A refrega

Eu estava de guarda, na madrugada de 13 de novembro, sexta-feira, quando soou o alarme.

- Japoneses, vamos! - Gritou o sargento O'Halloran, ao passar pela guarita dirigindo um jipe. Eu e mais dois companheiros, Spencer e Travis, pulamos no veículo e o sargento arrancou conosco pela estrada de terra que levava à praia, faróis baixos, que a noite de lua nova estava escura como breu, céu encoberto.

- Onde estão, sargento? - Indagou Travis.

- Foram pegos pelo radar na altura da ilha Savo - explicou O'Halloran, olhos fixos na estrada. - Sabemos o que eles querem...

Sabíamos. O campo de pouso Henderson, que havíamos tomado deles alguns meses antes. Os japoneses não deviam estar nada satisfeitos, dada a importância estratégica do mesmo. E agora, chegavam com uma força de tamanho desconhecida, numa sexta-feira, 13, de madrugada, escuridão total. Me benzi e beijei o crucifixo que minha mãe havia me dado antes de partir de Bristol.

A viagem foi rápida. Paramos atrás de alguns caminhões de transporte que já estavam ali, desembarcando tropas, e o sargento procurou o tenente Caldwell, responsável pelas defesas na praia.

- Sargento O'Halloran e sua patrulha apresentando-se, senhor!

Rápida troca de continências.

- Sargento, pegue seus rapazes e vá dar uma olhada do alto do morro. Precisamos saber quantos barcos os japoneses possuem e se estão vindo em nossa direção. E, principalmente, se possuem lanchões de desembarque!

O'Halloran olhou em torno, para a linha da praia fracamente iluminada pelos faróis dos caminhões.

- Se vieram desembarcar, vamos ter dificuldades... não estamos nem de longe com nossa força máxima.

- Exatamente por isso quero que vá para aquele morro e me transmita informações precisas pelo rádio! - Exclamou o tenente.

- Sim senhor, estamos indo! - O'Halloran prestou continência.

- Dispersar! - Ordenou o tenente.

Começamos a subir a trilha do morro - na verdade uma colina de pouco mais de 400 m de altura - à luz de lanternas, eu carregando o rádio portátil como se fosse uma mochila (era um Motorola SCR-300, pesando uns bons 14 kg). Cerca de 20 minutos depois, chegamos à posição de observação de onde poderíamos descortinar o Estreito Indispensável. Poderíamos, pois não era possível enxergar nada na noite escura, mesmo com binóculos.

- Maldição! - Grunhiu o sargento. - Se estivéssemos dentro de um barril de pixe, não seria mais preto do que isso aqui!

- Sargento, se os japas não enxergam no escuro, vão ter que acender as luzes em algum momento - ponderou Spencer.

- Talvez quando já estiverem com as facas nas nossas gargantas - atalhou Travis de modo lúgubre.

O rádio deu sinal de vida. O sargento pegou o fone e inicialmente ouviu-se apenas estática.

- O'Halloran. Sim, tenente, acabamos de chegar e estamos nos posicionando... bom, está tudo preto!

Neste instante, ouviu-se uma explosão vinda do mar. Nos viramos todos para a direção do som.

E em seguida, na noite escura, os portões do inferno foram abertos, com a noite sobre o Estreito sendo rasgada por holofotes, rajadas de balas traçantes e explosões alaranjadas. Estávamos à quilômetros de distância do confronto, e mesmo assim, os disparos dos canhões navais eram perfeitamente visíveis.

- Está ouvindo, tenente? - Indagou o sargento, fone em uma das mãos, binóculo na outra. - Nossos barcos se engajaram em combate com os japoneses, mas daqui é impossível dizer quem é quem, estão todos misturados, uma confusão dos diabos!

Como soubemos na manhã seguinte, a frota de defesa encontrara os atacantes já muito próximos da ilha Savo, e ambas as partes haviam perdido minutos preciosos decidindo o que iam fazer, já que, na escuridão, era impossível calcular o tamanho da força adversária. Quando finalmente decidiram abrir fogo um contra o outro, foi praticamente à queima-roupa. A troca de chumbo durou cerca de 40 minutos, onde, pelo menos não notamos nenhum grupo de lanchões de desembarque dirigindo-se à praia. E, mais estranhamente ainda, após nos ter infligindo baixas significativas (perdemos 2 cruzadores e 4 destróieres), os atacantes simplesmente bateram em retirada, ao abrigo da escuridão.

- Estão fugindo, tenente! - Transmitiu o sargento O'Halloran pelo rádio.

A ordem recebida foi de manter a posição e continuar observando até o amanhecer do dia, quando os aviões de reconhecimento poderiam ser lançados. E assim o fizemos. Finalmente, pude me sentar e comer alguma coisa.

- Melhor aproveitar e descansar enquanto podemos - observou o sargento. - Os japoneses não vieram só para apreciar a paisagem.

E, ao olhar para o alto, no céu escuro, vi pela primeira vez na noite, uma estrela entre as nuvens. Parecia, finalmente ser um sinal de boa sorte.

E era.

- [24-01-2018]