O MASSACRE DAS CRIANÇAS

Antes dos MUNDOS PARALELOS ® entrarem em colisão...

Rhodesia, 1973.

–É um trabalho fácil; cavaleiros – havia dito o contratante, um homem careca de lábios grossos – se trata de exterminar esses nativos vagabundos que andam por aí, cheios de razão, com armas automáticas, incitando os peões à revolta contra os patrões e roubando gado.

–São em grande número? – inquiriu o coronel Schneider.

–Não sabemos. Seu número varia, pelo que achamos que devem ser vários grupos interligados. A última aventura deles foi na Fazenda Fredericks. Estupraram as mulheres, incluída a caçulinha de dois anos, que depois encontrei já morta. Antes de ir embora mataram todo mundo, cortaram os quadris do gado e desperdiçaram o resto.

–Capturaremos esses nativos – disse Schneider.

–Não capture. Não foi para isso que o chamei, coronel. Quero que os mate. Mate-os a todos! Entendeu? Eles não têm remédio. O senhor não sabe nem a metade do drama que se vive aqui!

–Muito bem – disse Schneider, olhando a chuva pela janela da enorme casa colonial – Procuraremos nos informar da situação e agir de acordo.

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O Massacre das Crianças.

Assim que terminaram de montar seu acampamento em Hartley, retirando barracas, jipes, armas e o helicóptero Alouette do amplo bojo do avião Hércules que lhes servia de base; os mercenários começavam a vestir-se com suas roupas de combate e armar-se, quando os vigias locais viram uma coluna de fumaça no horizonte.

–A fazenda Hooks! – disse um dos locais – Está sendo atacada!

–Aos jipes! – gritou Schneider –Bixby! Vá à frente com Gomes e Quayle!

Imediatamente seis jipes com trinta homens partiram a toda velocidade pela estrada poeirenta, e o helicóptero Alouette com Bixby nos controles, partiu por cima da coluna de veículos e logo tomou distância rumo à fazenda Hooks.

–Não os pegaremos, Herr Oberst – disse Wiessel pelo rádio no carro da frente.

–Ainda se ouvem disparos, Herr Hauptmann – disse o coronel Schneider desde o último carro – Não podemos ir mais rápido?

Não, não podiam. A fumaça dos incêndios já se podia cheirar. Quando chegassem; alguns dos mais novos vomitariam com o espetáculo da selvageria, e os mais velhos sentiriam um aperto no coração.

A Fazenda Hooks estava em chamas. O chão estava coberto de cadáveres de peões e serviçais nativos.

A senhora Hooks foi encontrada nua no celeiro, crucificada com pregos de três polegadas na parede de madeira. Tinha sido estuprada e amputaram seus seios.

Seu corpo ainda estava quente e sangrando.

As pequenas Wilma e Wanda de sete e oito anos, foram encontradas nuas perto da mesa da cozinha; degoladas no meio de um mar de sangue quente ainda, com seus genitais destroçados pelos sucessivos estupros.

O senhor Hooks foi trucidado com rajadas de Kalashnikov junto ao curral dos cavalos, de tal maneira que era apenas uma massa sanguinolenta. Pela quantidade de carregadores vazios, posteriormente foi calculado que levou quatrocentas balas de 7,62. Os mercenários não conseguiram pegar os criminosos que já estariam mimetizados no meio da selva. Quayle filmou tudo em super oito para mostrar em Hartley ao contratante.

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O Preço da Morte.

Ao dia seguinte, após ver o filme revelado às presas por Quayle dentro do mini-laboratório do Hércules, o contratante careca de lábios grossos passeava-se feito uma fera na sala de sua própria fazenda de gado de corte.

–Isto não pode continuar; senhor Schneider– disse irritado – foi a última vez!

–Para isso estamos aqui.

–Façamos o seguinte, coronel: pagarei um bônus de cem dólares por cada cabeça de revoltoso que vocês me trouxerem. Se for agitador branco, seja comunista russo ou “missionário” americano, que vivem incitando esses nativos, pagarei duzentos dólares. E se for de caçador furtivo, seja do país que for, pagarei quinhentos dólares cada.

–Fala sério? – quis saber Wiessel.

–Nunca falei tão sério, capitão. Esses nativos poderiam viver em paz com os colonos se o desejassem. Fizemos várias tentativas nesse sentido. Cada um de nós deu a eles meia centena de vacas e alguns touros. Rebanho considerável para eles. Ensinamos-lhes a criar e cuidar do gado, tirar leite das vacas, aproveitar o gado racionalmente...

