NUMA SALA DE BATE PAPO (CHAT)

Ela passara anos ignorando a agitação eletrônica que dominava a atividade de todos à sua volta, através do celular, computador, currículos estudantis, obrigações profissionais, jogos e programas de TV. No entanto, teve de se render à idéia de que seu analfabetismo cibernético a estava deixando cada vez mais isolada, durante conversas, passeios e até ... paqueras.

Nào que a solidão relativa a incomodasse tanto, mas a carência afetiva, vez em quando, dava as caras. Era já uma mulher de meia idade, ou quase isso (depois dos quarenta, tudo é território desconhecido), e resolvera que precisava se inserir no mundo virtual, falar a mesma linguagem da maioria, por mais truncada que lhe parecesse; entender siglas, códigos, sistemas e abreviaturas; enfim, tudo que lhe facilitasse o acesso a um universo de interações, totalmente diferente daquilo que vivera em sua juventude e anos subsequentes.

Comprou, de uma só vez e sob orientação de sua filha, notebook e celular top, de última geração, com milhares de funções estranhas, inclusive ligações telefônicas. Ainda tutelada por ap@ntera (apelido ou “nick” de Ana Paula, a filha), cadastrou-se no facebook, twitter, whatsapp e skype, mas mal se viu sozinha, em casa, com suas novas aquisições, não tinha idéia, nem mesmo de como ligar os aparelhos. Leu e releu as instruções dos manuais, repassou o que a menina havia deixado rascunhado, a título de orientação, mas o progresso foi zero.

Matriculou-se num curso de informática, próximo de sua residência, e escolheu a classe que mais se afinizava com seu perfil, ou seja, desconhecimento total, que era, justamente, a da terceira idade. Seu mais novo colega de turma, cabelos e bigode brancos, beirava os setenta. O professor, um sessentão calmo e atencioso, conseguia fazer a “meninada” progredir, mesmo que lentamente, e, três semanas após o início das aulas, Vilma (nome de nossa protagonista), finalmente, pôde acessar, pela primeira vez, a internet. Ainda gastou mais duas semanas para entender como navegar pelos sites e portais, usar o Google e outros buscadores, para achar o que lhe interessasse; e numa dessas fuçadas, deu de cara com um monte de salas de bate papo, os famosos “chats”. Ficou muito interessada, mas teve medo de entrar. Ouvira falarem coisas medonhas sobre essas salas, mas, paralelamente, também sabia de episódios curiosos e até de uniões afetivas, que ali iniciaram. Curiosidade e receio se misturavam em sua mente.

Ana Paula lhe pedia para se concentrar no uso do celular, principalmente nos aplicativos de mensagens, mas o que mais a atraía eram o face, onde se deliciava com as mensagens e os filminhos, com música, poemas, curiosidades e flagrantes, além das salas de bate papo, que já começara a acessar, mas ficava espreitando, observando, sem se pronunciar ou sequer responder a um chamado qualquer. Alguns apelidos “nicks” eram esquisistos, outros nojentos, mas alguns tinham um quê de românticos, e ela se flagrava imaginando os tipos ocultos atrás de tais nomes. O homem que imaginasse um tal apelido, deveria ser um perfeito cavalheiro.

Ela não estava assim tão interessada num envolvimento afetivo, mas não recusaria uma conversa, um flerte, um papo amigo, leve e divertido. Resolveu, em tarde chuvosa de agosto, que iria se arriscar, então se apresentou, logo que entrou numa sala, com o terno apelido de Vivi sonhadora, como uma mulher romântica, independente, que queria encontrar alguém com interesse em orientá-la sobre navegação na net, a fim de descobrir coisas úteis e agradáveis. A espera foi mínima, pois segundos depois já tinha cinco interessados na sua cola. Ao se deparar com tanto assédio, entusiasmou-se, crendo que tal êxito apenas lhe daria o trabalho de optar por um entre tantos, de escolher o melhor entre os candidatos. Não foi bem o que aconteceu.

