312-O PENTAGRAMA DE ARGOS-Viagem no tempo

— Hei, vovô, que velharia é esta aqui? Estes papéis estão se desmanchando, de tão antigos. — Raquel vasculhava um baú, pretendo organizar a confusão do escritório do professor César.

O homem desvia sua atenção da leitura. Olhando por cima dos óculos, com vagar e não mostrando interesse, responde à mocinha irrequieta:

— Não são papéis, não, Raquel. Isso aí são pergaminhos. Cuidado, porque são muito frágeis.

Imediatamente, ela passa a tratar os documentos com respeito, quase devoção.

— Pergaminhos? Mas, então são muito antigos? E devem valer muito.

— Antigos, são. Foram escritos há mais de 2.700 anos atrás. Mas não têm muito valor, não, pois são simples desenhos de estrelas. Além de estarem muito estragados, queimados nas extremidades, rasgados e cortados.

— Mas, vovô, devem ter alguma mensagem, algum significado.

— Já tentei decifrar, mas nada entendi. Aliás, já foi estudado por diversos arqueólogos, filólogos e cientistas.

— Posso examinar?

— Claro, Raquel. Mas com carinho.

A mocinha retira do baú o pergaminho maior e o estende sobre a escrivaninha, arredando papeis, lápis, livros e outras miudezas espalhadas no tampo do móvel. É um documento estragado pelo tempo e por manuseios descuidados. Está parcialmente destruído, restando talvez dois terços do que teria sido originalmente.

— É uma estrela. Faltam duas pontas, mas, sem dúvida, é uma estrela de cinco pontas.

— É, sim, uma estrela pentagonal. Aqui só vemos três pontas.

— E estes símbolos? Em cada ponta tem um. Que significam?

— São letras do antigo alfabeto grego. As que vemos aí nas pontas correspondem às letras A, R e G. Provavelmente, compõem uma palavra de cinco letras.

Indicando com o dedo, o professor mostra detalhes do desenho.

— Observe, Raquel, que as pontas são unidas por uma linha que cerca todo o desenho. Forma um pentágono. Eu batizei este documento de Pentagrama de Argos.

— Argos? Que significa?

— É o local foi encontrado. Fica no Peloponeso, região ocidental da Grécia.

Raquel é uma jovem de 16 anos. Irrequieta e curiosa. Magra e alta, esguia e elegante, tem os cabelos compridos amarrados num “rabo-de-cavalo” que balança sempre e não para nunca. Olhos negros, tez morena. Curiosa, está constantemente perguntando, procurando, querendo saber do lado desconhecido e do misterioso das coisas. Vasculhando o baú do avô e descobrindo objetos tão estranhos, procura descobrir os segredos do arqueólogo.

— E no interior do desenho, da estrela, existem mais símbolos. Ou palavras, pois estão juntos. — Raquel se detém no exame do pergaminho semi-destruído.

— Apesar de estarem quase ilegíveis, são palavras, sim. Escritas em grego antigo.

— E o que significam?

— Esta aqui, no topo da estrela, significa espírito. Esta na ponta esquerda quer dizer mente. Esta, abaixo, é uma palavra só cujo significado é corpo físico.

— Mas, então, há uma mensagem nesse desenho. Onde é que o senhor obteve este pergaminho, vovô?

— Um dia, lhe contarei. — Com esta resposta reticente, que deixou Raquel mais curiosa ainda, o professor César voltou à sua leitura, encerrando, de sua parte, as explicações sobre o antiqüíssimo fragmento do pergaminho.

Aparentando desinteresse e discrição, o Professor César Amador Dias, arqueólogo, pesquisador, ex-catedrático universitário em História Mediterrânea, não desejava revelar à neta o mistério que envolvia o pergaminho e como viera ter às suas mãos. Lembra-se com detalhes do estranho encontro com um velho pastor grego, na região do Peloponeso, quem lhe revelou o local onde estaria não só este mas inúmeros outros pergaminhos, todos muito antigos.

Na ocasião, há mais de vinte anos, liderava um grupo de arqueólogos e pesquisadores, que percorriam a região da península que hoje se chama Morea, mais conhecida como Peloponeso. Situada ao sul da Grécia, é uma das regiões de grande interesse histórico. Ali se encontram Arcádia, Maratonia, Argos, Esparta, Olímpia, Corinto, regiões e cidades ricas em tradições e história, cujas raízes penetram na mitologia grega.

Na tarde quente, enquanto descansava à sobra de um dossel de parreiras, notou a aproximação de um velho, judiado pelo tempo, certamente habitante local, que lhe falou respeitosamente no linguajar próprio da região.

— Conheço uma gruta oculta e misteriosa que tem coisas que podem lhe interessar.

Ante a aparente incredulidade do professor, o velho continuou na sua proposta:

— Meu nome é Nicácio e sou pastor de ovelhas. Conheço todos os montes e planícies desta região. Não sou louco nem caduco, como costumam me chamar. Só quero lhe mostrar uns vasos antigos.

César olhou por sobre o velho, na direção do oeste. Estava na região de Argos, e para além da planície podia ver as colinas e morros que correm de norte a sul da península. Não acreditava no velho, que, sim, parecia caducar. Mas deu trela à conversa.

— Como é que ninguém descobriu esses vasos antes?

— O lugar é escondido e misterioso. Muitos exploradores já foram lá, mas na hora de entrar na caverna, têm medo.

— Medo do que?

— Sei lá. Eu mesmo já senti uma coisa estranha quando entrei até o fundo da caverna. Um torvelinho ou redemoinho, sugando para baixo. Mas nada sofri. Sei que os vasos podem interessá-lo.

— Bem, vou combinar com meus amigos e...

— Não, estou falando com o senhor. Só o senhor e eu podemos entrar na gruta. Se for mais gente, tenho certeza de que eles o farão desistir da idéia.

O professor achou esquisito, a princípio; mas a seguir encarou a coisa mais como uma aventura do que uma pesquisa. Combinou com Nicácio a ida à caverna misteriosa na manhã seguinte. Apenas os dois.

A noite, para Raquel, foi cheia de estranhos sonhos. Ou porque se impressionara demais com o pergaminho do avô, ou porque procurara na Internet informações sobre estrelas e pentágonos, o certo é que seus sonhos, muito estranhos, giraram todos em torno do mistério que envolvia o documento do avô.

