216 - O ESPIÃO DE BAGDÁ

— Quero que prestem muita atenção. Agora mais do que nunca. Vocês serão nosso último lance nessa guerra. De vocês dependerá toda a movimentação das tropas americanas no deserto e da tomada das principais cidades do Iraque. Vou exigir mais de cem por cento de suas capacidades de obter dados e, principalmente, de transmití-los em tempo hábil para as tomadas de decisões. — William Bolt, diretor-geral da CIA, iniciou sua peroração aos quatro agentes selecionados para uma das operações mais importantes do serviço secreto na guerra que se desenvolvia no Oriente Médio.

Os homens, reunidos ao redor da mesa de mogno não só escutavam atentamente como trocavam impressões e informações com o seu diretor. Escolhidos a dedo pela capacidade demonstrada em importantíssimas missões anteriores, tinham algo mais em comum: todos tinham os rostos morenos, bronzeados, cabelos negros e aparência de homens afeitos a viver ao ar livre, curtidos pelo sol forte de regiões tropicais. Passariam facilmente por árabes e essa era uma das razões de terem sido selecionados para a mais perigosa tarefa de suas vidas.

A reunião durou pouco mais de trinta minutos. Ao se despedir, apertou as mãos dos agentes com vigor inusitado e seriedade no olhar. Bill Bolt procurou transmitir aos seus auxiliares a grande responsabilidade que pesava nos ombros de todos pelo sucesso daquela missão. Sua permanência na direção e o próprio futuro da CIA estavam comprometidos com as informações secretas que iriam facilitar a invasão do legendário país das mil e uma noites.

Os agentes saíram dali diretamente para o ultraprotegido salão de preparação para a partida. Dali em diante, seus comunicados estavam restritos a relatos da viagem e de seus movimentos em terra, mar e ar. Checando roupas, mapas e equipamentos, pouco falaram entre si, pois se entendiam mais por sinais, olhares, movimentos imperceptíveis de mãos, ombros ou braços. Com mochilas e maletas recheadas de armas para defesa pessoal e equipamento eletrônico que fariam inveja a James Bond, pela precisão e miniaturização, dirigiram-se para o topo do edifício. Um helicóptero esperava-os com o motor ligado. Mais alguns minutos de vôo sobre a cidade e chegaram ao aeroporto militar. Tudo estava organizado nos mínimos detalhes e cronometrado em escala de segundos. Não mais de sessenta minutos haviam decorrido desde que, na manhã cinzenta de fim de inverno, se ingressaram no gabinete do Diretor e realizaram a decolagem do Super— Hawk 16-B, em direção ao teatro da guerra.

A missão secreta dos quatro agentes da CIA era uma tentativa de atender às exigências dos generais do Pentágono. Para os militares, o trabalho dos serviços de inteligência dos Estados Unidos (controlados pela CIA) estava muito aquém do desejado.Reclamavam de que a CIA não contribuía com informações importantes, tais como o paradeiro de Saddam Hussein, sobre o seu círculo íntimo de auxiliares, sobre seus filhos Qusai e Udai e sobre os arsenais de armas químicas de destruição em massa.

A CIA já havia lançado, há tempos, raízes em Bagdá, com uma rede de informantes, mas os resultados foram de pouca monta. Ao se iniciarem os bombardeios dos principais alvos da cidade, ninguém sabia dizer com segurança quais os locais deveriam ser bombardeados — informação elementar, no entender do alto comando militar americano. Não obstante o senador John Kildare ter reconhecido que “encontrar Saddam no Iraque é uma tarefa quase impossível — como foi impossível encontrar Bin Laden no Afeganistão”.

No momento em que as tropas preparavam-se para invadir o Iraque, vindo do Kuait, as informações fornecidas pela CIA se limitavam a conhecidos mapas de Bagdá, com anotações sobre a distribuição demográfica na cidade, o que foi considerado “quase nada” pelo comandante geral das forças de coalizão.

O deserto deu boas-vindas a Allan Ramstone — codinome RAT — com uma formidável tempestade de areia. Ao chegar ao solo, após um pulo sem visão, ele imediatamente recolheu e escondeu o pára-quedas. Como previsto, descera nas proximidades de Shatra, cidade ao sul do país, alguns quilômetros ao norte do Kuait. Sobre sua roupa habitual veste rapidamente uma larga bata, e na cabeça acrescenta um lenço branco, preso por faixa negra. Assim disfarçado, infiltra-se na pequena cidade, aproveitando o rugir da tempestade e das sombras da noite que se aproxima. Através de seu poderoso binóculo com visão infravermelha, vai observando furtivamente as posições fortificadas e os pontos de fácil acesso. Anda furtivamente sem cessar durante toda a noite e na madrugada já tem registrado em seu laptop tudo o que fotografou com sua câmera digital ou que observou com seu olhar acostumado a tarefas dessa magnitude.

