377-A PRINCESA IMORTAL- 4a. parte

Ele aguarda o momento em que possa passar pela abertura, o que faz com urgência. Com o rabo dos olhos nota que alguns guardas sobem pelos degraus, desrespeitando o tabu. Mas é inútil. Assim que os dois estão no interior da pirâmide, ela aciona o mecanismo, que determina o fechamento da abertura.

Ainda com a última claridade do exterior, Milton observa que se trata de um corredor estreito. Quando a pedra se fecha, a escuridão é total. Lá fora, alguns guardas chegaram bem próximo da fresta, mas, sem saber do segredo do funcionamento, se quedam embasbacados e temerosos por terem subido alguns degraus da Grande Pirâmide do Deus-Sol.

A escuridão é total no interior da pirâmide.

— Dê-me sua mão — Ela pensa, o mesmo tempo que procura e encontra a mão direita do doutor. — Conheço este caminho. Vamos apalpando as paredes.

Seguem juntos, de mãos dadas. As paredes são secas e ásperas. Um cheiro forte de algo apodrecendo chega às narinas de ambos. Caminham por um tempo indeterminado, em linha aparentemente reta, mas descendo. Milton calcula quinze minutos. Desembocam num salão circular, iluminado parcamente por algumas “chaminés”, ou seja, aberturas no topo da pirâmide, que deixam penetrar uma parca claridade no recinto. Após a escuridão do corredor, o salão parece ser bem iluminado.

No centro do salão circular estão pedras colocadas em forma de altar, sobre o qual incide um raio de sol, vindo do alto, passando direto pela chaminé.

— Deve ser meio dia, hora do sol a pino. — Pensa o doutor. Observando mais atentamente, vê, encostado nas paredes do salão, sarcófagos e caixas mortuárias. A constatação é clara como aquele raio de luz: — É o mesmo salão dos sarcófagos. A tumba subterrânea!

A princesa se encaminha, resoluta, para o altar. Examina com cuidado algumas partes das pedras. Procura alguma coisa, como o fez para abrir o alçapão secreto, nos degraus da pirâmide.

— Encontrei. Aqui está! — Pensa e imediatamente Milton percebe que ela procura chave de um mecanismo qualquer. Talvez outra abertura secreta?

— Deite-se sobre a pedra. — Ela determina via telepática.

— Mas...para quê?

— Você vai embora.

— Como? Que significa isto?

— Vamos, depressa. Logo seremos achados aqui.

— Ms para onde vou? Você vem comigo?

Ele reluta em obedecer a princesa. Aliás, não acredita nem um pouco no que ela está lhe dizendo. Ir embora, como? Viajar pra onde?

A moça o empurra, forçando-o a obedecê-la. Contrariado, ele obedece, estirando-se sobre a pedra. Olha, desconfiado, para a mão direita, que ainda em punha a faca de ouro. Ela percebe o receio do médico. Para assegurar que não irá lhe fazer nenhum mal, deposita a preciosa faca ritualística sobre o peito de Milton.

Em seguida, empurra uma alavanca que se encontra na parte lateral da pedra sobre a qual Milton está deitado. A pedra começa a girar lentamente, enquanto ela se afasta.

A rotação se acelera, e Milton sente uma tonteira. A luz se torna menos difusa.

— Que coisa estranha! É uma máquina! — A certeza de que está metido num mecanismo cuja técnica, muito avançada e completamente estranha, atravessa sua mente. — Só pode ser uma máquina do tem...

A inconsciência advêm, suspendendo-o num vórtice de energia, no qual cores e luzes se mesclam, os sons vêm e vão, elevando-o cada vez mais. Uma sensação agradável, em que o corpo parece flutuar e ascender. Quanto tempo durou esta sensação? Um segundo? Uma hora? Um século?

Cinco dias haviam decorridos do desaparecimento misterioso do Doutor Milton Guedes. As esperanças de encontrá-lo já se tinham esvanecido. Nem mesmo os homens da segurança, enviados pela polícia de Chatumal, encontraram sequer uma pista. Só o Professor Carson não se conformava com o sumiço do seu amigo.

— Alguma coisa aconteceu come ele. Ninguém some assim, sem mais nem menos. — Afirmava nos seus encontros com o Professor Medeiros. — E tudo está ligado ao interesse de Milton por aquela princesa Maia.

