Plataforma 17

Não tinha certeza de que estava no lugar correto. Segui todas as recomendações do guia e fui parar naquele lugar. Era muita gente e isto me deixava um pouco atordoado. Não era possível compreender uma única palavra que se dizia ao meu redor e, mesmo assim, não restava dúvidas de que eram muitos os idiomas ali falados. Tentei confirmar informações com a senhora do balcão de vendas, mas ela não me entendia. Apelei para alguns transeuntes até que um jovem conseguiu dizer para onde deveria ir. Plataforma 17. Estava consciente de que era o destino e que teria a melhor viagem de sempre. 17? O número que me marcara toda a vida. Nasci no dia 17 de janeiro, meu pai nasceu no dia 17 de setembro e o meu avô, acreditem, nasceu no dia 17 de agosto. Aos 17 anos arrumei o meu primeiro emprego. Foi num dia 17 que deixei o país pela primeira vez e era 17 o número final da placa do meu primeiro carro. Era isso. Esta viagem, partindo da plataforma 17, seria a viagem da minha vida. Desci as escadas do piso superior e fui para a área de embarque. Apesar do grande fluxo naquela rodoviária, poucas pessoas se encontravam nas salas de espera. Faltavam ainda algumas horas até o embarque e assim me permiti fazer o que mais gosto, observar. E havia tanto para ver, ouvir e sentir. Há uma beleza nos grandes centros que está contida no movimento das pessoas. Gente que se move e que nos move. Sempre fui curioso. Se bem pudesse, seguia cada transeunte até o o seu destino. Espreitaria por quem os esperava, os lugares a que chegariam, as atividades que iriam realizar. Passava horas a pensar para onde se dirigia a morena bonita que caminhava decidida, com pressa. Imaginava como seriam os seus pais, se ela ainda moraria com eles. Teria ela um namorado, um marido, um filho? O que eles estariam fazendo quando ela chegasse em casa? Teria ela uma casa? E o senhor que passara tão calmamente carregando sua pasta. O seu traje executivo era capaz de longe o levar? Trabalho, missão, crença ou lazer? Por que aquelas roupas, aquelas cores, aquela pasta? Quanto tempo terá ele ocupada na empreitada de comprar aquelas peças. Será que comprou? Ganhou? De quem? E, de repente, passa uma garota, sozinha, com cara de poucos anos. Da escola viria ou para ela iria? Estudava? Será? E a família, por que ninguém acompanhava a miúda? Teria ela sonhos e onde eles seriam capazes de a levar? Fujo por tanto tempo e perco-me tanto nas histórias que invento dos outros que às vezes chego a ter medo de perder-me para sempre. E se eu não voltasse. E se a minha história se perdesse numa dessas idas? O movimento não parava, nunca para. Diminui. Pronto, já passaram as horas e é tempo de embarcar, uma nova viagem, novos pensamentos, ou seriam os velhos revestidos de outras lentes? O ônibus não chegou. Também não havia mais ninguém à espera dele. A plataforma 17? Deserta. Já não há rodoviária. Onde estou? Vejo árvores, o chão é de terra. Não há animais, nem gente. Sinto-me só, e perdido. Afinal, cheguei ou nunca parti? Penso que devo caminhar e continuar até algum lugar que não sei bem qual é. Apenas as árvores. Apavorei-me. Não sei mais quem sou. Senti um impulso, gritei. Silêncio. Acordei. A sala de casa, a mesa, os meus livros. Miro o relógio. São 17 horas. Cochilei. Já está na hora de voltar a estudar.