Ginástica

Niels Bukh foi recebido pelo embaixador alemão na Dinamarca, Cecil von Renthe-Fink, não com a Saudação de Hitler, mas com um caloroso aperto de mão.

- Herr Bukh! Folgo que tenha atendido meu convite tão rapidamente!

- Estou, como sempre, ao serviço do Reich, senhor embaixador - respondeu modestamente o homem de bigode fino e modos suaves.

O embaixador indicou-lhe uma cadeira estofada à frente de sua ampla escrivaninha de mogno. A conversa transcorria no escritório de von Renthe-Fink, em Copenhague.

- Como talvez já esteja a par, o seu nome foi indicado para a Ordem do Mérito Olímpico... não somente pelo seu trabalho na organização das Olimpíadas de Berlim, é bom que se ressalte...

Bukh exibiu uma expressão de agradável surpresa, embora, certamente, já desconfiasse do motivo que o fizera ser convocado à embaixada da Alemanha.

- Sinto-me deveras honrado, senhor embaixador. Será um motivo de orgulho para mim poder receber este prêmio... de suas mãos, espero.

Von Renthe-Fink tergiversou, ajeitando os óculos de aros redondos.

- Bom... não sei se será ou não pelas minhas mãos, Herr Bukh... não que isso tenha real importância, naturalmente. O prêmio, e a razão de sua outorga é que importam. O Führer está realmente encantado pelo seu método revolucionário de ginástica, e a ideia é que ele seja utilizado para aprimorar a forma física da Raça Nórdica, que, como sabemos, é a única que realmente importa...

- Naturalmente - concordou Bukh.

- Assim sendo, temos planos para estender os seus métodos a todas as nações que no futuro vierem a integrar o Reich... de um jeito ou de outro... e cujos integrantes forem classificados como sendo da Raça Nórdica.

- Muito justo. Mas já temos uma rede de escolas e professores credenciados a aplicar o nosso método de condicionamento físico no Reich... como pretendem ampliar isto ainda mais?

O embaixador abriu uma pasta de cartolina que estava sobre a escrivaninha. Dentro dela, um relatório datilografado. Ajeitou os óculos e voltou-se para Bukh.

- Já ouviu falar em Oswaldo Diniz, Herr Bukh?

A expressão vazia do dinamarquês já era resposta suficiente, mas ele respondeu ainda assim:

- Não, senhor embaixador.

- É um brasileiro, Herr Bukh, formado em educação física. Nossa embaixada no Rio de Janeiro nos mandou um relato muito interessante sobre as atividades deste senhor. Acredite, Herr Bukh: ele dá aulas de ginástica pelo rádio.

- Ginástica... pelo rádio? - Repetiu atônito Bukh.

- Isso mesmo. Todos os que possuem um rádio podem ouvir as aulas e realizar os exercícios em suas casas.

- Mas... como podem saber como são esses exercícios, se o rádio não tem imagem?

O embaixador deu uma risadinha.

- Tenho que admitir, Herr Bukh, esses brasileiros são ardilosos. Esse Diniz certamente deve possuir uma dose de sangue ariano para surgir com uma ideia tão boa... pois, as instruções ilustradas para realizar os exercícios, são vendidas em bancas de jornal. Você compra, e já pode começar a aula de ginástica no dia seguinte!

- Fantástico! - Murmurou Bukh, começando a vislumbrar o mundo de possibilidades que se abria à sua frente.

- O Führer provavelmente irá querer conversar pessoalmente com o senhor, Herr Bukh, sobre os planos dele para a concretização desta futura rede de rádio para a boa forma física dos nossos jovens.

A mente de Niels Bukh flutuava num universo distante e luminoso. Dezenas, centenas de corpos masculinos, jovens, realizando movimentos ritmados ao som da voz dele, Niels Bukh, o suor escorrendo pelos músculos torneados, respirações ofegantes. Sentiu um nó na garganta, os olhos úmidos.

- É lindo de se imaginar, senhor embaixador... é lindo... - murmurou.

Von Renthe-Fink focou nele os olhos míopes, tentando inutilmente imaginar o que estaria se passando por trás daqueles olhos sonhadores.

- [05-09-2017]