Entre as muitas coisas estranhas, Raquel visualizou num céu noturno, a estrela completa, em cujas pontas as letras formavam uma seqüência que poderiam ser SOGRA, se lidas na direção da direita para a esquerda, como ARGOS, se lidas em direção contrária. A estrela, maior do que a lua, brilhava contra o fundo de miríades de outras estrelas. Movimentava-se de norte para o sul, serenamente, como um cometa em câmara lenta. De repente, se viu numa espécie de olaria onde peças de cerâmica eram feitas, bem como tijolos e placas semelhantes a telhas. Além de esculturas artísticas, como pequenos cavalos, cabras e carneiros, estátuas minúsculas de deuses e animais mitológicos. Uma peça estendida ao chão, posta para secar antes de ser cozida no forno chamou sua atenção: um pentágono dentro do qual a estrela de cinco pontas reproduzia aquela desenhada no pergaminho do avô. Súbito, homens armados surgiram de todos os lados. Eram guerreiros, empenhados em uma batalha. Ferozes e destruidores, arrasavam a cidade. Raquel correu para se esconder numa espécie de igreja ou templo, que começou a ruir. Um violento vendaval varreu a terra e a areia, trazidas pelo vento, foi cobrindo tudo. Antes que ela se afogasse na areia fina, o pesadelo se desvaneceu no tempo e no espaço.

Ao se encontrar com Ronaldo, na manhã seguinte, ainda impressionada com o pesadelo, Raquel falou-lhe sobre o pergaminho do avô, da pesquisa que fizera na internet até de madrugada e, claro, do sonho.

— Estou certa de que significa muito mais do que um simples desenho. — Raquel estava obcecada pelo assunto. — Tem um significado, sim, e quando o desenho for completado, mostrará uma mensagem muito importante.

— Mensagem? Mas que tipo de mensagem poderia ser?

— Sei lá. Lá estão algumas palavras que, vovô me disse, significam espírito, mente e corpo físico. Acho que alguma coisa esotérica. Você sabe, os gregos em geral eram muito ligados à filosofia.

— Se quiser, posso ajudá-la.

Raquel olhou seriamente para Ronaldo. Sendo seu colega de classe, ela não lhe dedicava muita atenção. Mas sabia que ele arrastava a asa para ela. Não lhe incomodavam as gentilezas que ele lhe fazia. Ele gosta de mim. E é bom desenhista. Acho que pode me ajudar, sim. — a mocinha pensou.

— Está bem, vamos pedir ao vovô que nos deixe examinar o pergaminho, que ele chama de Pentágono de Argos.

O professor César e Nicácio, o pastor, saíram bem cedo. O professor avisou à sua equipe que não estaria no local das escavações naquele dia, não revelando como ocuparia seu tempo.

Apesar de idoso, o pastor é vigoroso e caminha com passos curtos mas rápidos, ajudado por um cajado. O professor César, com seus cinqüenta anos e acostumado à vida ao ar livre, tem de manter um passo cadenciado e esperto, a fim de acompanhá-lo. Andam lado a lado na trilha larga da planície e quando começam a subir a colina, a trilha se estreita e o velho toma a dianteira.

Nicácio pára em uma elevação. Já subiram mais de cem metros e dali se descortina uma visão da planície lá em baixo. Aponta para um paredão meio a pique, coberto de vegetação rala e arbustos enfezados.

— Vamos subir até aquele grupo de arbustos lá em cima. Eles escondem a boca da caverna.

Não foi uma subida fácil. Ambos transpiravam e tinham a respiração curta, devido ao esforço. Nicácio, na frente, foi separando os galhos das pequenas árvores, e sumiu por trás dos ramos. César o seguiu, e ambos se viram dentro de uma caverna, escura já desde o começo, pois a claridade era obliterada pela ramagem.

— Vamos! Não há perigo, o solo é plano. — Nicácio tomou a dianteira.

César, precavido, trazia uma lanterna, que acendeu e iluminou a gruta. Abobadada, parecia ter sido escavada. Talvez tenha sido um a mina, pensou. Como que respondendo à sua muda pergunta, Nicácio informou:

— E uma antiga mina de cobre. Há muitos anos ninguém entra aqui.

Adentraram-se uns duzentos passos (contado pelo professor, acostumado a essas situações) quando a claridade da lanterna diminuiu de intensidade. Diretamente à frente, uma névoa absorvia a luz. Na penumbra, o professor percebeu que a névoa se movimentava, aparentemente em movimento circular.

— Não tenha medo. É um redemoinho. Vamos atravessá-lo rapidamente.

Assim dizendo, Nicácio pulou dentro da névoa. César pretendia pular também, mas a curiosidade o levou a caminhar em passos firmes, de encontro à nevoa. Ao sentir a friagem da névoa, percebeu que estava num vórtice, um turbilhão muito mais forte do que um simples redemoinho. Uma força intensa o puxava para baixo, como se existisse um buraco no chão.

— Venha! — gritou Nicácio, ao mesmo tempo que lhe estendia o cajado.

Sentindo-se tonto e enjoado, César agarra com força no cajado, e é arrastado para fora do torvelinho.

— Por Zeus! Que força estranha é essa?

— Os sacerdotes de Argos dizem que é um lugar maldito, que deve ser evitado. Que leva as pessoas diretamente para Hades.

O professor sente eriçarem-se seus cabelos da nuca. A referência ao inferno da mitologia grega, naquele ambiente carregado de estranha energia, o incomoda.

Andam um longo trecho, que o professor calcula em 500 metros, pois contou setecentos passos. A gruta se alarga. A luz da lanterna não encontra mais as paredes. O velho dirige-se para a direita, seguido pelo professor.

— Aqui estão. — Nicácio aponta para objetos esparramados no chão. A luz da lanterna ilumina cacos de vasos. O chão está coalhado pela cacaria. São ânforas quebradas, constata César. Apanha alguns pedaços e logo verifica que são peças antiqüíssimas. Nicácio aponta para a parede da gruta.

— Ali tem dois vasos inteiros.

Arredando os cacos com cuidado, para não quebrar ainda mais, pois sabe que têm valor arqueológico, o professor chega até as duas ânforas que estão aparentemente intactas. Com cuidado, desencosta uma delas e a estende no chão. Está com a boca lacrada, mas, pelo peso, deve estar vazia. Examina a segunda, também intacta e lacrada na boca. São pequenos recipientes, feitos de argila, medindo talvez um metro de altura, de gargalo estreito e alças laterais, usadas pelos gregos para o transporte e armazenamento de líquidos, principalmente vinho.

— Vamos levar essa duas. Você agüenta carregar uma?

— Sim. — Nicácio é esperto e ao responder já coloca sobre os ombros a primeira urna. César prendendo a lanterna na cintura, pega a segunda e também a alça aos ombros.

