Era de I’gruk

Os insetos sempre me chamaram a atenção, a disciplina da colônia é algo muito determinado desde o nascimento da criatura, cada qual nasce já com seu cérebro desenvolvido, e mesmo com pequeno corpo começa já desde cedo traçar sua função. O determinismo de sua vida leva seu fator biológico em conta para tanto, mas existe uma possibilidade que sempre me agradou de imaginar – acredite, não participei disso, apenas assisti esperando que acontecesse naturalmente.

Minha história é sobre I’gruk, um inseto que nasceu na quando a colônia estava no auge, porém, seu rei, a mente coletiva, estava para falecer e nenhum outro inseto com as características biológicas havia nascido ainda para se colocar em seu lugar. Lembro-me com empolgação quando vi esse pequeno inseto negro com os pequenos olhos vermelhos pomposos.

Ele não guinchou ou chorou no nascimento, seu intelecto era avançado e tinha a habilidade de mente coletiva que a colônia tanto precisava, ele foi posto para ser criado dentro do berço nobre, ao lado de rei, contudo, todos o temiam. Jovem de poucas palavras, não indagava, não falava, não discutia, apenas mandava e todos obedeciam, mesmo não gostando eram obrigados, seus cérebros agiam para servir aquela mente.

Perto de sua morte, o rei começou a perder seu tom avermelhado nos olhos assumindo um claro cinza. Ele sentia o leito afofado começando a abraçar-lhe, como numa sensação extra-sensorial percebeu a morte o acolhendo, olhou para o lado e viu um servo curvado, usava roupas cinzas com tons dourados, mas não o reconheceu entre tantos servos fieis:

- Servo, traga-me agua. – Sussurrou ele como fez por toda sua vida, mas o servo não o respondeu.

A habilidade da mente coletiva nunca havia falhado, agia como controle mental, as vezes não era necessário nem mesmo palavras, apenas a vontade era o bastante. Pela primeira vez o rei sentiu o que era não ser rei. Entendeu que o poder do jovem I’gruk era superior ao que ele nunca sonhou.

O rei morreu com um sorriso estranho no rosto, parecia prever grandes coisas do jovem poderoso I ‘gruk. Pena que ele não entendia a verdadeira natureza desse que tanto me deixou interessado.

Todos os insetos, como já disse, nascem com suas funções determinadas desde o nascimento, o corpo era desenvolvido dentro dos ovos dependendo das necessidades da colônia. Ou seja, um mago, um guerreiro, um construtor, uma mente coletiva ou qualquer função surgem no momento correto, e desde pequenos seus cérebros nascem desenvolvidos, sabendo falar como adultos e desempenhar funções desde muito cedo.

I’gruk nasceu com olhos vermelhos, desta forma, todos entenderam que ele era a mente coletiva, ao fazer ordens todos obedeciam pelo instinto primitivo da colônia. Contudo apenas o próprio I’gruk entendeu algo importante do seu nascimento, alguma mutação ocorreu, algo que nunca tinha acontecido antes.

No mesmo dia em que o rei morreu o ritual de coroação foi feito, os insetos não são muito sentimentais e lidam com a morte de forma mais natural que as outras espécies. Dois magos Insetos, ambos de cor negra, como são identificáveis trouxeram o báculo real, símbolo de controle e poder na colônia e ao se ajoelhar entregaram-no para I’gruk que estava em meditação em sua sala real. Apenas com um abanar de um dedo deixou claro que o báculo fosse colocado no chão, ambos magos obedeceram sem nunca mostrar desrespeito.

O poder de controle da mente coletiva sempre fora um grande trunfo dos insetos, o mais poderoso deles conseguia controlar qualquer inseto dentro de seu castelo, contudo, I’gruk, era diferente, enquanto estava meditando atingiu a competência de controle de toda a colônia com facilidade.

Ele vivenciava a vida de cada inseto vivo dentro dos muros da colônia. Naquela mesma noite ele se levantou da meditação para olhar a noite de sua varanda, pegou o báculo e admirado com a vastidão de suas próprias capacidades levantou seu olhar para as estrelas com anseios e angustias.