Paulão bem dotado, o primeiro a lhe acessar, perguntava suas medidas, preferências e experiências sexuais, enquanto o Velhinho porreta garantia ter condição para não deixá-la cair no sono, até amanhecer. Edu garanhão pedia uma foto nua, prometendo-lhe um close de sua “ferramenta”, ao passo que o Careca fogoso dizia já estar em ponto de bala diante da webcam, solicitando que ela fizesse o mesmo, do jeito que viera ao mundo. Assustada ao extremo, foi até a lista de nicks e bloqueou todos os nomes que julgava inadequados, mesmo aqueles que ainda não a tinham contatado, evitando responder às primeiras investidas, quando encontrou a frase que considerou mais satisfatória e bonita, em sua caixa de diálogo:

- Olá, princesa! Podemos bater um papinho gostoso e nos conhecermos?

Enfim uma luz no fim do túnel! Acalmou-se e se preparou para responder.

- Olá! Sou Vilma, e gostaria de bater um papinho, sim. Como se chama?

- Paulo. Você está sozinha em casa?

- Sim. Vivo só há alguns anos. E você?

- Que tal eu ir aí e conversarmos pessoalmente?

- Talvez mais adiante, mas prefiro conhecê-lo melhor por aqui, antes.

- Pra que perder tempo teclando, se podemos ficar cara a cara, à vontade?

- Você está muito apressado, Paulo. Quero saber algumas coisas sobre você.

- A única coisa que você tem de saber é que estou com tesão.

- O que está dizendo?

- Dá logo esse endereço e vou aí apagar seu fogo.

Instintivamente, ela fechou o notebook, imaginando que ao fazê-lo tornava-se invisível ao seu inquiridor. É claro que bastava ignorá-lo, mas o susto foi tão grande que resolveu ligar para uma amiga, contando o que sucedera. Para contrastar com seu nervosismo a outra ficava rindo, enquanto ouvia o relato, o que a deixou irritada. Afinal, fora vítima de um desvairado, mas sua amiga disse que isso era comum e deveria apenas deixá-lo pra lá e partir para outra conversa, que acabaria achando alguém que valesse a pena. Desligou o fone e ficou pensando que talvez estivesse mesmo exagerando; daí religou o computador e voltou ao chat, buscando a mesma sala, para mostrar que era valente e ninguém a encostava na parede. Prudentemente bloqueou todos os nomes que julgava desinteressantes, inclusive os já conhecidos, e evitou se apresentar, apenas aguardando que alguém se pronunciasse.

Em pouco tempo recebeu um acesso, em sua caixa de diálogo, de modo reservado, com um comentário que considerou tocante:

- Oi, Preciosa! Li o que lhe disseram e sei que está chocada e triste. Não chore!

Aquelas eram palavras de uma pessoa sensível, então respondeu, reservadamente:

- Realmente, fiquei muito triste, mas não cheguei a chorar. Quem é você?

O nick dizia ser José Maria. Simples, nada grotesco ou arrogante.

- Sou uma pessoa em busca de outra, de carinho, de preenchimento da solidão.

- Que palavras bonitas! Acho que busco coisas parecidas, José.

- Se quiser, pode me chamar de Maria ou Mari, como a maioria.

- Mas isso é nome de mulher!

- É o que sou, Preciosa! José é meu nome de guerra, quando namoro as mina.

Em um segundo o notebook estava fechado de novo, e outra vez ligou para a tal amiga, pondo-lhe a par de mais essa estranha aventura. Ela gargalhava, do outro lado da linha, o que a deixou indignada. Quando diminuiu o acesso de riso, disse-lhe que deveria encorajar a nova “pretendente”, pois poderia vir a gostar de aproveitar a vida sob um novo prisma.

Vilma, assim que se despediu da amiga, desligou o celular e o encostou num canto, junto com o notebook. Estava desiludida. Não era preconceituosa nem puritana, mas precisava se adaptar aos novos tempos, agitados e cheios de surpresas, que sua mente não conseguia absorver de pronto. Sentia como se entrasse no mar pela primeira vez e não soubesse como evitar ser derrubada pelas ondas. O problema não era o mar ou as ondas, mas a inexperiência.

O mundo não é um paraíso, as pessoas são complicadas, os acontecimentos fluem com rapidez cada vez maior, e não dá para viver à margem de tudo isso. É preciso tentar conhecer a maré, as correntes, o movimento das ondas, o entra e sai dos barcos, das pranchas, evitar as águas vivas, os tubarões e outros tipos perigosos, e só assim vai dar pra aproveitar a água e o sol, sem prejuízos consideráveis. Como dizem Roberto e Erasmo: - É preciso saber viver!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 27/08/2015
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