293-TARZAN E O ELIXIR DA JUVENTUDE

Quase um século já se havia passado desde que o infortúnio lançara John Clayton e sua esposa Alice nas costas selvagens da misteriosa África. A luta dramática pela sobrevivência numa cabana de madeira construída pelo decidido Lorde Greystoke está bem documentada pelo diário deixado pelo próprio pai de Tarzan e pelo relato minucioso do biografo do legendário homem-macaco.

Às aventuras do prodigioso Filho das Selvas sucedeu-se o estabelecimento de uma imensa fazenda nas terras dos leais Waziris. Este formidável domicílio semi-selvagem de Tarzan e sua família foi, por sua vez, transformados num grande parque ecológico, protegido pelos negros da tribo que lhe jurara fidelidade para sempre. Aberto à visitação pública, recebia centenas de turistas, aos quais o próprio Tarzan proporcionava atenção especial

Era difícil aos que chegavam às terras e à casa do Senhor das Selvas compreenderem como ele se mantinha com o vigor, a alegria e a disposição de um homem que aparentava ter não mais de quarenta anos. Muitos achavam que a presença do gigante branco, de pele trigueira, era mais um atrativo proporcionado pelo parque ecológico.

— Não acredito que este seja o mesmo Tarzan que nasceu há quase cem anos. — Comentava para o amigo o repórter Jean Roulien. — Deve ser o filho dele.

A vida do grande herói e aventureiro se tornava cada lendária. O próprio Tarzan contribuía para que o mistério fosse mantido em segredo. . Aliás, não apenas Tarzan conservava a mesma figura de sessenta anos atrás. Jane, a espôsa, o filho Jack e Miriam, a mulher deste, constituíam uma família que não envelhecia nunca. Assim, a história heróica do bebê que fora criado na selva entre um bando de orangotangos, era acrescida do mistério da perene juventude do clã de Tarzan.

— Penso que é o mesmo Tarzan. — Respondia o fotógrafo Franco Martini — Mas que aí tem um grande mistério, sem dúvida que tem. Para descobrir isto é que estamos aqui, não é?

Os dois emissários da Mundial Rede TV eram aventureiros sedentos de notícias que colocavam os resultados de suas intrépidas viagens no formato de notáveis reportagens cobiçadas pela mídia mundial. Jean Roulien era repórter de conhecimentos vastos acerca do continente africano. Arqueólogo, suas descobertas, pesquisas e relatórios científicos estavam à disposição de quantos se interessassem pelos mistérios da África, que, ainda no final do Século XX, teimava em manter segredos insondáveis — os últimos desafios aos aventureiros da época. .

Quanto ao fotógrafo Franco Martini, era o parceiro apropriado a Roulien. De espírito alerta, era bom ouvinte e sabia colocar questões que se tornavam novos desafios ao repórter-arqueólogo. Sabia escolher o ângulo certo, a luz apropriada, o momento exato de cada fotografia, a exposição melhor para cada filme. Enfim, era um dos melhores fotógrafos, senão o melhor, de seu tempo.

Se Roulien escondia atrás de uma falsa discrição, a perspicácia de um bom questionador, Martini era, como todo bom napolitano, espontâneo, alegre e espalhava seu charme mediterrâneo por onde passava. Com as mulheres era elegantemente sedutor. Ao mesmo tempo em que, por ser bom ouvinte, inspirava confiança e eram depositários de segredos e confidências, nem todas reveladas ao amigo Jean.

Juntos trabalhavam há muitos anos e agora ali estavam, no coração da África, a fim de tirar a limpo o mistério que envolvia a eterna juventude de Tarzan e sua família.

— Amanhã vou para a região dos Bantusis. — Tarzan comunicou à sua família, na véspera de sua partida. — Vou verificar a denúncia de represamento do Rio Runumuni. Os jornalistas vão me acompanhar.

— Nosso estoque do elixir está quase no fim. — avisa Miriam. — Seria uma boa oportunidade para a coleta de ervas no vale de Minuni.

— Não vamos misturar as coisas. Iremos em expedições separadas. Eu vou com os jornalistas curiosos e vocês dois seguem para o Vale dos homens-formigas. Assim, enquanto vocês coletam as ervas, mantenho os jornalistas ocupados com outras coisas. — Tarzan recomendou a Jack e Miriam.

No dia seguinte, Tarzan parte cedo em uma expedição motorizada. Ele e os jornalistas seguem num caminhão apropriado para os mais difíceis desempenhos na savana, nas florestas, no montes e pantanais da África.