Conhecendo o caminho, andam rapidamente. As ânforas são leves. Ao chegarem no local do redemoinho, Nicácio, que vai à frente, pula, como fizera na ida. César, não querendo ser arrastado para os infernos dos gregos, também pula com agilidade. Mais algumas centenas de passos, e eis os dois aventureiros à boca da caverna, examinando os preciosos achados. Sem tardança, mas com cuidado que cerca todos os seus trabalhos arqueológicos, o professor quebra o lacre da ânfora que carregara. Aparentemente vazia. Mas ao balançar o vaso, de cabeça para baixo, vê apontar um enrolado de couro, que puxa para fora. Um rolo de pergaminho surge do interior da ânfora.

— Vovô, será que posso mostrar o Pentágono de Argos ao Ronaldo? — O pedido de Raquel foi na tarde do dia seguinte. O professor César, com a paciência e bonomia de todo avô, acede ao pedido, não sem antes perguntar:

— Quem é Ronaldo?

— É meu colega de classe no colégio. Ele é bom desenhista, poderá reconstituir o desenho do pergaminho.

— Sim, vocês podem examinar o Pentágono de Argos. Mas quero acompanhar o trabalho desse seu colega. Não quero que danifiquem ainda mais o pergaminho.

— Pode deixar, vovô. Podemos começar amanhã?

Ronaldo se entusiasmou, quando viu o antigo documento. Era um desenhista hábil, o primeiro da classe na matéria. Fazia histórias em quadrinhos, criara um personagem anti-herói e editava um fanzine para divulgar as aventuras da sua criação: LEO-GEO – “O defensor da ecologia”.

— Mas é muito mais antigo do que havia pensado. — Exclamou, ao manusear pela primeira vez o documento. — Qual é a idade deste pergaminho, professor?

— Talvez tenha sido desenhado no tempo das guerras do Peloponeso. Isto é, entre 300 e 400 anos antes de Cristo. Ou seja, deve ter entre dois mil e dois mil e quinhentos nos. — O professor explica — Foi uma época turbulenta, com uma guerra que durou mais de setenta anos. Mas uma época na qual viveram muitos filósofos.

À medida que Raquel e Ronaldo “trabalham” na reprodução do pergaminho, vão enchendo o avô de perguntas. Conversa vai, conversa vem, o professor não só vai relatando as aventuras em torno do pergaminho, como fala das inúmeras pesquisas de que fora objeto.

— Registrei o achado não só do Pentágono de Argos, como também dos outros pergaminhos, que estavam na outra ânfora. Reservei para mim a posse desse documento, entregando os demais ao Museu Arqueológico de Atenas. Eles só concordaram que eu ficasse com o pergaminho porque está muito estragado. E nada há de significativo nele.

— Pois acho que ele é importante, sim. — Roberto discorda do professor . — Ninguém se daria ao trabalho de criar um desenho, com símbolos, letras e palavras espalhadas nos seus espaços, sem colocar nisso algum significado..

Talvez o rapaz esteja com razão, pensa o professor, lembrando-se do doutor Lapkin.

Ao voltar da Grécia, grande foi a repercussão dos achados na gruta de Argos. Cartas empilhavam-se sobre sua escrivaninha e e-mails entulhavam seu endereço eletrônico. Entre todos, o mais importante foi a mensagem do Doutor Karel Lapkin, famoso cientista, cujos estudos aprofundados na energia o levaram inevitavelmente ao estudo dos fenômenos paranormais e as manifestações ainda inexplicáveis das diversas formas de energia sutis.

O doutor Lapkin desejava saber detalhes da experiência do professor César na caverna, protegida por um estranho redemoinho de energia. Passaram a trocar informações pela Internet. No ano seguinte, por ocasião de um congresso científico em São Paulo, os dois se encontraram pessoalmente.

— A experiência que o senhor viveu foi única nos registros dos “pontos de força”. — disse o cientista. — Nunca ninguém conseguiu atravessar incólume um local onde a energia se manifesta de tal forma.

— Pontos de força? — O professor já lera alguma coisa a respeito. Teorias sem nenhum respaldo científico. — O senhor acredita nisso?

— Sim, porque não? São locais em que há uma concentração de quírions, partículas de energia que são mais rápidas do que a luz e cujo comportamento ainda está para ser estudado e explicado. Sabe-se, entretanto, que manipulando a energia dos quírions, pode-se deslocar grandes e pesadas massas com incrível facilidade; pode-se até viajar no tempo.

— Mas são vagas especulações...

— Absolutamente! Não temos ainda como medir a energia dos quírions. Mas só através do uso dessa tremenda energia é que foi possível construir as pirâmides do Egito. Ou senhor acha que os egípcios tinham tecnologia para uma realização de tal monta?

— Isso não prova nada.

— Temos outros fatos inexplicáveis pelos nossos conhecimentos científicos atuais mas que se encaixam perfeitamente bem, quando os analisamos sob esta premissa.

— E os pontos de força....

— São como que os xakras do nosso planeta. Locais onde a energia entra e sai, movimento necessário para o equilíbrio energético de qualquer ser vivo. Assim como nós, os humanos, temos os xakras, a Terra também os tem. E podemos viajar através deles através do tempo.

— Quer dizer que o vórtice da caverna de Argos é um ponto de força? Um xakra da Terá?

— Absolutamente certo, professor! Tais pontos de força estão espalhados por toda a superfície do nosso planeta. E tanto é assim que estou mapeando estes pontos. Já temos centenas de locais onde existem, comprovadamente, pontos de força.

— Tantos assim?

— Sim. Aqui no Brasil existem diversos: São Tomé das Letras, Alto Paraíso de Goiás, o Morro da Urca no Rio de Janeiro; em Brasília...

— E além desses, fora do Brasil?

— Centenas já foram registrados: Macho-Pichu, no Peru. O local onde foram construídas as pirâmides, no Egito. Na Índia tem mais de vinte locais. No local conhecido como “Triângulo das Bermudas”, no Caribe, está um dos mais fortes pontos de força. Dezenas de navios e aviões já passaram para outras dimensões do universo através do “xakra” das Bermudas, que fica em alto mar.

— E na caverna de Argos? Lá também existe um ponto de força?

— Evidentemente. E o senhor conseguiu ultrapassar, incólume, este local. Por duas vezes. É um fato extraordinário.

— Qual seria uma situação normal?

— O senhor poderia ser arrastado para um outro tempo. No passado ou no futuro. Ou para outro local da Terra. Ou outro ponto qualquer do Universo.

Ronaldo faz inúmeros rascunhos e croquis a partir do pergaminho.

— Veja, professor, não é difícil deduzir que nas outras pontas da estrela estejam inscritas as letras O e S. Como nas três pontas que vemos estão as letras A, R, e G, com O e S temos ARGOS, que é o nome da cidade e do local onde foi encontrado.

— Tenho quase certeza de que este pergaminho é um desenho de uma peça ou de um prédio. Uma planta baixa.

