pois não quer chamar atenção do pai, que trabalha ali na horta do quintal.

— Tim Capacete! Tim Capacete! Tim Capacete!

Que susto! Tom quase cai do galho, quando na sua frente, bem próximo, no outro galho, está o seu companheiro de aventuras!

— Oi, Tom! Demorou a me chamar.

— Ôôôi..., Tim! Então, é verdade? Você existe mesmo?

— Claro. Só que não vivo neste mundo, moro no Mundo da Fantasia.

Surpreso, Tom não sabe o que dizer. Lembra-se do vôo que foi o início da aventura anterior.

— Hoje vamos voar de novo?

— Claro! Venha, quero lhe mostrar uma coisa!

Tom põe o capacete na cabeça, passa a mão três vezes (já sabe como fazer!) e pula na direção de Tim, que voa na sua frente. A sensação é maravilhosa. Sobem a uma altura boa, bem acima das árvores mais altas, e passam sobre a torre da igreja de São Roque. O sol está quente e Tom ajeita seu capacete, a fim de conseguir sombra sobre os olhos. A paisagem passa, rápida, lá embaixo. A cidade fica pra trás. Agora sobrevoam campos e matas, dirigindo-se para as bandas do Rio das Garças.

Tom “sente” que Tim lhe comunica alguma coisa.

— Vamos voar até bem lá em cima, na Cachoeira dos Macacos.

— É muito longe! — Tom comunica-se com Tim sem usar palavras. Entendem-se sem falar.

— Pra cima da cachoeira, dentro da mata, tem uma coisa que quero lhe mostrar.

Voam no sentido da cachoeira, rio acima. Se fossem a pé, levariam muitas horas. Tom sabia. Já estivera ali, num acampamento de escoteiros, devidamente acompanhados pelo professor Alípio, de educação física, que gostava de fazer “expedições” com os alunos. Voando diretamente sobre o rio, em poucos minutos estavam na Cachoeira.

— Venha, Tom, vamos para o alto! — Tim agitava o braço direito, orientando o amigo, que o seguia de perto.

Voando mais alto, ergueram-se acima da cachoeira. Puxa, devemos estar a uns cem metros de altura! — Pensou tom.

— Que cem metros, que nada! Estamos voando a mais de trezentos metros! — Tom “sentiu” a informação vinda de Tim, sem ouvir-lhe a voz.

— Que coisa estranha! Não ouço a voz de Tim, mas sei o que ele está me comunicando.

— É telepatia, Tom . Estamos nos comunicando por telepatia. Não precisamos falar, basta a gente direcionar o pensamento, e a gente se entende.

Era demais para Tom! Voar, comunicar sem falar... que mais poderia acontecer?

A fita prateada do rio corria agora sobre o alto do morro, num planalto. Cercado pela mata que cobria toda a região, apenas era visível pelos reflexos do sol em suas águas tranqüilas. Num determinado ponto, ficou totalmente escondido pela densa mata. Seguiram voando até que, muitos quilômetros acima, viram uma pequena clareira. Tim, com Tom sempre próximo, fez um vôo circular. De reconhecimento.

A clareira era pequena, suficiente apenas para separar um casebre da mata. Conforme desciam, notaram três ou quatro pessoas caminhando ao redor do casebre. Tim teve o cuidado de não ficar entre o sol e a clareira, evitando serem vistos pelas suas sombras. Passaram por sobre a casinha e se empoleiraram nos galhos de um enorme jequitibá.

— Que estamos procurando, Tim?

— Vamos ver os garimpeiros escravos.

— Mas, este é o lugar do Garimpo Fantasma! O professor Alípio falou dele quando estivemos na cachoeira, lá embaixo. Ninguém mais garimpa, já foi abandonado há mais de cem anos!

— Pois é. Só que agora tem gente garimpando de novo. O Totonho Bigodão achou um novo veio de ouro. Ele e o Salatiel Meganha abriram de novo o garimpo. Na cidade ninguém sabe.