–Mas...? – aventurou Schneider.

–Mas, uma vez sozinhos, deixam o gado pegar doenças, matam excelentes animais apenas para tirar os quartos traseiros e a língua... e quando ficam sem nada, voltam a roubar. E depois que vieram os agitadores comunistas que lhes dão armas e os treinam, resolveram que querem independência, para entregar este país de mão beijada aos soviéticos. Depois chegaram os “religiosos” americanos com contadores Geiger para buscar urânio e convenceram alguns a se revoltar; para entregar este país aos americanos que pretendem explorar urânio, petróleo, ferro, madeira... coisa que por outro lado os russos também querem.

–Entendo – disse Schneider – e quanto aos caçadores furtivos?

–Esses... Esses brancos desgraçados matam os elefantes, que protegem nosso gado dos leões que o comem, embora os revoltosos façam maior dano, já que os leões, pelo menos, comem os novilhos inteiros, sem desperdício.

O fazendeiro fez uma pausa e encarou o coronel:

–Pagarei cem dólares americanos por cabeça de revoltoso para enfeitar os paus da estacada da minha fazenda! Cem dólares!

–Tem lógica – disse Wiessel – Quando começarem a aparecer os corpos sem cabeça, eles vão ficar amedrontados...

–Ou não – disse Schneider.

–Nós somos os vilões – disse Sarrazin, que até aí tinha ficado calado.

E foi aí que Sarrazin tornou-se um vilão.

E talvez foi aí, também que Sotto também tomou o gostinho embriagador da morte. A partir daí, tornaram-se uma rotina os combates na selva e na pradaria. Não foram fáceis, mas compensadores em dinheiro e experiência.

Muita experiência para o que viria depois...

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Um Pouco de História.

Para compreender o que estava acontecendo em 1973 na Rhodesia, hoje Zimbawe, é preciso; neste século XXI, tão politicamente correto; pegar os livros de história.

Na época, uma minoria branca governava a antiga colônia inglesa. O chefe de governo era Ian Smith, que no fim do século XX foi líder da oposição no congresso no atual Zimbawe.

A Black Legion havia sido contratada especificamente para lutar na fronteira da Rhodesia com Bechuanaland, hoje Botswana, contra os nacionalistas nativos que com armas e apoio logístico e ideológico soviéticos; começavam a hostilizar os latifundiários brancos.

Para tal, “conselheiros” soviéticos doutrinavam e armavam as tribos semi-selvagens, e, aproveitando sua natural selvageria; incitavam-nas a atacar as fazendas com a maior crueldade possível para provocar terror.

Outros “conselheiros”, desta vez menos violentos, eram os “reverendos” protestantes ou batistas, que vinham de Estados Unidos para transformar em cordeirinhos as tribos selvagens com a utopia da religião, e ao mesmo tempo fazer prospecção de minério de ferro, ouro, petróleo, urânio, cobre e manganês.

Ambos tipos de “conselheiros” embora com métodos diametralmente opostos; tinham o mesmo propósito maquiavélico: fazer que os nativos derrubassem o governo branco, que mal que mal, mantinha o país funcionando; para poder tomá-lo com mais facilidade depois.

Se, em 1973, esse país fosse cair tanto sob a órbita de Moscou, como nos braços capitalistas de Wall Street, isso era apenas uma questão de semântica, já que o capitalismo e o comunismo são os dois lados da mesma moeda falsa.

A tudo isto se somava outro problema, o do contrabando de marfim pelos caçadores furtivos sul-africanos, ou de diversas outras nacionalidades, que matavam os elefantes, provocando um desequilíbrio ecológico que redundava em prejuízo aos criadores de gado, já que os paquidermes conviviam pacificamente com os bovinos, impedindo a aproximação de leões e leopardos.

Com menos elefantes, os felinos aproximavam-se com facilidade das fazendas, devorando os ruminantes.

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Nos dias que se passaram, os mercenários tiveram muito trabalho. Quanto mais avançavam para o oeste; mais perigosa tornava-se a caçada humana. Os atacantes da Fazenda Hooks fugiram a pé até as proximidades de Matabele, onde pretendiam repetir a mesma façanha, mas foram detectados pelos tripulantes do Alouette e tiveram violenta refrega. Ao tempo em que Bixby comunicava sua posição, os colegas metralhavam o inimigo e jogavam granadas do alto, para dar tempo ao pessoal dos jipes para chegar e tomar posição.

