Vacas Voadoras

A vida de casado não havia saído exatamente como que ele planejou. Agora, olhando para seu filho de dois anos brincando com um cubo mágico no tapete da sala, enquanto sua mulher lava a louça da janta, a única coisa que passa pela cabeça de Yuri é quando algo de interessante estará prestes a acontecer na sua vida, se é que algum dia haverá.

"Nada de novo aconteceu hoje, nem ontem e nem acontecerá amanhã", pensava ele, relembrando sua rotina diária, que consistia em acordar as seis horas, tomar banho, se vestir, tomar apressadamente o café preparado pela esposa, e comer um pão de queijo amanhecido no caminho até o trabalho, dirigindo seu modesto 1.6. Pensou que talvez deveria estar feliz por ter um filho lindo, uma esposa que amava e um emprego, mas ele estava farto disso!

Se levanta do sofá onde todos dias se sentava para assistir ao jornal pontualmente as nove e quinze, após ter jantado, se sentindo ansioso e nervoso com a vida.

Precisava de novos ares. Botou na cabeça que ainda essa semana viveria de um jeito ou de outro algum tipo de aventura. Estava se sentindo entediado. Seu filho o chama, pedindo sua atenção para algo que ele provavelmente acabara de descobrir, mas Yuri está sem cabeça pra dar atenção ao garoto. Sobe para seu quarto, se despe e vai tomar um banho quente pra dormir.

Quando o dia amanhece, Yuri se lembra de uma frase que viu em algum lugar em algum dia, dizendo algo como "se não quer que as mesmas coisas continuem a acontecer, você não pode agir igual estava agindo". E foi pensando assim que Yuri resolveu se aventurar... mudando uma rua do trajeto para seu trabalho. Ao invés de passar pela avenida que sempre passava, nesta manhã ele resolveu mudar seu percurso. Um pequeno passo, mas que continha grandes esperanças de novidade.

Mas seu pequeno plano não deu muito certo, passou por ruas diferentes para chegar ao mesmo lugar, e ainda não estava satisfeito. Queria mais e mais mudanças.

Deixou o carro no estacionamento e resolveu tentar de novo, andando por ruas diferentes até chegar ao escritório de contabilidade que trabalhava. Andaria três quadras a mais por causa disso.

Enquanto seguia por seu mais novo trajeto, eis que um panfleto vem voando em sua direção manipulado por uma ventania que varria o ar. Ele não consegue desviar a tempo, e o panfleto vai parar bem em frente a sua cara. O vento continua a empurrar o panfleto, mas ele não se move, cegando temporariamente Yuri. Quando se dá conta, ele pega o panfleto da cara e se prepara para jogá-lo fora na próxima lixeira que visse, mas uma curiosidade irresistível se apodera dele, que então resolve dar uma olhada no panfleto insolente.

" Você está cansado de sua vida?" , dizia o panfleto. Yuri respondeu: - "Sim." , para ninguém em específico, e continuou lendo.

" Então venha ver a realidade com outros olhos. Participe de nossa terapia. Venha ser uma vaca voadora. Satisfação garantida ou todo seu dinheiro de volta."

Os olhos de Yuri se arregalaram e ele olha desconfiado para o papel. Nele havia um telefone e um endereço para contato, além de um desenho quase infantil de uma vaca com manchas pretas e asas voando entre algumas nuvens. "Que idiotisse!", pensa ele enquanto seu primeiro instinto é o de amassar o panfleto e procurar urgentemente uma lixeira pra tostá-lo.

Avista uma logo a frente, mas se detém. Por algum motivo, não consegue se livrar daquele panfleto idiota.

O desamassa e o encara novamente. De repente, sem conseguir segurar, um pensamento passa pela sua cabeça "Porque não?".

"Não,não, isso é idiotisse. Eu não sou um cara estúpido.", repensa, e joga o papel na lixeira.

Passa uma manhã e uma tarde entediantes no serviço fazendo relatórios contábeis chatíssimos, e aquele panfleto não sai de sua cabeça.