— Mas tem mais gente lá. Vi uns quatro homens ao redor da casinha.

— São os trabalhadores do garimpo. Totonho e Salatiel mantêm uns dez homens ali, trabalhando pra eles. Só que guardam o maior segredo. Não deixam os homens sair do garimpo, pra não revelarem nada. Trabalham sempre, não têm descanso, nem sábado, nem domingo.

— E por que eles não saem, abandonam o garimpo?

— São mantidos como escravos. O Salatiel Meganha é um bandido que já matou muita gente, e é ele quem toma conta dos trabalhadores.

— De onde vieram os trabalhadores?

— São gente simples, homens do interior. Vieram do norte de Minas, enganados. Prometeram pra eles sociedade no garimpo, fornecimento de material, mas o que encontraram foi escravidão.

Do alto do alto jequitibá, os dois observavam o movimento lá embaixo, sem serem notados. O casebre nada mais era do que um barracão, sem paredes. Construção simples: paus grossos sustentavam uma coberta rústica feita de folhas de indaiá, palmeira abundante na região. Uma fumaça tênue indicava alguém preparando comida sob a coberta. Com a supervisão, Tom pode observar que não havia camas, apenas redes amarradas nos paus. E uma mulher em andrajos mexia panelas e atiçava o fogo de lenha.

— Tá fazendo comida. Daqui a pouco vai ser hora do almoço.

Tom já se acostumara com as informações do amigo. Tim sabia de tudo, tinha explicação para cada coisa.

— Venha, vamos ver o garimpo.

Pulando de árvore em árvore —agora estou igual ao Tarzan, só faltam uns cipós pra ajudar nos saltos —, chegaram à beira do rio. Sempre do alto das árvores, ficaram observando a atividade dos garimpeiros e seus senhores. A mata, muito densa, tornava lúgubre o local e escondia a situação lamentável de trabalho dos garimpeiros escravos. Um braço do rio foi desviado, e se desmanchava em um lamaçal. Como já garimpavam há algum tempo, o local todo era uma enorme cratera de lama, por onde passava um filete de água. Nas poças trabalhavam os homens, bateando a terra. Com água na altura dos joelhos, usando calças cortadas, sem camisa, o suor brilhando mesmo na escuridão da mata, eles não paravam um momento. De tempos em tempos, trocavam a bateia pelo enxadão, cavoucando o barranco, a fim de terem mais terra para ser bateada. Do alto de um barranco um homem vigiava os garimpeiros. Com um revolver na cintura e uma espingarda nos ombros, mãos na cintura, observa atentamente os trabalhadores.

— É o Salatiel Meganha. — informou Tim, via telepática, a Tom.

Tom Valetim estarreceu-se com o que viu. Os homens pareciam mais fantasmas do que gente. Enlameados das cabeças aos pés, em movimentos lentos, metidos cada um na sua poça, alguns tossiam, outros gemiam. O vigia gritava, de vez em quando, com algum que parava por alguns instantes

— Vamo, Mané, deixa e preguiça, seu coisa!

Ou:

— Continua cavoucando, Zé, nesse barranco tem muito ouro. Vamo, sô, deixa de moleza!

Por entre eles passava o outro bandido, coletando o ouro bateado. Magro, alto, também sem camisa, as calças enfiadas nas botas de cano alto, ia e vinha entre os escravos. No rosto, um imenso bigode dependurava-se sobre a boca.

— É o Totonho Bigodão? — perguntou Tom a Tim.

— Tá na cara, né? Veja só como ele vai catando o ouro que os escravos garimpam.

— Puxa, Tim, temos que fazer alguma coisa. Esses homens tão morrendo de fraqueza e de doença!

— Por isso estamos aqui.

A tarde foi passando. Tim e Tom fizeram diversas descobertas, examinaram toda a região, procurando elaborar um plano.