— Ora, professor. O senhor está falando em influências e poderes mágicos. Isto não existe. Aliás, pra mim, ele sumiu nas águas do Poço do Sacrifício. Como sua profundidade é incomensurável, jamais teremos a certeza do que aconteceu.

O arqueólogo percorre, diariamente, todas as ruínas descobertas por seus homens, que escavam sem parar. O tempo seco e firme, ajuda nos trabalhos arqueológicos. A cada dia, novas descobertas são feitas. Mas nenhuma pista do desaparecimento do Dr. Milton é acrescentada.

Na manhã do sexto dia após o desaparecimento do médico, está numa das extremidades do sítio arqueológico quando sente uma vibração estranha no ar. Um violento pé-de-vento se materializa em rodamoinho, que, estranhamente, se posiciona no topo da pirâmide. Por segundos, o pesquisador observa a poeira e folhas secas, girando violentamente. Mas é um momento só. No momento seguinte o rodamoinho desaparece, tragado por alguma força da própria pirâmide.

— Epa! Alguma coisa está acontecendo.

Destemido, o professor se encaminha para a pirâmide em passadas largas e rápidas. Empunha a poderosa lanterna que acende antes mesmo de se adentrar pela abertura que leva à tumba subterrânea. Segue quase correndo pelo corredor de estranhos odores. Uma lufada de vento gelado passa por ele, fazendo-o tremer de frio. Ao chegar no recinto dos sarcófagos, assusta-se com o que vê.

O recinto está iluminado por uma luz assemelhada a uma aura multicolorida, pulsante, cujo foco é o centro da cave, sobre as pedras que em alguma época passada formaram um altar. E, deitado sobre a laje maior, o corpo inerte de um homem.

O arqueólogo entra, sem medo, no campo de luz, dirigindo-se para o centro. Imediatamente, o clarão principia a diminuir de intensidade até desaparecer de todo. À luz da lanterna, Carson verifica que o homem é o doutor Milton, desaparecido há quase uma semana. Os olhos cerrados abrem-se lentamente sob a pouca claridade da lanterna.

— Doutor Milton! O que foi...?

Os olhos do médico, já completamente abertos, revelam surpresa total. Tenta sentar-se. Está tonto. O arqueólogo o ajuda a levantar-se. Não percebe a faca sacramental escorregando de seu peito caindo no chão.

— Tive um sonho esquisito...— Murmura.

— Calma, calma. Não precisa dizer nada. Vamos sair daqui. Assim, devagar. — Amparando com vigor o amigo, ambos saem do subterrâneo.

— Que dor de cabeça! — Exclama o médico.

— Certo. Agora vamos até minha barraca, onde lhe darei um comprimido e você poderá repousar. Dormir um pouco.

— Dormir? Não, não quero voltar ao pesadelo.

— Calma, doutor. — O arqueólogo acha que o amigo está delirando.

No percurso entre a pirâmide e a barraca do professor Carson, o médico, ainda ajudado pelo arqueólogo, se recupera da tonteira.

O acampamento dos médicos brasileiros virou um alvoroço, com a volta do doutor Milton. A efusão foi total. Abraços, sorrisos e até uma garrafa de vinho foi aberta, para comemorar. Todos faziam perguntas a um só tempo. O doutor não tinha resposta para tudo, e só a muito custo concordaram que, após uma boa refeição seguida de um repouso, ele explicaria o que lhe havia acontecido.

A tarde já ia descambando quando o pessoal se reuniu à sombra de um majestoso carvalho. Dr. Carson, o arqueólogo, também fazia parte da assistência, pois a ele muito interessava o que acontecera com o medico brasileiro.

— Antes que o Dr. Milton inicie seu relato, quero lhe entregar um novo achado na tumba da Princesa. Esta faca de ouro estava sobre seu peito, doutor, quando o encontrei deitado sobre a pedra. Não estava lá antes. Aliás, é um instrumento feito recentemente.

Sem preâmbulos, Milton foi narrando a estranha aventura, que ele mesmo classificava de “sonho que se transformou num pesadelo”. Não entrou em detalhes sobre a intensa simpatia, mais do que amizade, o ligou à Princesa Kalax.