No caminho de volta para o estacionamento, após bater o ponto,ele passa novamente por aquela lixeira e dessa vez nem sequer pensa em se conter. As pessoas que passavam pela rua naquela hora o olham assustadas. Um homem de roupas sociais e todo engomadinho revirando uma lixeira. Após desbravar latas de refrigerante gosmentas, tocos de cigarro entre outras coisas, ele finalmente revê aquele papelzinho sentindo uma onda de alívio se apoderar dele. Estava sujo com alguma substância rosa pegajosa, mas ele não se importa.

- Eu quero ser uma vaca voadora. - diz ele sem se preocupar em diminuir o tom de voz normal, enquanto pessoas a sua volta pensam e comentam uma com as outras que este cara é louco, mas Yuri já estava se sentindo mais feliz e animado do que antes.

No dia seguinte, ele telefona a seu trabalho dizendo que seu filho está doente e ele precisa levá-lo ao hospital e não conta nada a esposa, que pensa que ele vai sair pra trabalhar. Só que ele se encaminha direto ao endereço listado no panfleto, de terno e tudo.

O local ficava no centro comercial da cidade e constava apenas de uma recepção simples, com faixada de vidro, ar condicionado ligado numa temperatura extremamente agradável, algumas cadeiras de plástico encostadas na parede e uma recepcionista, vestida de maneira formal, com um coque e maquiagem impecáveis.

- Com licença. - diz ele a moça, que teclava freneticamente em um notebook. Ela para por um instante e o encara.

- Pois não?

Yuri fica um pouco sem jeito... e já começa a pensar que aquela ideia era insana. Mas agora que estava ali, frente a frente com a recepcionista, precisava dizer alguma coisa. Pensou em fingir que estava perdido e só queria algumas informações. Mas resolveu arriscar.

- É que... bem, eu vi o panfleto de vocês e...

- E... - diz sem emoção a recepcionista.

- E... eu queria dizer que... eu gostaria de ser uma... - ele dá umas tossidas. - vaca voadora. - as últimas palavras saem quase inaudíveis.

- Perdão, pode repetir? Não ouvi direito.

- Eu quero ser uma vaca voadora! - ele agora berra.

- Ah, sim. Claro. Sente-se sr...?

- Yuri Rocha.

Ela faz rapidamente um cadastro dele. Inesperadamente, mais pessoas chegam ao local. Algumas delas pareciam bem a vontade enquanto outras pareciam um pouco com ele, um tanto constrangidas. Após pagar no cartão de crédito uma quantia razoável e assinar a um contrato com termos de serviço vagos, que diziam apenas:

"Eu, ______, cpf nº ______ concordo com tudo que ocorrerá nesta terapia e me comprometo a guardar sigilo total, tanto dos acontecimentos quanto das pessoas que estarão presentes.

Nota: Será como se o sr(a) jamais houvesse passado por aqui. Caso não fique satisfeito com nossos serviços, seu dinheiro será reavido. Assinatura:______ Data:______" , a recepcionista entrega a ele uma espécie de roteiro sem maiores informações, que dizia apenas que uma van partiria dali as nove da manhã e retornaria as cinco e meia da tarde. Yuri consulta seu relógio. Eram oito e meia.

- Mas, você pode me explicar exatamente como é isso? - perguntou para a recepcionista. Ela dá uma bufada e responde irritada.

- O sr. logo irá descobrir, sr. Yuri. Nossa política é séria e sem enganação. Se o senhor ao fim do dia estiver insatisfeito com o que passou, devolveremos integralmente tudo que foi pago, sem nenhuma taxa e sem nenhum asterisco pequeno no canto da página. Agora, sente-se pois preciso atender as outras pessoas.

Senta-se meio sem jeito numa das cadeiras desocupadas, enquanto a recepcionista atende a outras pessoas. Algumas das que aguardavam já estavam com seu roteiro em mãos, dando a entender que só esperavam pela van.

Após meia hora de espera ansiosa, olhando o relógio de pulso a cada três minutos, finalmente uma van estaciona em frente ao local. Todas as pessoas que lá estavam adentram a van, incluindo Yuri.