Agora, é sair daqui e fazer contato para o relatório. A melhor forma para sair é encontrar um veículo abandonado. A ponte está intacta, posso atravessá-la com facilidade. — Assim pensando, Allan dirige-se para o centro da cidade.

Amanhece. O sol é uma imensa bola de fogo levantando-se no horizonte do leste. Na praça central encontram-se muitas pessoas, aparentemente desorientadas, em grupos de três ou quatro. Com passadas decididas, o espião aproxima-se de um carro ao lado do qual um grupo conversa animadamente. Compreende o dialeto local: estão ajustando uma viagem com o proprietário do carro, para o outro lado do rio. Entra na conversa, juntando-se ao grupo e informando-se das condições da viagem.

São pessoas que pretendem fugir para o sul, na direção da fronteira com o Kuait. Exatamente o que preciso. O arranjo é rápido. Os quatro passageiros embarcam. Ninguém conhece ninguém, e o silêncio pesado e sinistro paira no interior do veículo. O carro, um velho modelo importado há mais de dez anos, antes do embargo determinado pela ONU, rateia de vez em quando. São detidos por uma sentinela à saída da cidade. São soldados iraquianos, que exigem pagamento para liberar a passagem. O motorista arrecada uma porção de dinares dos passageiros — inclusive de Allan — e passa para o soldado, que mantém o cano do fuzil metido dentro do veículo, a vinte centímetros da cabeça de Allan.

A viagem prossegue. Ultrapassando a ponte, adentram-se pelo deserto. Allan observa o motorista, que tem um tique: olha constantemente de um lado para o outro, parecendo estar checando os espelhos. Evidentemente, é um pavor insano que o faz proceder assim, pois o veículo não tem nenhum espelho retrovisor , nem mesmo o interno. O homem demonstra visível medo e por vezes derrapa o veículo, apavorado com ameaças e perigos que, por certo, povoam sua mente psicótica. Rodam algumas horas rumo ao sul. O calor sufoca. Areia e pó entram pelas frestas da lataria decrépita ou pelas janelas de vidros estilhaçados.

Dois passageiros iniciam uma conversa e um deles saca de seu albornoz uma caixinha. Retira um baralho que exibe ao companheiro. Allan observa com o rabo dos olhos, reconhecendo: é um baralho em cujas cartas estão impressas fotos de Saddam Hussein e seus principais colaboradores, inclusive os filhos. As cifras especificam os prêmios que serão pagos por quem aprisionar os retratados, ou der pistas sobre a sua localização. Armas bizarras em uma guerra idiota, pensa Allan.

Aproximam-se de um posto militar. Ao longe, através da névoa seca do deserto, vêem tremular uma bandeira americana. O motorista sua em bicas e os olhos esbugalhados revelam o seu pavor. O carro aproxima-se rapidamente do posto. Ouvem-se ordens dadas pelos soldados do posto, através de um alto-falante ou de um megafone.

— STOP! Hey, you there! STOP YOUR CAR!

O motorista parece não entender ou não ouve as ordens. Acelera ainda mais e o veículo avança a toda, na direção da barreira. Ouvem-se tiros. Allan procura saltar do carro, mas a porta está emperrada. O carro é atingido por projéteis. Uma bala raspa a cabeça do motorista, fazendo um corte da fronte até a nuca, o sangue espirrando por todos os lados. Inconsciente, cai de borco sobre a direção, disparando a buzina, cujo barulho se mistura ao matraquear das armas. O pé do homem pesa sobre o acelerador. Allan debruça-se sobre o motorista, tentando tomar a direção. Não percebe o bólido de fogo que vem na direção do veículo, atingindo-o na parte central. Uma nuvem de fogo envolve o carro, antes que a explosão final o desintegre e a seus passageiros, lançando ao ar pedaços incandescentes de metais, de roupas e de corpos.

Cary Hurt se infiltra entre os curdos, nas proximidades de Kirkuk. Está na região dominada pelos peshmergas, guerrilheiros que ocupam a região petrolífera do norte do Iraque. Cary é um homem de estatura média, cabelos pretos e tez morena. Identifica-se como jornalista italiano de nome Carlo Umbro e logo obtém a confiança do chefe Ashman Abdul.

— Vamos para o sul. Atacaremos Kirkuk de madrugada. Você fica ao lado de Ibrahim, que lhe dará proteção. Mas aconselho a não se adiantar até a linha de frente. Lá, não lhe garanto nenhuma segurança.

