Desastre natural

O gendarme saiu da chefatura de polícia para fumar um cigarro e tomar um pouco de ar, na noite abafada do Caribe. Soprava vento do mar, mas o fedor de enxofre o fez virar-se na direção do vulcão. Contra o céu escuro, o topo da montanha estava iluminado de vermelho. Uma visão particularmente assustadora, pensou; quase como se as portas do inferno estivessem abertas, e os demônios trabalhando em horas extras...

Pela rua deserta, um homem negro, cerca de 30 anos de idade, aparentando ser um dos muitos trabalhadores das plantações locais, veio caminhando em sua direção. Parou a cerca de dois metros de distância do gendarme e o cumprimentou:

- Bonsoir, gendarme.

- Bonsoir...

- Eu vim me entregar - prosseguiu o homem.

- Você, quem é? - Indagou o policial.

- Louis-Auguste Cyparis.

- Cyparis... sim, você está sendo procurado como fugitivo - recordou-se o gendarme. - E, já que está se entregando, espere eu acabar de fumar meu cigarro; depois, eu o conduzo até o comissário.

- Está bem... ei, não pode me dar um cigarro?

O gendarme franziu a testa, mas depois puxou um Gauloises do maço e acendeu-o no seu próprio cigarro antes de entregá-lo à Louis-Auguste. Este deu uma tragada com ar de satisfação.

- Merci, gendarme... muito gentil de sua parte.

- Je vous en prie.

E depois de soltar uma baforada:

- Por que resolveu se entregar? Não sabe que vai para a solitária?

Louis-Auguste balançou a cabeça, afirmativamente.

- Imaginei isso... bom, acho que é a coisa certa a fazer. Não quero ficar devendo à justiça.

O gendarme continuou a fumar em silêncio, enquanto pensava naquelas palavras.

- Vamos - disse finalmente, jogando o toco de cigarro no chão e o esmagando sob o tacão da bota.

* * *

- As instalações não são das mais confortáveis, mas temos que ter certeza de que você não vai à parte alguma - observou sardonicamente o carcereiro ao trancafiá-lo na solitária.

Louis-Auguste olhou em torno. A cela mais parecia uma casamata, com teto curvo e paredes de pedra. Havia uma única abertura de ventilação, uma grade estreita sobre a porta. Quando o carcereiro retirou-se, levando consigo a única fonte de iluminação, ele deitou-se no catre, preso à parede por duas correntes de ferro e ficou um tempo de olhos abertos, imerso na escuridão. Por fim, adormeceu.

Acordou na manhã seguinte, quando o carcereiro abriu a porta para lhe entregar o desjejum: chá e pão seco.

- Os brioches estão em falta - ironizou.

- Merci - respondeu Louis-Auguste, sem se abalar.

A porta fechou-se novamente e ele começou a comer. Estava terminando, quando o chão tremeu. Depois, um estrondo, como um trovão abafado, e tudo ficou escuro. Gritos. Um calor insuportável que parecia queimar o próprio ar. E um fedor sufocante de enxofre.

Desmaiou.

* * *

- A cidade foi queimada praticamente até o chão - escreveu em seu diário pessoal o responsável pelas equipes de busca, após retornar das ruínas ainda fumegantes de St. Pierre. - É extraordinário que um homem tenha conseguido sobreviver a este inferno.

Louis-Auguste Cyparis, efetivamente, foi o único sobrevivente da erupção do monte Pelée dentro dos limites da cidade, unicamente por causa de sua localização "privilegiada" no momento da catástrofe. Mesmo tendo sofrido graves queimaduras, suportou quatro dias trancado na solitária até que as equipes de resgate o socorreram.

Após ser perdoado de seus crimes, Cyparis excursionou pelos EUA com o circo Barnum & Bailey, o primeiro negro a participar do "maior espetáculo da Terra", sendo visto pelos espectadores numa réplica de sua cela em St. Pierre.

- Me entregar à polícia, foi a melhor coisa que eu poderia ter feito na vida - relembrou ele, anos mais tarde. - De fato, posso afirmar que isso salvou a minha vida.

- [28-01-2018]