Durante o trajeto, Yuri observou rapidamente seus companheiros de viagem. Um senhor bigodudo com uma barriga saliente, uma senhora de meia idade dona de uma expressão sorridente e complacente com bochechas avermelhadas, um jovem de uns dezoito anos que carregava consigo um skate e duas moças jovens que pareciam ser amigas. E curiosamente, todos dentro da van pareciam estar em perfeito juízo.

A van atravessa a cidade, chegando a um município vizinho que subsistia principalmente de agricultura e pecuária. Campos verdes começam a passar pela janela, junto com ovelhas, cavalos entre outros animais e também plantações de variados tipos.

De repente, a van adentra em uma dessas fazendas passando por uma porteira e estaciona. Do lado de fora, uma loira aparentando ter uns trinta e poucos anos, de pele um tanto bronzeada e usando um chapéu de boiadeiro, camisa xadrez amarrada na cintura, calça jeans e botas aguardava por eles. Ela combinava perfeitamente com a paisagem.

- Bom dia, senhoras e senhores. Meu nome é Francis. A partir desse momento, peço que não abram mais a boca para falar nada. Entendido?

- Si... - uma das moças jovens começa a dizer, mas ao ver as sobrancelhas franzidas no rosto de Francis direcionadas para ela, logo tampa a própria boca com a mão.

Todos fazem que sim com a cabeça.

- Agora repitam comigo... - continuou Francis. - Múúúúúú.

"O quê?", pensou Yuri. "Eu não vou fazer isso.". Parece que mais pessoas partilhavam do mesmo pensamento de Yuri, pois ninguém teve coragem de abrir a boca para fazer "Mú" como mandado.

Francis revira os olhos.

- Vamos, andem. Não tenham vergonha. Tudo isso faz parte do nosso roteiro. Agora, comigo, Múúú.

As duas moças jovens se entreolharam e resolveram entrar na brincadeira. Foram as primeiras a repetir "Múúú", e aos poucos, o resto das pessoas foi fazendo o mesmo, encorajados pela coragem das duas.

- De novo, agora todo mundo, estou de olho hein. Múúúúú. - repetiu Francis.

Um pouco contrariado, Yuri fez coro com os outros.

- Múúúúúú.

- Muito bom. - diz Francis, claramente satisfeita. - A partir de agora, vocês se comunicaram através de mugidos. Não quero ouvir nem uma palavra sequer, entenderam?

Todos fazem que sim com a cabeça. Mas Francis pergunta novamente:

- Entenderam? Eu não ouvi a resposta de vocês.

- Múúúúú. - disseram os presentes.

- Muito bem, vocês estão indo muito bem. Acho que nem precisarei usar isso. - e retira do bolso de sua calça uma espécie de chicote que estava enrolado, o desenrolando a vista de todos. Vendo a expressão de espanto no rosto dos clientes, Francis dá uma risada e emenda: - Fiquem calmos. Ele não machuca... muito. Não é de couro, é feito de um material que no máximo causará um pequena dorzinha que chega até a ser gostosa, acreditem, eu já experimentei, sem deixar marcas. - e continua: - Agora, se dispam.

Todos ficam parados por um momento.

O senhor bigodudo fica vermelho como um tomate e se apressa em dizer:

- Me desculpe dona, mas eu não vou fazer... - antes que ele pudesse terminar sua frase, é atingido certeiramente pelo chicote de Francis, dando um pequeno gemido de dor.

Mais que depressa, o senhor começa a se despir. Os outros ficam chocados para a cena.

- Vocês tem dez segundos. - anuncia Francis. - Dez, nove, oito...

Assustados, os presentes se despem rapidamente, largando suas roupas no chão.

- As roupas intimas também.

Ainda melindrosos, alguns não fazem o que foi pedido. Francis passa a mão pela cabeça e anda de um lado a outro balançando o chicote.

- Olha, me desculpem, mas vocês tem que entender que a partir desse momento devem abandonar seus personagens da vida real. Eu não quero saber se você é um executivo importante - disse mirando Yuri - ou um jovem desocupado. - disse mirando o rapaz do skate. - Agora vocês são apenas vacas. E vacas não usam roupas. - ela estala o chicote no chão. - Sete, seis...