O Chefe da guerrilha mostra-se confiante, e acrescenta:

— Ibrahim é mudo, nada falará, mas será bom guardião. Sua língua foi cortada pelos bandidos de Saddam . Ficou preso por mais de dois anos nas masmorras de Bagdá.

Ibrahim é um jovem muito moreno, a tez queimada de sol e curtida pelo áspero clima do deserto. Olhos pretos, parecem ameaçadores a Hurt (ou Carlo Umbro, ou, ainda RAT, seu codinome). Desde que lhe foi confiada a segurança do jornalista, não descuida um só momento de vigiá-lo. Não tem no homem estrangeiro a mesma confiança que o chefe. Preciso prestar muita atenção nesse infiel. Está querendo saber muito, vive entrando e saindo em tudo quanto é lugar. E não pára de fotografar. Assim pensando, Ibrahim transforma-se na própria sombra de Cary. Uma sombra armada com poderoso fuzil soviético, dotado de mira telescópica e visor de raios infravermelhos.

É evidente a má vontade dos curdos para com os soldados americanos e ingleses que chegam todos os dias, em número cada vez maior. Existem rivalidades entre os próprios curdos, cada chefe tendo uma maneira própria de combater. Turcos, árabes e curdos lutam entre si e não constituem uma frente única para combater os iraquis. Os curdos fazem pilhagem nas áreas de moradores árabes e turcos. A região de Kirkuk e Mossul é um verdadeiro quebra-cabeças político, social e religioso para qualquer observador.

Cary acorda de seu cochilo com o cutucar da ponta do fuzil. Com gestos, Ibrahim indica-lhe a direção a ser seguida. Os guerrilheiros estão se preparando para uma sortida. O espião e sua sombra permanecem uns quinhentos metros aquém da linha de frente dos curdos. Está escuro. Só são visíveis as lâmpadas das altas torres de petróleo, ao longe. Distantes uns dez quilômetros, avalia Cary.

Ibrahim está fascinado pelos aparelhos sofisticados do jornalista: o computador portátil e a máquina fotográfica. Na realidade, precioso laptop e sofisticadíssima câmara digital. Com esses aparelhos até eu seria um jornalista. Se Alá me permitisse... Ele gosta de armas e equipamentos exóticos. Orgulha-se da posse do fuzil soviético, que obteve matando friamente um soldado russo, na ocasião um aliado dos curdos. Da fascinação à cobiça vai menos de um palmo. Sem tardança, Ibrahim está planejando uma maneira de se apossar do equipamento do “correspondente de guerra”.

Na frente, ouvem-se os primeiros tiros, matraquear de metralhadoras portáteis, explosões de granadas e morteiros. Com seu binóculo infravermelho Cary consegue observar as manobras que acontecem na escuridão. Tenho de obter o máximo possível. As informações que obtiver aqui serão de fundamental importância para o desenrolar das operações militares. Avança por sua conta e risco, chegando próximo dos guerrilheiros. Balas zunem por todos os lados. Acrescente-se a isso as minas, deixadas pelos soldados leais a Saddam Hussein.

Ibrahim vê com desgosto o avançar de seu protegido. Não quer perdê-lo de vista, ao mesmo tempo em que teme o fragor do entrevero. Não quer se arriscar na zona de combate. Esse cão infiel vai se arrebentar. Ao mesmo tempo, vê com tristeza a possibilidade de o jornalista ser atingido por uma granada, uma mina ou morteiro. Por Alá, vou livrar esse homem de seu fardo. Sem posterior cogitação, Ibrahim ergue o fuzil, apóia a coronha no ombro e atira. Atinge o espião pelas costas, num balaço que atravessa o corpo à altura do coração. Com uma agilidade inaudita, o jovem curdo aproxima-se do corpo. O jornalista caiu de costas e permanece imóvel, olhando para o profundo céu sem nada ver e o filete de sangue a escorrer da boca. Ibrahim pega a maleta com o laptop e a câmara digital e arranca das mãos o binóculo. Volta correndo em direção à retaguarda.

Tikrit será o último baluarte da guerra do Iraque. Cidade dita tribal de Saddam Hussein, que ali nasceu e onde estão os seus parentes, amigos e seguidores mais leais. Jerry Kern (codinome JAK) rememora tudo o que lhe fora informado previamente. A sua infiltração não constituíra problema. Durante dois dias percorre o local, habilmente disfarçado. Colhe dados sobre a posição dos últimos defensores do ditador. Memoriza mapas e locais dos principais bunkers fortemente armados, preparados para a resistência final.