— Não foi um sonho, não, dr. Milton. — Explicou o Dr. Carson. — Como arqueólogo, já visitei muito lugares em que existem campos de força, através dos quais pode-se viajar no espaço e no tempo. Certamente aquela pirâmide esta construída sobre um desses campos, e o senhor foi arrastado para o passado.

— Além de tudo, a sua câmara tem centenas de fotos que comprovam sua história. — Berenice, ao lado do doutor Guedes, mostra-se profundamente interessada pela aventura do colega.

— Mas, com que finalidade? — Ainda incrédulo, Milton questiona.

— Existe a lenda, segundo a qual a Princesa dos Maias seria a salvadora da raça. O senhor foi encontrado justamente pela princesa, que o colocou a par da peste que grassava naquela época.

— Que, aliás, é a mesma que está se alastrando por aqui. — Interveio o professor Medeiros.

— Sim, pude constatar isso. — Milton confirma.

— Então, o senhor foi conduzido àquele tempo, a fim de, com seus conhecimentos, ajudar a princesa na salvação do povo Maia.

— Mas não tive como. Faltaram-me recursos, embora a causa da doença eu tenha descoberto.

— Ok. E talvez também pela falta de tempo, pois, conforme sua narrativa, o senhor foi vítima do ciúme do Sábio da Saúde. Ainda bem que a Princesa o livrou da morte certa e indicou como fugir, de volta ao nosso tempo.

— Mas, a causa da doença, no passado, foi a proliferação do carrapato, portador da estranha bactéria. Aqui não encontramos evidência deste inseto. — Argumenta o professor Medeiros.

— Exato. Mas sabemos que a doença se originou ns ruínas e não nas selvas. A bactéria, ou vírus, ou o que quer que seja, estava na tumba da pirâmide.

— Manteve-se através dos séculos nos corpos conservados naquela cripta. Dali, propagou-se entre os trabalhadores, e, por contágio, está se disseminando. — Milton continua a linha de pensamento do arqueólogo.

— E como, por questões genéticas, os mestiços com sangue maia são mais propícios a contrair a doença. — Concluiu o dr. Medeiros.

De repente, o doutor Milton põe-se de pé.— Puxa vida, agora me lembro. O maracujá! Havia me esquecido completamente!

— Maracujá? — A interrogação está na boca de todos os presente.

— Sim. Numa incursão dentro da mata, a princesa me mostrou o maracujá. Me de até alguns ramos... — E o doutor explica a importante recomendação recebida com o feixe de ramos da planta.

Nos dias seguintes, toda a equipe entrou pela mata, inviolada desde tempos imemoriais, à procura da planta demais conhecida de todos os brasileiros. Encontraram-na bem no fundo da floresta.

— Entretanto, é uma espécie diferente. É um maracujá selvagem.

— A princesa me disse que a planta e venenosa. Devemos ter cuidado. No seu manuseio. — Explicou Milton.

= Sim, é uma nova espécie botânica. Vamos batizá-la de Passiflora Maiensis, ou seja, Maracujá Maia.

Graças ao achado da nova espécie da fruta, venenosa, sim, mas de forte poder terapêutico, e às conclusões científicas quanto ao transmissor da doença, foi possível elaborar antídoto para a estranha peste. Testes em doentes de diversos estágios comprovaram a eficácia da descoberta feita pelos cientistas brasileiros. Imediatamente a notícia foi disseminada. Laboratório ao redor da Terra iniciaram a produção de vacinas, soros e medicamentos que levariam a cura aos contaminados e a prevenção total contra a peste.

A missão dos brasileiros estava concluída. Na tarde em que levantaram o acampamento, enquanto os caminhões, carregados com o equipamento, se afastavam lentamente, Milton, de pé sobre o jipe, dirigiu pela ultima vez o olhar à Pirâmide dos Maias. As sombras da tarde se alongavam e o perfil da construção se destacava contra o rubro poente. Seu pensamento voltou-se para a linda Princesa Kalax-Malpek-Petel, que tentara salvar seu povo. Na cintura, apalpou a misteriosa faca de ouro, metida na bainha de couro.

— Agora tenho certeza. — pensa — A Princesa me arrastou até seu tempo a fim dar uma pista para a cura dos descendentes do povo Maia, o seu povo, que ainda sobrevive em nossa época.

ANTONIO GOBBO –

BH, 13 de dezembro de 2005

Conto # 374/377 da série MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 22/08/2014
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