— Um templo na forma de pentágono! — Exclama Raquel.

— É isto. Ou um objeto nessa forma, para adornar o templo. Uma pedra, ou um objeto circular de cerâmica ou metal. — César tem explicação para tudo, ou quase tudo.

— Veja as palavras que estão nos espaços entre as pontas das estrelas e o limite pentagonal — Ronaldo chama a atenção para os símbolos, já traduzidos pelo professor. — Temos “Espírito” no triângulo esquerdo superior, “Mente” no triangulo esquerdo inferior, “Corpo” no triangulo inferior. Só nos faltam os dois triângulos do lado direito. Na certa, terá palavras de igual significado.

— Com significado esotérico. Se for uma peça, de qualquer material que tenha sido feito, na certa foi dedicado a um templo. Como tal, teria sido consagrado e dotado de poderes que nem podemos imaginar. — O professor dá asas à imaginação.

Ele deduz que em algum lugar do Peloponeso, e, por certo, nas imediações de Argos, existe uma reprodução do pentágono — seja um edifício ou um objeto para culto. Se for um objeto, sacramentado por mantras e ritos, dará ao templo ou a quem o possuir, grande conhecimento ou poder. Mais provavelmente será uma peça de templo, feita de cerâmica. Os ceramistas de Argos foram famosos pela manufatura de peças de barro, levados à vitrificação por suas técnicas de cozimento. Objetos da cerâmica de Argos atravessaram séculos. Os próprios vasos em que encontrara o pergaminho era uma prova da durabilidade dos artigos da cerâmica de Argos.

O trabalho de Ronaldo empacou. Por mais desenhos que fizesse e mais explicações que o professor desse sobre a parte faltante do pergaminho, não chegavam a conclusão alguma.

Certa tarde, cansados de tanto falar e teorizar sobre o pergaminho, o professor saiu-se com uma brincadeira:

— O jeito é ir até o tempo dos ceramistas e verificar se realmente se trata de um simples desenho ou de coisa mais importante.

— Fala sério, vovô! O senhor está dizendo numa viagem no tempo?

O professor enrubesce. Fica vermelho com facilidade, e agora tem realmente razão para ficar com o rosto vermelho como pimentão maduro. Sem querer, deu com a língua nos dentes. Não era assim que pretendia revelar o segredo aos dois jovens. Deixou escapar a pista para um assunto delicado, um segredo compartilhado com o Dr. Lapkin: a possibilidade de viagem através do tempo.

O cientista havia construído um aparelho que poderia orientar um viajante através do “ponto de força”, colocando-o num dia previamente determinado, seja no passado, seja no futuro. Esse mecanismo, que poderia ser chamado de bússola do tempo, ainda não tinha sido testado, pois não havia como convencer alguém a fazer tal “viagem” sem garantia de uma volta ao tempo presente.

— Só mesmo quem conhecer o “ponto de força” é que poderá usar com êxito esta bússola. — Explicou o Lapkin. — O senhor, professor, que já “atravessou” um campo de força, saberá manipular o relógio do tempo.

Gaguejando, procurou desconversar, com desculpas, mas Raquel notou o seu embaraço.

— Acho que o senhor está escondendo alguma coisa. Fala a verdade, vovô! Ou será que nós não somos dignos de sua confiança?

— Mais tarde... amanhã ou depois... conto tudo pra vocês.

Foram três dias terríveis para o professor César. Raquel e Ronaldo voltaram à carga, sabiam que o avô escondia um segredo relacionado com o Pentágono de Argos, ou com viagem pelo tempo, ou... — quem sabe? — coisa muito mais misteriosa.

— Está bem, vou confiar-lhes um segredo mito sério. Vocês têm de jurar que não vão sequer comentar nada com ninguém. Mesmo porque preciso da ajuda de vocês pra fazer a viagem que estou pensando em realizar.

Começou pelo começo, pois os dois jovens jamais haviam ouvido falar em pontos de força, teoria dos quírions e outros assuntos em que a ciência se mescla com o esoterismo. Falou da possibilidade da viagem através do tempo, com o auxílio da bússola do tempo do doutor Lapkin, ainda por ser testada, a qual estaria à disposição deles, se quisessem servir de cobaias — com todos os riscos de ir e não voltar, ou simplesmente, a possibilidade de nem saírem do lugar.

Raquel, sem titubear, faz a pergunta que é, ao mesmo tempo, a resposta às dúvidas do avô:

— Então, o que estamos esperando para viajar até Argos e descobrir a verdade sobre o Pentágono de Argos?

Os três preparam-se com cuidado para a importante viagem.

— Quanto tempo ficaremos fora, professor? — Ronaldo indaga. — Preciso avisar em casa a minha ausência. Inventar uma desculpa.

— Uma desculpa que não seja mentira mas que também não revele nosso destino. — Raquel avisa.

— Uma semana, no máximo. Vamos levar mais tempo na viagem de ida e volta à região de Argos. Quando estivermos no passado, o tempo não conta pra nós no presente. Assim, se viajarmos, digamos, numa quarta-feira, não importa o tempo em que estivermos ausentes, ao voltarmos, estaremos na mesma quarta-feira, na mesma hora.

— Temos, então, de viajar para a Grécia?

— Sim. Vamos localizar a caverna na qual, agora sei, existe um ponto de força.

O doutor Lapkin envia de Londres, onde tem seu laboratório, a simples máquina, que todos já estão tratando como bússola do tempo. Fechada, tem a aparência de um lap-top, ou um computador portátil. Suas dimensões foram auferidas por Ronaldo: 40 centímetros de largura, 25 de profundidade e apenas 10 de espessura. O exterior é todo de plástico forte e tem uma alça manual metálica. Pesa apenas dois quilos

— Muito prática e leve. — Comenta Raquel.

Abre-se com o apertar de um botão. Uma tela preenche a parte interna da tampa, e um teclado de computador se revela, com teclas especiais. Uma página impressa em computador, com orientação para o uso da bússola do tempo, acompanha o aparelho, a qual é praticamente “devorado” pelos três aventureiros.

— Temos de dominar o manuseio deste aparelho. — O professor não é muito familiarizado com tais mecanismos eletrônicos.

— Deixa com a gente. — Raquel é afoita. — Já entendi tudo.

— Mas como é que nós três vamos a um só tempo? — indaga Ronaldo.

— Temos de programar a bússola antes de entrarmos no vórtice de energia. — Raquel já sabe de todos os detalhes. — Devemos estar juntos, de mãos dadas, ao entrarmos no campo de força. A energia dos quirions então entrará imediatamente em conexão com o que programamos e seremos lançados no tempo que foi determinado na bússola.

— E a volta?