Enquanto o pesado veículo atravessa a savana africana, Tarzan se lembra de como foi feito prisioneiro dos minúsculos habitantes do Vale de Minuni. Foi quando recebeu, como cobaia de Zoan-Thro-Hago — um misto de alquimista, mago e cientista — a primeira dose da poção que reduzira seu tamanho. Jamais poderá se esquecer das peripécias pelas quais passara nas cidades dos homens-formigas. A beberagem era produto das pesquisas do mago a fim de obter algo que aumentasse as estaturas dos guerreiros de Throana. Assim, venceriam facilmente os Veltopis, seus oponentes, com os quais viviam em constante disputa pelo domínio do Vale de Minuni.

O alquimista não conseguira o desiderato. Ao contrário, chegou a uma bebida que reduzia os seres — homens ou animais — quando a ingeriam. Tarzan tinha sido a primeira (e única) cobaia humana do mago Zoan. Como efeito colateral, a poção proporcionava a mais desejada procura dos cientistas do mundo, em todos os tempos: aumentava consideravelmente a duração do tempo de vida dos seres que a tomavam. E, após voltar à estatura normal e ao se despedir dos seus minúsculos amigos, os homens-formigas do secretíssimo Vale de Minuni, levou consigo um frasco contendo o extrato da bebida, bem como a indicação de quais as plantas e minerais e em que quantidades, deveriam ser usadas para a confecção do soro que diminuía de tamanho e alongava a existência.

Tarzan sentiu em si mesmo os efeitos da fórmula do cientista e mago Zoan, depois de voltar à estatura normal. Entregou-a à jovem cientista Miriam que, manipulando as quantidades das as ervas e dos minerais que a compunham, desassociou da fórmula original os efeitos do retardamento do envelhecimento, produzindo uma nova poção: o elixir da perene juventude.

O segredo dessa descoberta só era conhecido de Miriam, Tarzan, sua mulher Jane, e de Jack. Nem mesmo os dois netinhos de Tarzan sabiam, pois ainda não se tornara necessário ministrar o elixir às crianças. Sob orientação e controle de Miriam, todos os adultos da família de Tarzan tomavam periodicamente doses do elixir, cujo resultado só eles sabiam.

Quando pela primeira tomou o elixir, Tarzan tinha cerca de quarenta anos. Agora, ao chegar perto do centenário, mantinha a mesma aparência, agilidade, prazer de viver e uma energia de fazer inveja aos homens de trinta anos da atualidade. Jane era a mesma jovem que Tarzan trouxera da América para viver na África: o viço se revelava no rosto claro, no olhar vivo, os cabelos loiríssimos e a pele muito clara, sem nenhum sinal de envelhecimento. Jack ou Korak, o filho de Tarzan, e sua esposa Miriam, que usavam o soro desde que se casaram, aos vinte e poucos anos, eram os eternos jovens, e conviviam com os pais num clima de eterna juventude.

Miriam era filha de um nobre francês, que também padecera horrores em poder de Achmet Zeik, por quem havia sido raptada, estudara nos melhores colégios da Europa e se formara em medicina e bióloga por duas famosas universidades. Era a competente cientista que manipulava as ervas misteriosas e guardiã do segredo do elixir da eterna juventude.

O tempo corria mas Tarzan só sentia seus efeitos através da melhor compreensão do mundo, de seus semelhantes, de harmonia cada vez maior entre ele e as pessoas que estavam ao seu redor, os animais e a selva. A sabedoria de vida se manifestava com mais intensidade à medida que o Homem-Macaco amadurecia com o passar dos anos

Era este mistério o objeto velado da visita dos emissários da emissora de televisão.

Algumas horas após partida de Tarzan e os jornalistas, Jack e Miriam deixaram o amplo bangalô da família e seguiram, a pé e com mochilas nas costas, na mesma direção tomada pelo caminhão. Que os visse caminhando tranqüilamente, os chapéus de cortiça protegendo-os do sol inclemente, conversando animadamente, jamais imaginaria o destino secreto de sua caminhada.

Assim que se adentraram na selva. Jack propôs:

— Vamos pelas copas das árvores. Assim chegaremos mais rápido.

— E recordaremos um pouco quando vivemos na selva. — E moça concordou.

Céleres, subiram, pelas lianas e cipós até o alto de uma gigantesca árvore, cuja galhada se imiscuía às de outras árvores, constituindo, a partir dali, uma floresta exuberante. Roçaram as pesadas botas por flexíveis sandálias, apropriadas para o trajeto por sobre os galhos e troncos. Esquecendo-se os requintes da vida civilizada, o casal ia pelas copas das árvores qual dois antropóides, pulando com agilidade e trocando álacres gritos de puro prazer pela liberdade.