O restante tira suas roupas íntimas, mas ninguém se atreve a olhar pras partes íntimas uns dos outros.

- Me sigam. - diz Francis. Eles andam por um caminho entre um milharal. - Esta é minha fazenda. Minha fazenda, minhas regras. Lembrem-se disso.

O grupo seguia obediente. O senhor bigodudo tremia ao lado de Yuri, ainda assustado pela chicotada. O grupo anda umas centenas de metros, pelados, até chegarem a uma espécie de pasto rodeado por uma cerca. Não havia nada além de grama cortada, mato e algumas pequenas flores selvagens que insistiam em nascer, mesmo sendo impiedosamente arrancadas de tempos em tempos.

- Bem vindos a nova casa de vocês. - anuncia Francis, com um grande sorriso, fechando a porta da cerca assim que todos já estavam dentro do perímetro do pasto. - Vamos passar para a fase número dois. Agora, vocês devem andar engatinhando. - antes que alguém resolvesse se manifestar, emenda, parecendo falsamente preocupada enquanto olha para o céu: - Puxa, que pena! Parece que vai chover hoje. - em seguida, se dirige as pessoas. - Engatinhando, agora! - estala seu chicote no chão.

Mais que depressa, todos obedecem.

- Sintam um pouco o terreno. Andem por ele, cheirem as flores, o mato e a grama. E lembrem-se, nenhuma palavra. Daqui a pouco eu volto. Vou preparar um chimarrão. Até mais tarde. - e se retirou.

Aos poucos, cada um foi se mexendo. Os joelhos de Yuri já começavam a doer em menos de cinco minutos se rastejando pelo pasto.

- Múúúúú. - disse a senhora de bochechas vermelhas, que havia ficado pra trás do grupo que começava a se espalhar pelo lugar.

- Múúú? - perguntou o senhor do bigode, claramente preocupado com ela.

- Mú, mú, mú. - ela respondeu, e deu um sorriso que demonstrava que estava bem. Ele se juntou a ela.

"Isso não tá certo, a onde eu fui me meter?", se questionava mentalmente Yuri, olhando em volta para aquelas pessoas nuas se rastejando pelo chão.

Após uns quarenta minutos, Francis retornou. Ela sentou-se por sobre uma das cercas que rodeavam o local e ficou observando. Em sua mão, uma cuia de chimarrão fumegante.

- Vamos. Se animem! Quero ver vocês se soltando. - ela gritou da cerca. - Não é todo dia que alguém tem uma oportunidade dessas.

Yuri parou de se rastejar e recostou sua cabeça no chão. E assim ficou durante alguns momentos, de olhos fechados.

- Mú, múúú, múúú.- ele mugiu quando deixou seu estupor. E começou a engatinhar de um lado a outro, freneticamente, mugindo para os outros. - Múúúúú.

Algumas pessoas começavam a entrar no clima. Uma das jovens mugiu de volta para ele.

- Múú, múúúú. - e cheirou uma das pequenas flores.

Ele fez o mesmo. Engatinhou até elas e as cheirou fortemente. Tinham um cheiro selvagem. Yuri gostou.

Um trovão se fez ser ouvido no céu. E logo, uma fina garoa começou a cair.

- Múúúúú. - alguém mugiu, como que comentando sobre a chuva.

- Mumumu, mumumu. - respondeu outro.

E assim o tempo foi passando. Quando chegou a hora do almoço, o estomago de Yuri começou a roncar. Ele olhou suplicante para Francis, que nem deu bola. "Lembrem-se, vocês são uma vaca. Ajam como uma.", pensou Yuri utilizando a voz de Francis em sua mente.

Aquelas flores pareciam apetitosas. Ele voltou a se aproximar delas. A senhora estava por ali. Ele tentou contato visual com ela, que correspondeu.

- Muú, muuú. - disse, olhando para as flores, em seguida para o rosto da senhora e passando a língua pelos lábios, enquanto levantava as sobrancelhas.

- Múúúúúú. - respondeu a senhora de volta, acenando com a cabeça que havia entendido. - Mú, mú, mú. - disse para ele.