— Santa Virgem! Já está anoitecendo! Tenho que voltar pra casa, papai e mamãe já deram por minha falta.

— Não se preocupe, Tom. O tempo que nó passamos juntos não conta. Pode ficar quanto tempo quiser, quando você voltar, passaram apenas alguns momentos da sua vida real.

Já estava anoitecendo quando Tim e Tom encontraram uma maneira de libertar os escravos.

— Fazemos o seguinte. Hoje à noite, quando todos tiverem nas suas redes, nós vamos avisar os garimpeiros escravos que amanhã de manhã o rio vai subir de repente. Bigodão e Meganha vão ficar assustados, por alguns instantes vão perder o controle da situação, e os homens poderão fugir pela mata.

— Mas, como é que o rio vai subir de repente? Não tem sinal de chuva, o tempo tá firme.

— Eu e você vamos fazer o rio subir.

— Nós dois? Como?

— Você não se lembra da imensa pedra que deslocamos para tampar a caverna dos ladrões? Pois vamos usar nossos poderes para forçar o rio todo a passar pelo garimpo.

— E os bandidos não vão perceber nossa presença no barracão, quando a gente for avisar os garimpeiros?

— De jeito nenhum. Vamos ficar invisíveis.

A noite chegou cedo na mata. O sol não tinha se posto, mas as sombras das árvores escureceram o garimpo. De volta ao barracão, os escravos, sempre vigiados por Meganha, de armas na cintura e no ombro, fizeram fila para receber uma refeição, um caldo ralo, que tomaram antes de irem para suas redes. Quando se espicharam nas redes, Meganha amarrou o pé de cada homem com uma corda grossa no poste que sustentava as redes.

— Eles dormem amarrados! — Tom não consegue esconder sua surpresa.

— Esperemos uns momentos para avisá-los. – Tim informa o companheiro.

Após uma meia hora, preparam-se para entrar no barracão. Bigodão e Meganha também dormem, e a mulher que viram de manhã tem um catre separado, num canto do barraco. Roncos e murmúrios acrescentam uma nota cômica ao lúgubre ambiente.

— Passa a mão no capacete, pra ficar invisível. — Tim ordena a Tom. Este assim o faz e imediatamente fica invisível. Não se vê nem enxerga Tim.

— Você avisa os homens deste lado, eu aviso os outros do lado de lá.

Silenciosamente, os dois percorrem as redes. Alguns já estão dormindo, outros acordados. Graças ao poder da comunicação telepática, os homens recebem serenamente as informações que os dois garotos vão lhes passando. Quando terminam, Tom comunica-se com Tim, e ambos se encontram fora do barracão, sob a sombra das árvores.

— Agora, que vamos fazer?

— Vamos represar o rio. Amanhã cedo, quando eles estiverem se dirigindo para o garimpo, abriremos a represa na parte que sai para o garimpo. A força das águas vai arrasar tudo no seu caminho.

Passaram boa parte da noite represando o rio. A super-força e a super-visão noturna facilitaram a tarefa. Usaram pedras do próprio leito do rio e galhos, troncos de árvores, tudo o que foi possível, para construção. De madrugada, o rio represado formava uma lagoa, cujo nível crescia a cada momento.

Os bandidos acordaram de madrugada e logo acordaram os escravos. A mulher serviu café em sacolas. Os escravos cochicharam entre si, falando das instruções que receberam. Ninguém teve dúvidas, sabiam de tudo o que ia acontecer e estavam preparados para a fuga.

— Vamos, seus molengas! Tá na hora do batente! — Meganha animava os trabalhadores à sua maneira. Bigodão seguia atrás, com uma sacola de couro, usada para coletar o ouro bateado.

Ao divisar o primeiro homem na curva da trilha, Tom, estrategicamente colocado, emitiu um assobio imitando o nhambu, avisando Tim. Sempre alerta, Tim Capacete começou a deslocar as pedras que cercavam a lagoa, na parte que desembocava no garimpo. Ao deslocar algumas poucas pedras, a água, precipitando-se com violência, foi levando de roldão as outras pedras, os paus, galhos, tudo o que estava na frente.