Seu povo era o poderoso e ele mais que qualquer acabara de vivenciar cada qual. Sabia dos problemas a se enfrentar, e ao entender que nenhum outro rei conseguira atingir uma totalidade tão grande entendeu que sua função não era a mesma de qualquer mente coletiva, mas sim, ele deveria ir além.

Durante sete dias e sete noites, I’gruk, ficava em plena meditação, nunca perturbado era alimentado apenas com líquidos levados por seus melhores magos. Nenhuma palavra era proferida, mas toda a colônia trabalhava e seguia suas ordens.

Entenda, ele estava em total controle de milhões de seres numa sintonia impossível de se imaginar mesmo para alguns Deuses, era admirável, mas sua vida corria risco todos os dias. Mesmo em fase adulta, ele atingia a altura de cinco metros e seu corpo se tornara encouraçado e poderoso, nenhum mago inseto tinha tanta capacidade quanto ele. Ao viver na pele de cada ser ele adquiria suas habilidades também se tornando um ser totalmente mutável.

Em quatro anos de meditação constante a colônia se tornara a mais poderosa de seu período, não existia violência, discussões ou qualquer intriga, todos trabalhavam meticulosamente e se reproduziam aumentando cada vez mais o poder dos insetos. A fome foi erradicada rapidamente e mesmo a economia se desenvolveu de forma absurda ao manter comercio de alimento com vários povos.

Tamanho desenvolvimento não poderia passar batido pelos povos vizinhos, muitos homens lagartos, enquanto na miséria, viram aquilo como uma chance de sobreviver. Milhares começaram a viver envolta dos insetos, nas margens dos muros, tentando de alguma forma se aproveitar ao menos de um mínimo resquício de tamanha fartura daqueles insetos.

Após quatro anos finalmente I’gruk se levantou de sua meditação, era uma manhã e o sol bateu-lhe forte, porém, toda sua polpa de poderoso rei parecia enfrentar o sol e vencer. Cada passo dele se direcionando para as portas dos castelos era acompanhada por som de joelhos ao chão. Mesmo sem seu poderoso controle era incomparável o crescimento daquele povo em tão pouco tempo, até mesmo assustador.

Ele se direcionou até os muros da poderosa colônia, três gigantescos insetos o seguiam, um mago, sendo seu guardião e braço direito e os dois melhores guerreiros entre os insetos, ambos encouraçados e mesmo assim com armaduras brilhantes e cada qual com uma gigantesca espada de duas mãos.

Ao subir no muro ele teve a visão dos homens lagartos que espantados apenas se ajoelharam como se seus crebros recebessem aquela ordem. Os olhos de I’gruk passaram por todos aqueles homens e antes que qualquer tivesse alguma reação vários insetos começavam a alimentar aqueles que estavam prestes a morrer de forma.

Aquele estranho ato de bondade de I’gruk logo foi espalhado para todos os povos, e em poucos dias todos que passavam fome, ou até mesmo alguns guerreiros que simpatizaram com o ato do monarca, começaram a se agrupar em tono dos muros da colônia. Alguns até mesmo iniciaram religiões, como se o líder inseto fosse uma divindade vinda para salvar os pobres.

Sem falta todas as semanas eles eram alimentados. Sem falta todas as semanas I’gruk surgia nos muros e passava seus olhos por cada ser vivo enquanto todos se ajoelhavam rapidamente em respeito.

Diversos reis começaram a se incomodar com tanto respeito e atenção que aquele ser recebia, porém, era impossível naquele momento um ataque, mesmo com vários aliados. Atacar os insetos era enfrentar diversos guerreiros poderosos envolta da colônia e depois ainda lidar com um poderoso líder que começara a se tornar uma lenda que ninguém sabia até onde suas capacidades poderiam chegar.

Cada ano que se passava os muros da colônia começavam a se tornar mais cheios. Apesar de I’gruk sempre surgir pontualmente com seus olhos agressivos, ou mesmo que o alimento sempre fora dado nos mesmos horários e dias, os povos começavam a brigar entre si, o pouco espaço para viver e até mesmo o constante cheiro de fezes incomodava até mesmo os seres com maior deficiência de olfato.