Yuri entendeu aquilo como um mugido de encorajamento. Abriu a boca e fechou os dentes em volta de um pequeno conjunto de flores, as arrancando. Então, mastigou-as calmamente, como vacas deviam fazer. Sorriu durante o ato, pensando "Isso aqui está muito bom, ou melhor, mumumumumumumu".

Após bater o recorde de tempo em que uma pessoa deve mastigar uma planta, ele pega um novo pedaço. Outros, vendo o que ele estava fazendo, resolvem se juntar a ele. Uns com mais dificuldade e outros com menos, mandam pra dentro flores e matinhos presentes.

A chuva agora se intensificava, a as nuvens haviam escondido o Sol que estava esquentando os corpos expostos.

Yuri estava se sentindo criativo, virou a cabeça em direção ao céu e abriu seu bocão, deixando a água entrar pela garganta, afinal de contas teria de beber alguma coisa cedo ou tarde.

Ficou um tempão com a cabeça parada para capitar a máxima quantidade de água possível. Seus músculos estavam ficando cada vez mais doloridos. Novamente, os outros o imitaram.

Os dois mais velhos se encolheram perante a chuva, deitando no gramado. Os mais jovens continuaram a engatinhar pelo local. O movimento fazia seus corpos esquentarem um pouco.

Instintivamente, o corpo de Yuri se retorceu. Sua bexiga havia enchido e já começava a encher o saco dele pra ser esvaziada. De repente os pensamentos de Yuri foram inundados por isso, ele não conseguia se concentrar em mais nada, além da vontade de ir ao banheiro. "Será que eu aguento até o final do dia? Preciso aguentar!"

Francis havia ido e vindo várias vezes durante o dia, mas a maior parte do tempo passava ali, sentada na cerca os observando de longe.

O que ele deveria fazer? Se dissesse um "a", seria açoitado sem piedade por ela. Tentou se segurar, parou de engatinhar e ficou parado, com medo de passar uma situação vexaminosa.

Mais minutos foram passando, e Yuri se concentrando em retorcer a bexiga. A chuva cessou, e o céu novamente se abriu.

Yuri olhou em volta. Todas as vacas estavam menos agitadas do que de manhã, e algumas delas aproveitavam o céu claro pra tentar tirar um cochilo. Ele avistou um matinho a uma pequena distância, próximo dos dois mais velhos que pareciam tentar dormir naquele momento.

Seria ali que iria. Não aguentaria segurar suas necessidades até tão mais tarde.

Tentando parecer normal, ele se rastejou até lá. Já chegando começou a sentir odores tragicamente conhecidos. Se deu conta de que os dois mais velhos - o senhor bigodudo e a senhora de expressão sorridente - já haviam se aliviado ali mesmo. Eles os entendeu perfeitamente, e fez o mesmo, mas cuidou para que fosse atrás do matinho infame. Tampou sua pequena festa com barro, a fim de acobertar o cheiro desagradável.

Passado esse capítulo lamentável de sua vida, Yuri continua a fingir que é uma vaca. No entanto uma vaca um pouco envergonhada. Quando volta a checar as cercas, a fim de ver se Francis havia visto o que ele fez, ela não estava mais lá. Mas logo ela reaparece, com seu andar altivo, mas dessa vez ela não está sozinha.

Trazia consigo uma vaca - uma vaca de verdade.

- Pessoal, essa é a Gertrudes. - anunciou após trazer a vaca para dentro da cerca. - Vocês se comportaram muito bem até agora. Estamos entrando na fase três de nossa terapia. Gertudres é a mamãe de vocês e veio cuidar de vocês! - ela bateu as palmas das mãos uma vez. - E também alimentá-los! Fiquem tranquilos, que ela está limpinha.

- Múúú? - mugiu Yuri, desconcertado, tentando entender aquilo.

- Pois bem... - continuou sem se importar Francis, levando a vaca mais para o centro do pasto. - Se aproximem meus bezerrinhos!

O chicote estava a mostra. Todos novamente a obedeceram sem pestanejar.

- Mamãe está munida de leitinho quentinho e gostosinho para alimentar seus filhotinhos! Agora, um de cada vez, bebam!

