Hadji

Disfarçado de darvish, com aquela roupa tão comum e tão igual aos milhares de iguais que o cercam; lentamente vai avançando pelo âmbito sagrado.

A princípio vagarosamente andando, quase jungido aos arcos circundantes da enorme praça, vai avançando, rumo ao centro, ao limite, ao vórtice.

Assusta-se a cada momento, espanta-se a cada esbarrão daqueles que também ávidos buscam, anseiam pelo inacreditavelmente atingível centro.

Todos de muito longe vieram, ele de vários lugares, da famosa cidade do Cairo, do triste vale do Syndi, das neblinas londrinas, naquela peregrinação pelo deserto, buscando a justificação de sua fé, ou por ela sendo levado, procurando entre os deuses, o seu Deus, o misericordioso, o compassivo.

O falso afegão se detém a cada passo, para olhar maravilhado as coisas incríveis que o rodeia. Vai identificando nas vozes as frases nos dezessete idiomas que lhe são íntimos, sente de um modo quase físico que a partir daquele dia memorável, nunca mais será o mesmo homem.

A multidão gira, num movimento muito lento rumo ao centro onde irão completar as sete voltas sagradas da fé e da renovação.

Reza o Islan que o muslin, deve encetar a peregrinação pelo menos uma vez na vida desde que possua condições, para assim obter o título de hadji e o turbante verde que o diferencia perante Deus, dos outros homens.

Assim recita o sagrado livro, na sagrada língua.

O homem sério, com a face marcada, vai chegando ao centro e se aproximando da enorme pedra negra, reverenciada e imaginada e agora tão real e concreta que parece um sonho.

Finalmente sob o sol abrasador de Mecca, atinge a Caaba e a toca, primeiro com a mão depois com os lábios ressequidos.

Estava feito.

Como hadji, agora seria o retorno, a volta, mas pensou, seria possível voltar ? Como retornar de si mesmo ao que um dia tinha sido ou pensado ser ?

Rabiscou numa das colunas da enorme praça, seu nome, servo de Deus e foi caminhando lentamente para fora...