Entretanto, não está satisfeito com o que conseguiu ver. Shit! Onde estão os depósitos de armas químicas? E Saddam , onde se esconde? Se não está em Bagdá, deve estar em algum lugar, por aqui, nesta cidade. Mas não consigo nenhuma pista, nem dele nem de sua família ou seus ajudantes mais diretos. O homem parece que desapareceu!

Não satisfeito com suas poucas informações, JAK não descansa, não dorme, não pára um só momento. Mas, após 48 horas, já sabe tudo sobre o local. Tá na hora de dar o fora. Esgueira-se pelas vielas que o levam ao deserto. Segue na direção a nordeste de Tikrit, por um caminho usado há séculos por caravanas, na verdade um desfiladeiro que leva a um oásis. Caminhando com atenção, se dá conta do silêncio e da calma do local. Nem parece estar transitando por uma região em conflito. Em apenas meia hora chega ao oásis. Descansa sob as tamareiras carregadas de frutos. Não encontra viva-alma. Nem animais, pássaros ou insetos. Um ermo total. Se não tiver contratempos, logo entrarei em território dos curdos. Ali já tem tropas americanas e posso enviar as informações ao Chefe.

O sol é inclemente. Jerry (ou JAK) prossegue na sua caminhada, protegido pelo amplo albornoz, que o protege do calor intenso. Um árabe solitário numa terra abandonada por Alá. Algumas horas após, vê no horizonte poeira e fumaça. Sinal de que está próximo de seu destino. Agora, todo cuidado é pouco. Tenho de passar pelas linhas dos iraquis e dos curdos. Faz um longo desvio mais para o norte, até encontrar uma região de relativa paz. Seguindo agora entre dunas de areia e por pequenos desfiladeiros, evita as tropas em choque. Já pode ver o perfil das torres de petróleo e do casario de Kirkuk. Arrefece a marcha, pois pretende entrar no território dominado pelos curdos à noite, protegido pela escuridão.

Ao abater o “jornalista italiano”, Ibrahim sabe estar traindo a confiança do chefe. Mesmo tendo ocorrido durante o encontro entre os guerrilheiros curdos e os soldados de Saddam, mais cedo ou mais tarde o assassinato será descoberto. Ibrahim sabe como o Chefe Ashman Abdul é implacável. Portanto, o mais importante agora é esconder-se. E fugir. Para o norte. Sempre para o norte, para longe da frente da batalha.

Numa das mãos, carrega o fuzil, na outra a maleta negra com o laptop. No pescoço traz dependurado o binóculo especial, com o qual pode observar as figuras até na escuridão da noite. Ibrahim é inteligente, aprende com rapidez como manipular o grande “olho de falcão”, como chama ao binóculo.

Durante todo o dia caminha furtivamente por entre as dunas. Ao anoitecer, está nos limites do campo de petróleo. Por entre a dunas, observa os arredores, com seu binóculo. Vê à distância a cidade. Mais a leste, fumaça e poeira: é o local onde guerrilheiro e soldados ainda lutam em suas posições. Olha para o oeste, para o deserto amplo que se estende sob a luz das estrelas. Detém-se em um ponto que revela presença humana, só visível através das lentes infrared. É um árabe que se aproxima. Maldito cão! Deve ser um espião árabe.

JAK observa o horizonte que se estende à sua frente, usando o binóculo potente. Localiza uma figura que, como ele, vasculha os arredores. Acostumado ao uso e aos recursos do potente binóculo, consegue ver algo que o surpreende: um homem que usa também um binóculo, e carregando uma maleta exatamente como a sua. É Jerry! Reconheço o binóculo e a maleta. Que fantástica coincidência! Acena para o amigo. Não obtém resposta. Na certa não está me reconhecendo. Mas tenho certeza de que é ele. Esquecendo por um instante toda a precaução aprendida em anos de treinamento intensivo, corre na direção do amigo. Sem o binóculo, não vê que o homem lhe aponta o poderoso fuzil, dotado de mira telescópica e visor de raios infravermelhos. Vê, tardiamente, o clarão do disparo cujo projétil o atinge mortalmente na cabeça.

O helicóptero Negro, especial para missões noturnas, deixou Frank Osterman (codinome: FOX) no deserto em um ponto a oeste de Bagdá. Graças à sua compleição, suas vestimentas e maneiras de andar e agir, adentra-se com facilidade na misteriosa e extensa cidade. Sem mais tardança, consegue ajustar os serviços de um velho iraquiano e seu desgastado veículo, uma camioneta caindo aos pedaços. Dizendo-se jornalista (a cidade está cheia de correspondentes estrangeiros), segue com o velho para os pontos mais importantes da cidade. Dotado de um extraordinário poder de observação, FOX examina (e fotografa) tudo o que pode.