— Será da mesma forma. Quando formos programar a volta, a bússola automaticamente nos fornecerá o momento em que deixamos nosso tempo presente. Basta “confirmar” a data e nos manter juntos sobre o ponto de força.

A viagem aérea para Atenas, em avião da Varig até Frankfurt e Aerovias Gregas até a capital da Grécia, foi normal. No aeroporto, alugam um carro com chofer, que os leva, través do Istmo do Peloponeso, à pequena cidade de Argos. O conhecimento que o professor a respeito da região, onde estivera por duas vezes, facilitava todo. Durante o percurso, de uns cem quilômetros, o professor fala da região, onde existem muitas grutas e cavernas nas colinas, que ele já explorou, há muito anos.

— Esta região é uma das mais bonitas do Mediterrâneo. Muito interessante, sob o ponto de vista da história. Poderia parafrasear Napoleão, dizendo: do alto daquelas colinas, mais de trinta séculos vos contemplam.

— Tanto tempo assim, vovô?

— Sim. Aqui as raízes da história confundem-se com a mitologia. O tempo antigo não se conta por anos nem séculos, mas eras. Por aqui, a história registrada com tal remonta à Idade do Bronze. Cerca de 3.000 anos Antes de Cristo.

— Uau! — exclama Ronaldo. — Então tem velharia que não acaba mais!

— Esta região do Peloponeso passou por épocas de grandes culturas, e foi palco de guerras importantes. Aqui lutaram Alexandre da Macedônia, o general Pirro, entre outros. Batalhas da Guerra do Peloponeso, ou da guerra entre Esparta e Atenas aconteceram aqui; a idéia do Cavalo de Tróia veio de uma peça de cerâmica feita por um ceramista de Argos.

Hospedaram-se em um modesto hotel, aonde chegaram por volta do meio dia.

— Vou passar a tarde descansando, pois estou exausto. Fazia anos que não viajava pra tão longe. — Anunciou o velho, após o banho e a refeição ligeira.

— Pois estou inteirinha e quero dar uma volta por aí. Posso, vovô.

— Claro, claro. Esta é uma região de turismo, vocês não terão dificuldade em passear e observar os lugares mais pitorescos.

— Também estou louco pra ver a cidade. — Assim dizendo, Ronaldo saiu com Raquel.

No dia seguinte, acordam cedo. A luminosidade da cidade é intensa. Os edifícios pintados de branco refletem os raios do sol.

— Vamos, gente, tá na hora de procurar a gruta misteriosa. — Raquel é a mais animada.

Preparam-se com cuidado, como se fossem para uma expedição de uma semana.

— Vamos levar roupas e sandálias iguais às usados antigamente. Não será apropriado aparecermos trajando estas roupas do século 21. Poderíamos ser confundidos com seus deuses mitológicos.

— Ou inimigos. — interpõe Ronaldo.

— Convém levar algum alimento. Pães, azeitonas e frutas. — O professor confere os itens essenciais. — Não se esqueçam das câmaras e filmadoras.

As mochilas ficam pesadas. O professor leva, dependurada no ombro esquerdo, a sacola com seus pertences de arqueólogo e segura a bolsa com o lap-top — a bússola do tempo — na mão direita.

— A gruta que vamos procurar fica a uns quatro quilômetros daqui. Não vamos alugar um carro, pois assim não despertaremos muita atenção. A caminhada vai nos fazer bem.

— OK, vovô, o senhor é quem manda.

A paisagem é deslumbrante. As diversas tonalidades de verde marcam os pomares, as plantações de oliveiras, as parreiras e alguns pequenos trechos de mata intocada. Aqui e ali algumas casinhas simples dos habitantes do campo. Todos sentem um certo lirismo rural.

— Humm! Dá vontade de sentar por aqui e ficar pra sempre olhando essa beleza de paisagem.

Chegam sem dificuldade ao sopé da colina. A vegetação muda, pois agora estão nos locais de pastos. Os rebanhos de carneiro, manchas brancas em movimento, aparecem aleatoriamente. Pastores acompanham os animais, tudo numa placidez contagiante.

— Vejam, aquele grupo de arvores no meio da encosta. É lá. — O professor aponta para um conjunto isolado de arvores, na encosta, a meio caminho do topo da colina.

Sobem pela íngreme encosta. Usam as mãos livres para agarrar nos arbustos ou nas rochas. Em menos de meia hora, estão no meio das arvores enfezadas e arbustos, que escondem a boca da gruta.

— Vamos! — O professor, que havia ficado para trás, passa a dianteira e acende a lanterna. — Não tenham receio, sei bem onde está o ponto de força.

A caverna é fresca e escura, pois sua entrada é coberta pela ramagem das árvores que a escondem. Ligam as lanternas. Os fachos de luz, irrequietos, iluminam as paredes, o teto e o caminho.

— Vamos em frente! São apenas uns cento e cinqüenta metros. — O professor está seguro, pois se lembra bem da primeira vez em que ali estivera. E como numa reprise de um velho filme de suspense, aparece o vórtice: uma estranha névoa de energia, rodopiando como um redemoinho muito rápido. Um cone invertido, cuja base adentra-se pelo solo.

— Esperem! — Avisa o professor, detendo-se ante o ponto de força. — Vamos ajustar a bússola do tempo.

Abrindo o lap-top, digita uma seqüência de teclas, já decorada.

— Pronto! Me dêem as mãos. Vamos entrar ao mesmo tempo no redemoinho.

— Para onde vamos, professor?

— Para o Peloponeso. Para Argos. Grécia Antiga. O ano é 425 Antes de Cristo.

— Uau! — gritou Raquel. — Lá vamos nós.

Deram o passo decisivo. Entram no campo magnético de energia quírion. A princípio, nada sentem a não ser o ar girando ao seu redor. Uma aura de luz azul vai se formando ao redor do grupo. Uma vibração suave e crescente e a aura, intensificando-se no seu brilho, faz com que percam a consciência. Se alguém os tivesse observando, veriam sendo sugados para cima, de encontro à abóbada da caverna. Subitamente, desaparecem.

Voltam de seu estado letárgico no mesmo local: na gruta, dentro do redemoinho. Ronaldo é o primeiro a perceber a situação.

— Professor! Raquel! — sacode os dois pelos ombros.

— Hein? Ah, você está bem, Ronaldo? E Raquel?

— Estou bem. Acho que estamos no mesmo lugar. — Ela diz, dirigindo sua lanterna a esmo e olhando ao redor .

— Sim, no mesmo lugar. Mas mergulhamos no tempo. — Informa o professor. — Nossos pertences estão todos aí?

Um breve exame e verificam que tudo está como entraram no ponto de força.

— Vamos sair da gruta e verificar.