Cruzaram com um bando de micos. Nikma e seus amigos estranharam a passagem dos dois, mas atendendo a um chamado e Miriam, na língua dos grandes antropóides, passaram a acompanhá-los. Passaram horas de lazer, enquanto avançavam rumo ao vale de Minuni. Chegaram a uma clareira, onde o rio formava um poço de águas cristalinas, bebedouro natural dos animais da região. Numa estava bebendo e levantou a cabeça, exibindo esplendorosa juba.

— Vamos esperar que Numa se afaste. — Miriam sugeriu. Saciado, op leão voltou-se em passos majestosos para a floresta. Miriam e Korak desceram e, por sua vez, se dessedentaram.

Ao anoitecer, chegaram à vizinhança da impenetrável floresta de cactos e plantas espinhentas que cercam o Vale de Minuni.

— Vamos dormir. Amanhã cedo procuraremos a passagem para o vale.

Dormiram sob o murmúrio do rio Runumani, que, represados muitos quilômetros abaixo, constituía um formidável lago cujas águas chegavam aos pés das árvores, onde batiam em suave e constante chape-chape.

A secreta passagem para o Vale dos Minunis, só conhecida de Tarzan, Korak e Miriam, estava a cerca de oito quilômetros do local onde pernoitou o casal. Logo de manhã, foram acordados pelos barulhos da mata: pios das aves madrugadoras, latidos, miados e urros de um a infinidade de animais que saiam, logo de manhã, em busca de alimento.

Miriam extasiava-se toda vez que assistia a tais espetáculos da natureza. No percurso pela mata, à procura da entrada para o vale, encontraram frutas, com as quais saciaram a fome. Cruzaram com Tantor, o elefante, que se fazia acompanhar de uma formidável manada de sete fêmeas e diversas crias. Assustaram Sheeta, a pantera, que fugiu das gaiatas provocações de Korak. Ao sentir o cheiro de um bando de orangotangos, desviaram sabiamente do local onde os antigos amigos selvagens estavam à procura de alimento, ou coçando-se uns aos outros.

— Vamos deixá-los sossegados. — Disse Korak. — Eles andam muito ariscos, ultimamente. Não convém intrometer na vida deles.

O percurso foi feito rapidamente. Os sinais da passagem secreta foram detectados por Mirim:

— Veja, lá estão as pedras brancas da Montanha da Lua. Ali embaixo fica a estreita caverna que desemboca do outro lado, no vale.

Penetraram agachados na caverna. A boca da caverna teria uns cinqüenta centímetros de altura, se tanto. O buraco afunilava-se e a dupla de exploradores teve de se arrastar pelo chão. Em determinado ponto, tiveram de retirar as mochilas, atadas ao corpo, e passa-las à frente, pois o braço era suficiente apenas para a passagem dos corpos, que se raspavam pelas paredes.

Korak ia à frente, iluminando o percurso com uma lanterna.O chão era de areia, o que de certa forma, facilitava um pouco o arrasto dos dois. Uns quarenta metros à frente, avistaram um tênue foco de luz, indicando o término da estreita caverna.

— Arre! Já estava sentindo falta de ar. — Exclamou Miriam, quando saíram do outro lado.

A caverna desembocava sobre um patamar rochoso, situado a mais ou menos duzentos metros de altura, destacando-se no íngreme paredão. O panorama que descortinava era a insondável floresta dos espinheiros, entremeada por áreas cobertas com cactos. Uma vegetação típica de terrenos áridos, que constituíam o Vale dos Minunis. Toda a região era cercada por alta muralha circular. Evidentemente, a região era uma cratera de vulcão extinto. Pela banda do oeste, algumas formações semi-hemisféricas, de coloração alaranjada, denunciavam a região dos Trohannadalmakus. Para o leste, confundindo-se com a bruma da manhã, outras tantas meias-laranjas indicavam o local habitado pelo Veltopismakusians. Era a região dos homens-formigas, estranhos seres de ínfima estatura e entre os quais Tarzan vivera uma de suas mais perigosas aventuras.

Pelo lado esquerdo do patamar sobranceiro descia uma estreita trilha cavada na encosta da montanha. Um estreito caminho, que permitia a passagem de apenas uma pessoa.

— Vamos usar as cordas, por precaução. — Recomendou Korak. — Um pequeno escorregão nesta descida será fatal.