Visitou diversos bairros não atingidos por bombas americanas e obteve relatos de muitos moradores que viram cadáveres de sósias de Saddam Hussein. Se contar todos os depoimentos sobre o ditador morto, mais de cinqüenta sósias foram eliminados. É difícil de acreditar que o cruel dirigente tenha sido eliminado de maneira tão prosaica, pensa Frank.

Consegue excelentes informações sobre a posição das tropas leais a Saddam no aeroporto e dentro da cidade. Não são muitos, e estão armados com rifles e fuzis de pequeno alcance. Só viu uma unidade de cinco homens em trajes não militares usando uma bazuca. Esses não vão dar muito trabalho aos nossos soldados..

De posse das informações que julga suficientes, FOX (ou Frank) ordena ao motorista :

— Hotel Palestina.

— Está entardecendo, o sol mergulhando nas areias do deserto como gigantesca bola de fogo. Ainda tenho algum tempo para transmitir as informações antes que comece o ataque noturno.

Faz o rápido registro de entrada no hotel. No saguão há uma movimentação intensa de jornalistas, fotógrafos, homens da TV e dos principais jornais do mundo. Ele se torna apenas mais um dos profissionais da mídia que transitam pelo hotel, uma ilha de segurança no meio da cidade bombardeada intensivamente (e cegamente) nas noites anteriores.

As acomodações do grande hotel estão sendo intensivamente aproveitadas. Luxuosos apartamentos foram divididos em pequenos quartos para atender à demanda, pois é o único lugar que não foi bombardeado: tanto as forças americanas quanto a ONU sabem que ali é o QG dos correspondentes estrangeiros na capital em decadência.

No seu quarto, um cubículo estreito e com uma janela para o norte, no último andar do edifício, FOX/Frank se estabelece. Retira as roupas suadas e empoeiradas, as fortes botinas de sola emborrachadas, próprias para andar no deserto, ficando apenas de cuecas e camiseta. O calor é tão intenso que mesmo despojado das pesadas roupas, ele transpira muito, talvez um pouco nervoso, ao manipular seu aparelho transmissor. Já é noite. Acende a luz. Ao sentar-se sobre a cama, ouve o silvo agudo de bombas que se aproximam e, em seguida, o barulho surdo das explosões. Estão cada vez mais ...

Seu pensamento é interrompido pela explosão de um míssil no topo do edifício. As paredes arrebentam-se, poeira, caliça e pedaços de materiais voam por todo o espaço do quarto. O corpo do agente secreto é lançado através da janela aberta e despenca de uma altura de mais de cinqüenta metros, estatelando-se no piso de cimento da calçada.

William Bolt recebe uma convocação para comparecer à Casa Branca. Diferente das convocações anteriores, esta não veio acompanhada da pauta do assunto a ser tratado na reunião. Preocupa-se com a perda de quatro de seus melhores espiões na guerra suja do Iraque. Não obstante a falta de informações prévias, a guerra teve seu curso e, com maior ou menor dificuldade, as tropas tomaram o país. Bagdá foi bombardeada à exaustão, antes da entrada dos tanques americanos.A conquista de Tikrit contou com uma pequena resistência dos últimos soldados e oficiais leais a Saddam Hussein. O ditador e sua família nunca foram encontrados. Quando as tropas iniciaram a “Operação Limpeza” pelo norte do Iraque, à procura de focos de resistência, nada encontraram. Inúteis foram, também, os esforços para localizarem fábricas ou depósitos de “armas de destruição em massa”. Agora, é comunicar às famílias dos quatro os desaparecimentos em ação. Coisas de rotina, burocracia, pensa.

Ao chegar à Casa Branca, é conduzido diretamente à sala de despachos do Presidente. A esplendorosa manhã de maio não consegue iluminar o semblante de nenhum dos homens ali presentes. Na sala já estão o Presidente, o Secretário de Segurança Interna, e Joseph Bradworth, chefe do FBI. Levantando-se, o Presidente oferece a mão a Bill, num cumprimento aparentemente cordial, ao mesmo tempo em que vai diretamente ao assunto:

— Mr. Bolt, apresento-lhe Mr. Bradworth. Até poucos momentos atrás, foi o diretor do FBI. A partir deste instante, é o novo diretor da CIA.

Antonio Roque Gobbo –

Belo Horizonte, 30.ABRIL. 2003.

Conto # 216 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 12/05/2014
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