A claridade ofusca-lhes os olhos. Mas logo podem observar, através de binóculos, a planície abaixo e o vilarejo além.

— Sim, estamos no mesmo lugar. Mas a paisagem está diferente. — Raquel vai descrevendo o que vê. — E a cidade agora é está muito menor. É apenas um vilarejo.

— Prova de que estamos mesmo no passado.

— Bem, vamos descer. Antes, vamos trocar de roupa. Temos de parecer pessoas da época. Não só nos trajes, mas também nos modos. — Abrindo a sacola, o professor retira uma toga e sandálias. — Vocês dois, vejam lá como se comportam, hein? Nada de exageros. Nada de requebros, viu, dona Raquel? — Em tom de brincadeira, ele vai determinando como devem se portar em Argos, 425 A.C.

— Vamos levar conosco apenas o essencial. Nossas mochilas poderão despertar a atenção. Vamos escondê-las aqui na própria gruta. Não poderei levar comigo nem o laptop. Que, aliás, será usado apenas quando regressarmos ao nosso tempo.

Descem a colina e dirigem-se à pequena cidade. Ao se aproximarem, entretanto, verificam que é maior do que parecia lá de cima, pois árvores centenárias se espalhavam por todos os lados, fazendo sobra sobre o casario.

— Esta época é meio conturbada pelas guerras. Agora mesmo, estão acontecendo batalhas de uma longa guerra que será registrada pelos historiadores como Guerra do Peloponeso. — Enquanto caminham, o professor vai comentando. — Mas não corremos risco, pois os entreveros mais violentos estão acontecendo mais ao sul, nas proximidades de Esparta. A região de Argos é tranqüila, mesmo durante esta longa guerra. A batalha mais importante nesta região ocorrerá em 418 a.C, isto é, daqui a sete anos. Será conhecida como Batalha de Mantinéia. A cidade desse nome foi literalmente arrasada do mapa.

— Quanto tempo durou esta guerra, vovô?

— Cerca de trinta anos. As datas são imprecisas, mas tem-se como certo que começou em 431 A.C. e foi até 404 a.C. . Lembre-se que estamos contando os anos de trás para frente, pois são datas do período antes de Cristo, isto é, antes do ano zero de nosso calendário.

— E Argos esteve envolvida? Pergunto Ronaldo.

— Não. Esta guerra, que está em curso neste tempo, foi entre Atenas e Esparta. Os dois estados lutaram pelo domínio de regiões ao norte do Peloponeso: Corinto e Delfos. Argos não se aliou nem à Atenas nem à Esparta. Mantendo-se neutra, a cidade tirou grande vantagem do conflito, pois foi a principal fornecedora de ânforas para os exércitos em combate. As ânforas eram indispensáveis para carregar líquidos: água, vinho, óleo. O óleo era importante em ataques incendiários e na defesa das muralhas.

Chegam à cidade. Procuram um local para se hospedar. O professor César fala encontra certa dificuldade em falar um idioma tão arcaico. São tratados como negociantes estrangeiros e, numa cidade de mercadores, são vistos com simpatia. Encontram um lugar para ficar ao conversarem com o proprietário de uma loja onde objetos de cerâmica estavam à venda, misturados vasos e sacos de gergelim, de trigo e outros produtos. O próprio comerciante mantinha cômodos nos fundos, que eram alugados para pernoite de viajantes.

No dia seguinte, saem andando a esmo pela cidade.

— Devemos permanecer juntos, pois pode acontecer de termos de sair à pressas. Qualquer separação poderá ser fatal. — O professor recomenda. O professor está animado, não escondendo seu entusiasmo. — Aqui vamos encontrar uma pista para a explicação do Pentágono de Argos. Tenho certeza.

Nos arredores da cidade, descobrem uma fábrica de ânforas, telhas, tijolos e objetos diversos.

— Vejam, vovô, uma olaria. — Raquel reconhece o lugar, que já vira em seu sonho premonitório.

— É muito mais que uma olaria. Aqui, fazem com o barro tudo o que imaginarem.

Os três, disfarçados pelas amplas e antigas vestes gregas que usam, se aproximam e se fazem conhecidos do homem que parece ser o dono da fábrica. O professor falta pelo grupo, e se comunica como pode, com os conhecimentos que tem de grego arcaico. Apresentam-se como viajantes que vêm do sul, do golfo de Maratonis e vão para a região da Arcádia, mais ao norte da península.

— Precisamos de algum dinheiro para comprar comida e queremos trabalhar.

Demiacles, o proprietário, dá emprego apenas para os dois homens. Nem se digna a olhar para Raquel, que fica possessa. Arranja-lhes alojamentos ali mesmo na cerâmica: um quarto exíguo, onde ficam aboletados. Dormem no chão, sobre tapetes rústicos e fazem alimentação junto com os outros trabalhadores.

O trabalho é pesado: carregar e amassar o barro com os pés e levá-lo até onde trabaljam os ceramistas. Levar ao forno, com cuidado os tijolos recém-feitos, onde são empilhados às centenas. O serviço de cozimento das peças é diferente, de acordo com as peças, conforme sejam para adorno, ou materiais de construção (tijolos, telhas) ou ânforas. Para cada qual há um forno.

Raquel faz a limpeza do pequeno quarto e fica andando entre os demais trabalhadores.

— Descobri um ceramista que está fazendo um prato de cerâmica com desenho parecido com a estrela do pergaminho. — Ela fala ao avô e ao colega, na terceira noite.

— É muito grande? — Pergunta Renato.

— É um disco de um metro de diâmetro. Mais ou menos.

O professor procura e encontra o ceramista, que, atento ao seu trabalho, nem se dá conta de estar sendo observado.

— Bonito trabalho. — César começa elogiando. — O que representa?

O artista não se dá ao trabalho de levantar os olhos para responder:

— É a Estrela do Destino.

— Vai para onde?

— Irá para o Oráculo de Argos.

Uma luz se acende na mente do professor. Oráculo de Argos! O famoso oráculo que fez previsões impressionantes. O cerco de Tróia, a invasão feita através de um estratagema, uma arma “meio bicho, meio máquina, com pernas e com rodas” foi a mais famosa antevisão deste oráculo.

Passam a visitar todas as tardes o ceramista Megisto em seu local de trabalho. Ele trabalha rápido e em poucos dias a peça está pronta. Após fazer a estrela de cinco pontas, escreveu em cada ponta, as letras A, R. G, O, S. Une as pontas da estrela com um traço fino, formando um pentágono. Nos vãos entre a estrela e o limite dessa linha, outras palavras são acrescentadas.

— Santa Madalena! Exclama Raquel — É exatamente como está no pedaço de pergaminho!

O professor indaga o ceramista qual o significado das palavras e letras inscritas no pentágono.