Alguns, cansados daquele tipo de viva tentaram desistir, mas sempre quando chegavam próximos a colina desistiam e retornavam. Todas as semanas eles pediam clemencia a I’gruk para que ele os deixassem entrar na colônia e viver com os insetos, porém, ninguém nunca ouvira sua voz, apenas aqueles olhos agressivos como sempre que faziam seus joelhos tremerem os jogando ao chão.

Depois de mais de dez anos a colônia dos insetos se tornara uma lenda entre todas as nações, um exemplo de como dever-se-ia liderar. Tantos outros reis tentavam imitar o exemplo de I’gruk, acabar com a fome e tentar um dia tornar-se aquela lenda, ou algo parecido, mas nenhum obteve sucesso.

Ao mesmo tempo I’gruk também já não surgia a quase dois meses, ou mesmo o alimento começara a sessar. A religião formada a tempos envolta da colônia se tornara algo gigantesco, mas naquele ponto todo começavam a suspeitar.

A invasão a colônia veio naquele mesmo ano, liderada pelos próprios povos moradores dos arredores dos muros. Dentro dominaram facilmente diversos insetos enquanto marchavam até o gigantesco castelo de I’gruk.

O poderoso monarca já não estava em seu auge, todo seu corpo estava em decomposição, sua couraça um dia brilhante estava em pedaços grudados no corpo, e até mesmo os agressivos olhos vermelhos estavam acinzentados.

Dois guerreiros mais antigos, lideres daquela revolução chegaram a se inclinar em reverencia a I’gruk, porem se postaram a frente do monarca, mesmo em respeito precisavam de resposta.

- Porque? Porque nos abandonou depois de tanto tempo? – Disse o primeiro.

- Nos o amamos, nunca abandonaríamos o senhor. – Disse o segundo.

I’gruk parecia sorrir por de traz de suas presas.

- Não sou um líder a ser venerado, nem mesmo um líder a ser lembrado. – Sussurou quase não podendo ser ouvido I’gruk.

- Sua humildade é deveras sua maior virtude meu lorde. – Disse um deles com lagrimas nos olhos.

- Se assim o é, lhes peço com carinho, meu pedido em leito de morte. – Indagou I’gruk desfazendo a posição de meditação e demonstrando sua enorme estatura pela ultima vez quase retornando a sua antiga e pomposa visão do passado.

- Daria minha vida sem problemas pelo senhor. – Disseram em coro os dois guerreiros.

- Protejam meus muros, pois eu não sou um líder, não sou um rei, não sou um inseto. Eu sou a colônia. – Disse I’gruk se deitando em sua cama e falecendo.

Nenhum daqueles guerreiros iriam fazer diferente daquilo, a partir de I’gruk a colônia ganhava proteção fora dos muros e dentro, em troca migalhas eram dadas aqueles seres que seguiam uma religião.

Ora! I’gruk foi um monarca de visão. Entendia a fraqueza do reino dos insetos como nenhum outro rei percebeu, seus vizinhos em expansão cada vez mais ficavam mais fortes enquanto os insetos quase não se desenvolviam. Arquitetar aquele plano exigia que a mente coletiva vivenciasse o pior dentro da colônia.

O alimento era o bastante para acabar com a fome dentro da colônia, mas nunca o bastante para alimentar dentro e fora. Ou seja, para manter aquela aparência que tudo estava perfeito, que os insetos viviam em um pleno e perfeito paraíso, em controle coletivo, I’gruk, fez com que insetos se alimentassem de insetos, irmão comeria irmão, pai comeria filho, amigo comeria amigo, e assim por diante.

Os próximos reis de mente coletiva nunca mencionaram sobre aquele segredo guardado tão bem e conhecido apenas por poucos. O que salvou os insetos de viverem sem a colônia foi uma ideia ousada de um líder de sangue frio, que até hoje é lembrado por alguns como um Deus, o Deus I’gruk, que acabou com a fome de todos.

Scadelli
Enviado por Scadelli em 06/02/2018
Código do texto: T6246969
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