Dessa vez, Yuri resolveu ir primeiro. Não queria tetas babadas de outras pessoas. Um pouco sem jeito, enfia a cabeça debaixo da vaca. Ela realmente parecia cheia, suas tetas pingavam. "Muitos caipiras devem fazer isso no dia a dia", refletiu Yuri, enquanto tentava se convencer de fazer aquilo. O chicote serpenteou e acertou em cheio sua bunda.

- Ai! - ele gemeu. E ganhou em troca outra chicotada. Dessa vez conteve o gemido humano e soltou um "Múúú".

Colocou a boca numa das tetas da vaca. O leite morno escoou fácil, e chegou a transbordar de sua boca. Ouviu palmas serem batidas.

- Muito bem. O primeiro bezerrinho já está alimentado. Agora, você! - disse Francis apontando para mais alguém.

Yuri saiu de debaixo da vaca e passou a acompanhar o show bizarro que se passava a sua frente, tendo certeza de que nunca vira algo tão estranho em toda sua vida, e que provavelmente nunca mais veria. Será que alguém acreditaria nele se ele contasse o que estava vivendo?

Com isso, a tarde ia chegando ao fim. Após todos beberem, e ficarem mais um tempo abandonados no pasto, Francis abriu a cerca e pediu para que, por uma última vez, todos fossem engatinhando até ela. Assim que todos passaram pela cerca, Francis pediu para que se levantassem.

- Foi muito bom passar esse dia agradável com vocês, meus amores! Agora vou os conduzir para um vestiário a onde poderão tomar banho, e se arrumar de forma que fiquem apresentáveis como estavam quando chegaram aqui. Suas roupas estarão lhe esperando lá, sequinhas.

- Mú? - disse o senhor bigodudo, ainda com medo dos chicotes.

- Podem falar agora. Vocês já passaram pela experiência.

- Então acabou? Podemos ir embora?

- Sim, sim. A van estará esperando por vocês lá fora e partirá... - ela consulta o relógio. - em vinte minutos. Tempo suficiente para vocês se arrumarem.

Após fazerem o que Francis sugeriu, o grupo se junta novamente na entrada do sítio. Yuri se perguntou se teria valido a pena, ou se mereceria ter seu dinheiro de volta. Tudo que acontecera fora tão incrível que ele ainda não havia conseguido digerir tudo.

- Não acho que os verei de volta um dia, então, adeus! - disse Francis para o grupo.

As pessoas foram entrando na van. Yuri ficou por último propositalmente. Antes de partir, queria fazer uma coisa. E surpreender Francis com um abraço.

- Obrigado pela experiência. - disse ele, ganhando um sorriso amistoso, diferente dos que tinha visto até agora, em retribuição.

- Que isso. Fico satisfeita que você tenha gostado.

- Nunca vou esquecer disso. - disse ele, fitando a entrada do sítio. - Adeus.

No caminho de volta, as pessoas já estavam um pouco mais entrosadas entre si, e puderam trocar algumas palavras. Yuri se perguntou se um dia reveria aquelas pessoas , talvez na rua ou no supermercado. Todas tinham um segredo. Haviam sido vacas voadoras - cujo último adjetivo ele ainda não havia entendido o porque - por um dia.

De volta aquela recepção, a recepcionista questionou a todos, se havia alguém que gostaria de ter seu dinheiro de volta. Todos negaram, então, cada um seguiu seu caminho.

De volta em casa, saboreou como não fazia a tempos o jantar feito pela sua esposa e brincou de bonecos de super heróis com o filho.

Sentia que sua necessidade de aventura havia sido suprida, ao menos por um bom tempo, depois da experiência que passara, não obstante, estava ansioso para saber o que mais a vida lhe traria mais pra frente. Queria viver mais aventuras. Mas não agora. Seu pimpolho sorria pra ele, acreditando ter derrotado o super herói do pai que fingiu que o boneco caiu derrotado após a lutinha, com gritos de "Ohhh" e tudo.

Bruna Dmsk
Enviado por Bruna Dmsk em 07/10/2015
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