A tenda vermelha

Keren estava em meio à sua rotina diária de moer grãos no almofariz, quando começou a sentir cólicas. Ergueu-se do banco onde estava, assustada, e voltou-se para a mãe, Zilpa, que estava sentada à sua frente, costurando uma túnica do marido.

- Mãe... estou sentindo uma dor esquisita... no pé da barriga!

A mãe largou a túnica e olhou em redor. As duas estavam sós, sob o telheiro que sombreava a frente do pátio interno da casa de Tidhar ben Yarden, pai de Keren e marido de Zilpa.

- Calma, filha... vamos entrar...

E fez um gesto para que a acompanhasse ao aposento que as mulheres solteiras da casa ocupavam. No momento o quarto estava vazio, pois todas estavam no campo auxiliando na colheita. Apenas Keren, por ser a caçula, ficara em casa, dividindo as tarefas com a mãe. A garota ficou ainda mais nervosa quando a mãe ajoelhou-se à frente dela e ergueu-lhe o vestido até a cintura, deixando o "sadin" (a anágua) de linho à mostra. E nela, a confirmação: uma nódoa vermelha.

- Filha, você entrou no "niddah"! - Exclamou Zilpa radiante, abaixando o vestido da filha e erguendo-se para lhe dar um abraço.

- E isso... é bom? - Indagou Keren, presa nos braços da mãe.

A mãe afastou-se dela e a encarou, segurando-a pelos ombros.

- Significa que agora poderá ter seus próprios filhos! Casar!

Algo diferente pareceu passar pela mente da garota.

- E também vou ter que ficar presa no quarto por uma semana inteira?

- Sim... faz parte do ritual... - admitiu a mãe, mordendo os lábios.

- O que foi, mãe?

- Vou ter que chamar suas irmãs ou ninguém vai comer nessa casa hoje... você está impura e eu também, já que te toquei.

- Mãe! Vamos ficar as duas aqui no quarto, sem precisar trabalhar? - Exultou Keren.

Zilpa riu.

- Que seu pai não ouça isso! Mas antes...

Dirigiu-se à uma arca de cedro e dela retirou algumas faixas de linho enroladas, que entregou à filha.

- Você já me viu e às suas irmãs colocando isso... mostre que sabe como fazer.

- Na sua frente?

- Preciso ver se vai prender direito... não quer marcar com sangue todos os lugares onde se sentar, quer?

Keren suspirou, e prendendo o vestido e o "sadin" na cintura, vestiu uma das faixas como fralda, usando outra como absorvente entre as pernas. Recebeu o olhar de aprovação da mãe.

- Isso mesmo, fez direitinho... e agora, fique aqui que vou chamar a sua tia Reshit para ficar contigo enquanto vou até o campo.

- Está bem - aquiesceu Keren, sentando-se em sua cama.

* * *

Reshit - que morava próximo dos Yarden - chegou pouco depois. Parou na porta do quarto, encarando a sobrinha com um sorriso.

- Depois do "niddah" eu lhe dou um abraço... mas parabéns, Keren!

A interpelada, que havia se erguido da cama, voltou a sentar-se um tanto decepcionada pela distância ritual, mas respondeu de forma protocolar:

- Agradecida, tia!

Reshit, que devia ter cerca de 35 anos de idade, embora vários fios brancos já pontilhassem sua cabeleira negra, sentou-se em outra cama em frente à sobrinha.

- Sua mãe já deve ter adiantado o assunto e você é uma garota inteligente... já percebeu que seu status aqui vai mudar, não é?

- Casamento e filhos... - Keren lançou-lhe um olhar dúbio.

- Necessariamente nesta ordem - disse Reshit muito séria, embora com um brilho de diversão no olhar.

- E há algum caminho que não seja esse, para uma mulher? - Questionou Keren, também muito séria.

- Não há muitas opções meritórias em Israel, mesmo para as filhas dos reis, ou especialmente para estas... exceto...

- Exceto?

- Talvez eu possa lhe conseguir uma colocação como aprendiz de parteira.

Keren franziu a testa.

- Significa que vou passar o resto da vida cuidando de mulheres que vão dar à luz?

- Analise por outro ângulo, sobrinha: significa que, mesmo depois que se casar, vai ter uma atividade independente do seu marido. E, provavelmente, vai precisar de servas para cuidar das tarefas de casa. Ah, e parteiras são remuneradas pela sua atividade... embora nem sempre em dinheiro, claro.

Subitamente, com o "niddah" um mundo novo parecia abrir-se diante de Keren.

- Keren bat Tidhar, parteira - disse ela em voz alta, experimentando a sonoridade das palavras.

E sorrindo para Reshit:

- Tia! Eu gostei disso!

- As palavras têm poder! - Exultou Reshit, juntando as mãos.

- [21-01-2018]