— Estou fazendo este pentágono sob encomenda do Grande Sacerdote do Oráculo de Argos. Ele é quem determinou a posição destas letras e das palavras.

Ronaldo memoriza o traçado da estrela, que reproduz, mais tarde, num pequeno pedaço de tecido de linho.

— Professor, é a estrela do Pentágono de Argos. Veja as pontas que já conhecemos: têm as mesmas palavras.

— E nas partes que não conhecíamos, Megisto escreveu “” e “” – palavras gregas que significam Alma e Consciência. — Explicou o professor. — Agora só falta finalizar com as letras O e S nas pontas da direita e inferior. E, naturalmente, a cercadura, a linha unirá as pontas da estrela, transformando todo o desenho num pentágono.

— Evidentemente, as letras nas pontas da estrela formam a palavra  que significa ARGOS, ou seja, o nome desta cidade. Lembra o ser mitológico desse com esse nome. — o professor explica

— Vamos ver como ele terminará. — Raquel está ansiosa, sem querer demonstrar.

Já fazia uma semana que os três estavam em Argos, quando o ceramista terminou seu trabalho. Como fora previsto, unira todas as pontas com um traço fino, e o pentagrama ficou completo. Foi colocado no forno, onde ficou uma noite. O processo de vitrificação, conhecido apenas dos mestres naquela arte, era obtido pelo uso de sais e pós, adicionados à massa de barro ou espargidos sobre o objeto, antes de entrar no forno.

Na manhã em que foi retirado do forno, lá estavam os três, com os outros trabalhadores, para admirar a obra. Depois de esfriado, o disco foi colocado numa pequena carreta e levado para o oráculo. Os trabalhadores, como que reverenciando a obra e seu significado, acompanharam em silêncio, uma procissão à qual logo se misturaram outras pessoas da cidade.

A entronização da Estrela do Destino no Oráculo foi solene. Dois sacerdotes vieram até o topo da escadaria do templo e aguardaram que a peça fosse levada, escada acima, pelos artesãos. Ao receberem a estela em forma de enorme prato, o fizeram com grande respeito e iniciaram um cântico de palavras misteriosas.

— Estão cantando mantras para a sagração do disco. Mantras e invocações especiais conferem poderes fenomenais ao objeto.— explicou o professor. Ronaldo e Raquel, extasiados, assistiam a tudo, mudos de admiração.

— Bem, agora já sabemos o que queríamos saber. Vamos voltar. — O professor dava por encerrada a expedição.

— Ah, vovô, vamos ficar mais algum tempo. — A voz súplice de Raquel amoleceu o coração do velho. — A gente poderia pedir ao ceramista que faça uma reprodução para levarmos conosco, de volta à nossa época.

— Impossível – explica o professor – não podemos levar nada conosco, sob pena de alterarmos o funcionamento da máquina do tempo e também do vórtice no ponto de força.

Ainda era de madrugada quando foram acordados por barulho vindo de todos os lados. Gritos de pessoas, tropel de passos cadenciados em marcha e tambores retumbando. Os trabalhadores corriam, gritando, fugindo. César, Ronaldo e Raquel levantaram-se e depararam com o pandemônio já instalado.

— Parecem que estão fugindo. — Gritou Raquel.

Ronaldo deteve um dos ceramistas, e o professor perguntou do que corriam.

— Os soldados... a guerra ...— gritando coisas sem nexo, o homem escapou das mãos do rapaz.

— Parece que a cidade está sendo invadida. — Gritou o professor por cima do alarido. — Peguem as coisas e vamos para a gruta.

Correndo no meio da multidão em pânico, o trio procurava o caminho para as colinas.

— Felizmente, corremos na mesma direção da multidão em fuga. — Observou César, sem arrefecer o passo.

Ao passarem defronte o Oráculo, Raquel grita para Ronaldo:

— Já vi esta cena. Foi no sonho que tive.

Um grupo de soldados passa marchando, caratonhas ferozes, empunhando escudos, lanças e adagas. A população não apresenta resistência, pois a cidade foi tomada de surpresa pelas tropas invasoras.

Raquel e Ronaldo e o professor se escondem num dos vãos entre as colunas do Oráculo.

— Vamos ver o Pentágono mais uma vez? — Raquel convida.

— Não temos tempo. — Grita o professor. — Vamos, temos de fugir imediatamente.

Os dois jovens fingem que não ouvem o professor. Entram no templo. O professor atravessa correndo toda a extensão do edifício e fica ao fundo, vigiando.

— Aqui estamos seguros, porque os soldados não profanam os templos. — Diz Raquel.

— Mas os sacerdotes fugiram todos. O templo está vazio. — Ronaldo dirige-se resolutamente para o pequeno altar, onde o disco com o Pentágono de Argos está colocado. Ato contínuo, retira a peça do nicho e a embrulha em sua manta.

— Que você está fazendo, Ronaldo? — pergunta Raquel.

— Vou levar o disco.

— Mas não podemos levar nada conosco.

— Vamos deixá-lo na gruta. Escondido lá estará mais seguro do que aqui, no meio desta confusão.

Subitamente a porta do oráculo é escancarada. Soldados avançam, em busca de objetos de valor. É o saque que se segue a toda ocupação militar.

— Corram! Aí vem a tropa. Temos de chegar logo à gruta. — Grita o professor, por entre as colunas, no fundo do edifício.

Na pequena praça defronte o templo a confusão era total. Soldados entravam nas casas para saqueá-las. Corriam atrás de mulheres e cenas de barbárie eram vistas por todos os lados. Os três saem pelos e escapam por ruelas laterais. Ronaldo retarda a corrida dos três, carregando o embrulho da estela envolto em panos. Desviam-se das vias principais, onde a soldadesca campeia, na busca de vítimas e de objetos de valor. Correndo, evitam a estrada principal e escapam morro acima, através de pastagens e abrigando-se quando podem, sob árvores centenárias. Chegam cansados ao grupo de árvores que cobre a boca da caverna do “ponto de força”.

Antes de entrarem na gruta, o professor vira-se e observa a cidade, lá em baixo. Fumaça em muitos pontos mostram que está sendo incendiada.

— Em breve, esta cidade será só ruínas. Tivemos azar de chegarmos num momento tão conturbado. Vai ser uma batalha terrível.

— Vai desaparecer do mapa. — Comenta Ronaldo.

— Não, meu caro. Tal como uma fênix, Argos vai ressurgir, reconstruída por outros imperadores, e será ainda muito importante.

Adentrando-se pela gruta, encontram, tal como haviam deixado escondidas, as mochilas, sacolas, o laptop e a bússola do tempo. Sem titubear, o professor digita a seqüência de retorno na bússula.