As técnicas de alpinismo não eram desconhecidas do jovem casal. Assim, em poucos minutos, desceram até a falda da montanha.

A trilha a seguir iniciava dali e entrava pela misteriosa floresta.

— É uma floresta impraticável. Vamos usar os facões para poder passar e atingir o vale. — Korak ia à frente, antecipando as palavras e cortando decididamente as lianas de espinhos e tecidas em cortinas intrincáveis. Em pouco mais de meia hora, atravessaram o paredão cactos e espinhos e chegaram a um vale úmido, verdejante e pululante de arbustos de porte médio.

— Eis as plantas que procuramos. — Miriam adiantou-se, ansiosa por recolher as folhas, frutos, brotos e raízes das ervas necessárias à produção do “elixir”. Korak a acompanhou, pois ele também sabia do que precisavam. Vendo-os animados e andando de planta em planta, recolhendo em suas enormes bolsas o que precisavam, mais pareciam um casal de estudantes na sua primeira pesquisa de campo.

Ela emitia gritinhos de contentamento e satisfação. Ele, além de colher, olhava atendo os arredores, não fosse aparecer alguma fera, o que era altamente improvável, pois o vale era uma região vedada não só pelos paredões íngremes da cratera como pela impossibilidade de passagem pela Floresta dos Espinhos.

O sol atingia o zênite quando os dois aventureiros deram por encerrada a coleta.

— Estou morrendo de sede. — Miriam disse. — Vamos descansar à beira daquele laguinho.

Alem de se dessedentarem, comeram do farnel que traziam e descansaram. Um idílico momento do dia, sob as sombras das pequenas árvores e palmeiras minúsculas.

O caminho da volta foi rápido. O anoitecer os encontrou no mesmo local onde haviam pernoitado na noite anterior. Enquanto se preparavam para pernoitar em abrigos estendidos sobre os grossos galhos de gigantesco patriarca florestal, ouviram um ribombar distante.

— Que será isso? — Miriam falou mais para si mesma.

— Uma explosão considerável. Foi para a região da represa do rio Runumani. Talvez seja alguma dinamitação na mina de diamantes clandestina.

De novo dormiram sob o som suave da água do grande lago do rio Runumani — chape-chape....chape-chape...

Uma surpresa os aguardava quando acordaram, bem de manhã.

— Korak, a água do lago diminuiu. Veja! Está lá embaixo. — Intrigada, Miriam apontava para o rio que corria cerca de 20 metros abaixo, no seu leito natural. — Onde está o lago?

— Alguma coisa aconteceu. Aquela explosão.... — Korak raciocinava em voz alta. — A represa foi destruída!

— E o rio voltou ao seu leito normal. — Concluiu Miriam.

Chegaram ao bangalô ao entardecer do terceiro dia de sua expedição. Tarzan não havia voltado de sua missão e Jane estava apreensiva, pois também ouvira a grande explosão. Ela, o filho e Miriam só se tranqüilizaram quando viram o caminhão atravessando a savana, na direção do bangalô.

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O reencontro foi alegre e festivo. Tarzan ficou satisfeito em ver Miriam e Korak, com os quais trocou olhares significativos. Os repórteres estavam cansados e se recolheram para um repouso antes do jantar.

O bangalô mais parecia uma jóia, iluminada com luzes elétricas, no centro da vasta savana. Os aventureiros, após a refeição, sentaram-se sob o amplo alpendre e comentavam suas peripécias. Tarzan relatou de modo sucinto o acontecido com a represa, porém Martini e Roulien estavam pródigos em relatar os detalhes da ação da qual participaram e que resultara na destruição da represa e do acampamento clandestino de mineradores.

Miriam e Korak ouviam silenciosos. Jane perguntava detalhes.

Quando os dois convidados se recolheram, Jane e Korak relataram a Tarzan o resultado de sua breve e idílica expedição.

— Foi mais um passeio que fizemos nas terras dos homens formigas.

— E como vocês foram e voltaram enquanto os jornalistas estavam comigo, jamais saberão do segredo do nosso elixir da juventude. — Concluiu Tarzan, abraçando Jane e levando-a para seus aposentos.

— Tenham bons sonhos! — falou Jack, enlaçando Miriam, que comentou com o marido:

— Eles parecem recém-casados. Periga você ter um irmãozinho temporão!

ANTONIO GOBBO –

BELO HORIZONTE, 2 DE AGOSTO DE 2004-

CONTO # 293 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 12/07/2014
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