Aprendi com Dona Madalena

Morava na Vila Nivi, anos 60, as ruas eram de terra, em frente a minha casa ficava um terreno grande e abandonado, o mato crescia e nós crianças brincávamos de esconde-esconde no meio dele. Havia poucas casas, a da vizinha ao lado era a mais bonita, tinha até jardim, e ela nunca abria o portão e não deixava os filhos brincarem conosco lembro que minha mãe costurava e lavava roupas para ela.

Lembro também de nunca ter visto um sorriso no rosto daquela mulher... éramos nove irmãos e éramos muito pobres, nossa casa era a mais simples da rua, eu olhava por cima do muro dela e via na cozinha uma fruteira com bananas e laranjas, e pensava: Queria ser rica um dia para ter uma igual, na minha simples imaginação de menina ter frutas na fruteira era sinal de riqueza...

Mais na esquina morava a Dona Madalena, mulher de fibra, tinha três filhos, eu a admirava. Ela construiu um sobrado e abriu um bazar em baixo, nesta época eu tinha 12 anos e tomava conta da sua filha caçula... Um dia aconteceu um acidente com a dona Madalena e ela quase perdeu a perna, ficou em uma cadeira de rodas durante meses, e eu me tornei muito útil, era seu braço direito, ela falava de mim para as pessoas com muito carinho e orgulho...

Lembro dela me ensinando a encerar o chão da sala,“ passe a palha de aço com o escovão até tirar a cera velha”.

Aprendi que camisa social se esfrega o colarinho e o punho, (naquela época ninguém tinha máquina de lavar) esfregar meias, não misturar roupas brancas com coloridas e assim por diante...

Quando ela saia para ir ao hospital, eu atendia os clientes no bazar, como gente grande, eu adorava... Sete mil cruzeiros era o meu salário, isto ajudava minha mãe naquela época tão difícil... Ela era generosa comprava tecidos para minha mãe fazer vestido para suas filhas e comprava metros a mais para fazer para mim. Me levou muitas vezes para passear com sua família, dava dinheiro para eu ir a matinê aos domingos com seus filhos, e o melhor de tudo, deixava eu e meus irmãos assistirmos TV à noite na sua casa. Nunca a vi de cara feia...

Um dia eu a ouvi falando para a vizinha da frente, Dona Manuela, que me admirava muito e que eu seria uma grande pessoa... Nunca mais esqueci nem ela e nem a frase. Mudamos para o jardim Brasil, depois Ipiranga e nos perdemos de vista. Casei... Passaram-se dezenas de anos... minha mãe completaria 70 anos, meu marido (ótimo genro) quis fazer uma festa de arromba, com buffet, garçons, etc.... para comemorar o aniversário da minha mãe.

Na época eu morava em um imenso condomínio e ele queria todos os parentes e antigos vizinhos dela presentes, conseguimos achar quase todos, mas quando chegou a Dona Madalena foi um momento lindo... eu a abracei com uma emoção imensa e chorando ela me disse:

” Eu sabia que você seria uma grande pessoa... “

Walquiria
Enviado por Walquiria em 28/09/2016
Reeditado em 09/05/2018
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