Os garimpeiros ouviram o barulho antes mesmo de chegarem ao barranco. Meganha e Bigodão se assustaram com o estrondo das águas de encontro às barrancas, chegando à cratera do garimpo. Ouviram o tilintar das ferramentas, jogadas umas contras as outras.

— Diabos! Que vem a ser isto? — Meganha corre para a frente da coluna dos escravos brancos, e chega no momento exato em que a violenta corrente alcança o barranco. Ainda no lusco-fusco da manhã que nem bem começara, não percebe a extensão do desastre, aproxima-se demais e pisa na beira do terreno já erodido por baixo pela correnteza. Bigodão, que corria atrás, ainda vê o companheiro despencando-se e sendo envolvido pela força das águas liberadas. Mas não percebe uma galhada flutuante que desce, varrendo as margens. Sente a pancada nas pernas, se desequilibra e acompanha Meganha no seu destino mortal.

Os garimpeiros debandam na direção do barracão. Sobem, ofegantes, a trilha e escapam da inundação. Dona Véia também estava assustada com a pororoca do rio, nunca ouvira tal barulho.

— Meu Deus, que tá acontecendo?

— Corre, dona, o rio tá subindo, vai inundá tudo.

Não pensam, sequer, em pegar objetos de uso, ou mesmo as sacolas cheias de ouro que os bandidos guardavam no canto mais escondido do galpão. Correm em disparada pela senda que os levará de volta à liberdade.

Tim Capacete e Tom chegam, voando, à maloca dos garimpeiros.

— Depressa, Tom. Vamos usar as redes para salvar o ouro.

— Oba, vamos ficar ricos!

— Não é pra nós não, seu malandro. Este ouro é dos escravos. Eles é que cavaram e batearam.

Usando os poderes extraordinários, Tim e Tom amarram as sacolas nas redes: são onze sacolas de pano forte, cheias do precioso metal, cada qual pesando mais de vinte quilos. Com facilidade, alçam vôo e, por sobre as árvores, vão carregando a pesada carga. Seguem na mesma direção tomada pelos ex-escravos e pela mulher, ultrapassando-os.

— Venha, vamos deixar as sacolas ali naquele ponto onde eles vão passar.

Antecipando-se alguns minutos, os pacotes amontoados na trilha. Poucos minutos antes de os ex-escravos chegarem ao local, Tom comenta com Tim.

— Olha, Tim, contei nove escravos que fugiram. Mais a mulher, são dez. Se deixarmos as onze sacolas, vai tocar uma sacola pra cada um e sobra uma. Na certa, eles vão brigar por causa da que sobrar.

— Você tem razão, Tom. Vamos retirar uma sacola de ouro do monte. Assim, eles não terão por quê brigar.

— Que vamos fazer com a décima primeira sacola de ouro?

— Enterramos ali ao pé daquele pé de pequi, depois a gente decide o que fazer.

Os homens cansaram-se da correria, mas mantinham um passo firme. Até mesmo Dona Veia os acompanhava na cadência, embora ofegante. O dia já estava claro e a mata rareava um pouco. O homem que ia à frente quase tropeçou nas sacolas espalhadas pelo chão.

— Mas, que é isto? — Os demais se aproximam e começam a desamarrar as sacolas.

— É o ouro do garimpo! O tesouro do Bigodão! Agora é nosso! Estamos ricos! Estamos ricos!

Do alto de uma árvore, sobre a trilha, Tim sorri para Tom. Compartilham da felicidade dos garimpeiros que se tornaram ricos e, o que era mais importante, homens livres.

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Antonio Roque Gobbo

Belo Horizonte, 18 de dezembro de 2001.

CONTO # 132 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 08/04/2014
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