Os revoltosos estavam costumados a atacar indefesas fazendas com mulheres, crianças e poucos homens, alguns empregados nativos medrosos, e velhos.

Eles, que tinham medo até de suas próprias armas e fechavam os olhos virando o rosto para um lado ao apertar o gatilho; hoje, por primeira vez enfrentavam matadores treinados que os amedrontavam com suas roupas, armas, granadas e gritos de batalha.

Alguns fugiram apavorados, mas foram dizimados pelas armas dos mercenários. Ao dissipar-se a fumaça, sessenta e três corpos de nativos estavam espalhados pela mata rala da savana.

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A notícia espalhou-se nos meios rebeldes de boca em boca: os corpos dos sessenta e três atacantes da Fazenda Hooks foram encontrados empalados de pé na savana e sem cabeça. As cabeças tinham desaparecido.

–Seis mil e trezentos dólares que pago com prazer – disse o contratante – belos enfeites para a paliçada da minha fazenda. Ficaram bonitos.

–Viu as fotos? – perguntou o coronel Schneider.

–Adorei a idéia de empalar os malditos pelo rabo e deixá-los em pé sem cabeça.

–Obrigado – disse Sarrazin – Copiamos a idéia de um conde romeno. Ele os deixava morrer aos poucos, mas nós precisávamos as cabeças e não podíamos esperar...

–Deu um pouco de trabalho e perdemos bastante tempo nisso – disse Schneider.

–O tempo foi bem empregado – disse o contratante – agora vão pensar duas vezes antes de atacar uma fazenda.

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A Rotina dos Matadores.

Agora os mercenários se dividiam em grupos ao longo da rota entre Matabele e a fronteira, com intuito de cobrir mais território, cujo limite ia sendo demarcado com corpos decapitados e empalados de pé.

Pouco a pouco o inimigo era empurrado para a fronteira, limpando o território de Matabele.

Uma noite, acampados perto de Gwai, em Matabele, alguns estavam sentados perto do fogo, enquanto outros faziam guarda e outros dormiam nas barracas individuais. De repente uma flecha cravou-se na perna de Wiessel. Imediatamente voaram outras flechas causando dispersão do grupo em torno à fogueira.

–Separem-se! – latiu Schneider – Não apresentem alvo!

Sarrazin que estava dormindo acordou com o grito e deslizou para fora da barraca com a arma engatilhada.

–Mas onde eles estão? – disse Antônio, o português.

Como resposta ouviu-se um tiro de Máuser e Antônio desabou no chão.

Viktor Grigorenko pegou a pesada M-60 com a mão direita e a fita de balas com a esquerda, e começou a varrer a redondeza, gritando como um possuído aos camaradas para que se atirassem ao chão. Do mato veio uma rajada de Kalashnikov.

–Sarrazin! Grigorenko! Pela direita! – gritou o coronel Schneider – Sotto! Argot! Pela esquerda! Os outros comigo pelo meio! Quayle! Fique com os feridos!

Os mercenários espalharam-se pelo mato ralo atirando em leque. Logo veio a resposta de gritos de agonia, corpos caindo e passos fugindo espavoridos mata adentro. Grigorenko atirou nessa direção até derrubá-los todos e Sarrazin foi atrás do rasto de sangue. Ainda havia dois vivos que rematou imediatamente com sua pistola.

Em cinco minutos estava tudo acabado. Argot acendeu uma tocha de magnésio para ver o saldo: oito inimigos mortos. Do lado dos mercenários apenas dois feridos leves: Antônio com uma bala de raspão no ombro direito e Wiessel com uma flechada na coxa esquerda, sem muita gravidade embora devesse ser tratada para evitar infecção.

–Oito cabeças! – exclamou Argot enquanto decapitava os cadáveres – Merde! Apenas oitocentos dólares!

–Tem mais oito lá adiante, – disse Sarrazin.

–Merde! Apenas mil e seiscentos dólares.

–Ces´t la vie, mon ami – disse Sarrazin – et ces´t la guerre!

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Próximo: CÃES DE GUERRA

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O conto O MASSACRE DAS CRIANÇAS - forma parte integrante do romance inédito HISTÓRIA DE MARTIN ® – Volume I, Capítulo 5; páginas 38 a 41.

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 24/12/2016
Reeditado em 14/02/2020
Código do texto: T5862319
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