— Vamos trocar de roupa. Lembrem-se de que não podemos levar nada daqui.

De novo vestidos em roupas e calçados que usavam ao chegar, aprestam-se para a viagem de volta ao século 21.

— Venham, Vamos entrar juntos no campo de energia. — Raquel não esconde sua ansiedade.

Os três avançam resolutamente para o ponto onde o vórtice permanece ativo, como um ligeiro torvelinho: uma névoa sutil indica o local exato. Dão-se as mãos.

— Lá vamos para o futuro! — fala alto o professor, ao mesmo tempo que se surpreende com a visão do pacote de panos junto à mochila de Ronaldo.

— Que é isso aí, Ronaldo?

Não teve resposta. O redemoinho, quase invisível, transformou-se num vórtice de alta velocidade, de fumaça branca, espessa, opaca, envolvendo os três viajantes do tempo. O vórtice de energia quirion os lança de volta para o futuro. Um estampido fortíssimo ecoou pelas paredes da caverna. Quando a fumaça se dissipou, os três jaziam desmaiados no chão de pedra.

Raquel foi a primeira a voltar a si. Uma dor de cabeça insuportável. Acordou o avô e Ronaldo.

— Hein? Que aconteceu? — César está mais combalido. Ronaldo tem a camisa rasgada — Você está ferido, Ronaldo?

— Não sei. — Apalpa-se.— Não, não estou machucado não. Só a camisa está rasgada. Minha mochila também está quase destruída.

Os demais pertences da equipe — a bússola, o laptop e a sacola do professor e a mochila de Raquel — estavam intactos.

— Que foi essa explosão? — Ainda zonzo, Ronaldo pergunta

— Talvez tenha sido causado pela desintegração da Estrela do Destino — aventa o professor.

— Desintegração? — Ronaldo sente a maior frustração, pois pensava em trazer a pedra consigo, apesar da proibição do professor.

— Sim. Ao sair da dimensão onde estava, simplesmente desintegrou-se. É por isso que não se pode trazer “lembranças” de outras épocas, através dos pontos de força. Não se consegue fazer com que atravessem os paradigmas de sua própria dimensão.

— Não “viajam” com a gente?

— Não através do tempo. Como vocês sabem, o tempo é uma dimensão que não pode ser ultrapassada impunemente.

Levantando-se, Ronaldo procura pedaços de sua mochila. Alguns de deus pertences estão além do “ponto de força”. Ao se aproximar, em uma surpresa. Não consegue reprimir um griot:

— Professor! Raquel! Vejam! Ela viajou conosco!

A tarde escureceu cedo. O fog londrino desceu sobre a cidade, e as lâmpadas foram acesas assim que o Professor César, acompanhado de Raquel e Ronaldo, chegou à residência do doutor Lapkin. Após os abraços e cumprimentos entre amigos cientistas, e a apresentação dos jovens ao renomado cientista, os quatro se sentam defronte à lareira da grande sala de estar, usufruindo o calor e o perfume das achas sendo devoradas lentamente pelas labaredas.

— Vim para lhe devolver pessoalmente a Bússola do Tempo. Ela funciona com precisão absoluta.

— Grande foi sua coragem em testar esta máquina pela primeira vez. Imagine se ela não fosse tão precisa assim, e o lançasse em uma época diferente da programada.

— Não, esse perigo não existe. Mas estávamos totalmente enganados quando teorizamos sobre a impossibilidade de viajar com objetos através dos tempos.

— Você tem como provar isto?

— Sim. Aqui nesta caixa está a prova do que afirmo.

Dirigindo-se para os jovens ao seu lado:

— Por favor, abram o pacote.

Raquel e Ronaldo levantam-se e vão até à mesa onde está uma embalagem de papelão. Abrem e dela retiram um objeto circular, que apresentam ao dr. Napkin.

— Mas...É o Pentágono de Argos! — Exclama, incrédulo, o cientista.

— Sem tirar nem por. Está apenas com uma pequena lasca na borda. Coisa de somenos importância.

— Vocês a trouxeram com vocês? Através do tempo?

— Sim. Eu havia proibido aos dois jovens o porte de qualquer objeto da época em que estávamos. Porém, no último instante, quando já estávamos dentro do ponto de força da gruta, na colina de Argos, vi que Ronaldo, desobedecendo minhas ordens, estava com o Pentágono escondido debaixo da sua mochila. Não houve tempo para jogarmos o objeto fora do vórtice. Ouvimos uma explosão medonha e desmaiamos. Quando voltamos à consciência, estávamos abalados, mas ilesos. Apenas as roupas e a mochila de Ronaldo ficaram rasgadas.

— E a estela?

— Encontramos o Pentágono atirada no chão, próximo à parede da gruta.

— Se ela tivesse sido lançada na direção da boca da gruta, provavelmente teria ficado perdida para sempre. — Raquel comenta.

— Encontrei até a pequena lasca que saiu da pedra. Quis colar, mas o professor não deixou. — Acrescenta Ronaldo. — Deve permanecer junto, mas sem ser colada.

O chá das cinco, tradicional como a névoa sobre as ruas, é servido por um mordomo. O doutor Latkin retoma a conversa, falando sobre o “engano” que tanto ele quanto o professor César haviam cometido.

— Não foi engano, não, meu amigo. Estamos trabalhando com teorias. O resultado prático é o que conta. Agora ficou provado que, com maior ou menor grau de risco, os objetos podem viajar através do tempo. Vamos ter de estabelecer os parâmetros dessa possibilidade, tornar a coisa segura.

— Sim. “Na prática, a teoria é outra”. — Comenta Raquel.

— Hein? Não entendi. — Desconcertado, indaga o professor.

— É uma expressão que usamos no Brasil. Significa que a realidade, a prática, é que determinam a validade das teorias.

— E que destino pretendem dar ao Pentágono de Argos? — Indaga o doutor Latkin.

— Vamos levá-lo para Atenas. Já temos centenas de fotos e registros gráficos para estudarmos. O Museu de Arqueologia de Atenas é o lugar adequado para esta relíquia que chegou, praticamente intacta, diretamente de Argos até nossa era.

O turista curioso que visitar o Museu de Arqueologia de Atenas e tiver a curiosidade de visitar a Sala da História do Peloponeso, poderá ver, entre centenas de achados e descobertas, uma peça muito antiga, com quase 2.500 anos: um prato com um desenho de cinco pontas, cercado por um pentágono, que parece ter sido feita há apenas alguns dias, e aparentemente recém saída do forno de oleiro da indestrutível e legendária cidade de Argos.

ANTONIO ROQUE GOBBO –

BELO HORIZONTE, 12 DE NOVEMBRO DE 2004

CONTO # 312 – da Série Milistórias—

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/07/2014
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