Unicórnios existem

E tendo sido avistado na floresta um unicórnio, criatura dotada de propriedades mágicas, decidiu o senhor de Plonta, Jaquet D'Airelle, organizar uma caçada ao animal. Um grupo de batedores, com cães e cavalos, deveriam acuar o unicórnio, de modo que ele tivesse que dirigir-se ao ponto onde uma virgem estaria sentada, aguardando sua chegada. Unicórnios, como é de conhecimento público e notório, só podem ser capturados por virgens. Incumbido da missão de providenciar a isca, o mestre dos estábulos, Aubert L'Hernault coçou a cabeça (e não era por causa de piolhos).

- Mas serve qualquer virgem?

- De preferência uma que seja bonita - ponderou o senhor de Plonta.

E assim, L'Hernault foi conversar com uma de suas sobrinhas, Emmelot, moça formosa de longas tranças louras.

- Mas... o que eu vou ter que fazer exatamente, tio? - Questionou a moça, apreensiva.

- Você vai ficar sentada numa cadeira de braços, debaixo de uma árvore no campo, penteando os cabelos.

- E quando o tal unicórnio chegar, o que eu faço?

- Ele vai perceber que você é virgem e vai se deitar aos seus pés... colocar a cabeça no seu colo. Você canta para ele e espera que durma. Então, chegam os caçadores e o capturam. Simples, né?

- É, falando assim, parece simples. Só tem um pequeno problema.

- Você acha que vai ficar com medo na hora em que o bicho aparecer?

- Não. O problema é que eu não sou mais virgem.

L'Hernault coçou a cabeça.

- Bom, então acho que vou ter que apelar para o plano B...

* * *

Guimart Desprez, chefe dos caçadores, já estava dando a busca do unicórnio como infrutífera, quando ouviu gritos de mulher vindo da orla da floresta. Era o local onde estava a isca, Emmelot!

- Rápido! - Sinalizou para seus batedores, esporeando o cavalo.

Ao irromperem pela borda da floresta, viram a jovem de pé, descabelada, junto à árvore sob a qual estivera sentada até então. E, encravado no tronco da mesma, um longo chifre espiralado.

- O que sucedeu aqui? - Indagou Desprez, apeando do cavalo.

- O unicórnio! - Bradou Emmelot, torcendo as mãos. - Ele saiu galopando da floresta e veio em minha direção! Apesar das palavras do meu tio, de que a besta seria rendida pelos meus encantos...

- Virgindade - corrigiu Desprez.

- Virgindade, que seja... pois assustei-me com sua figura portentosa e no instante final, levantei-me da cadeira e me escondi atrás do tronco. Fechei os olhos, senti um grande abalo, e quando me arrisquei a olhar, o animal havia desaparecido. Então, clamei por ajuda!

- Parece que o unicórnio não conseguiu parar à tempo e enfiou o chifre na árvore - avaliou um dos batedores de Desprez, Crespin.

- Um unicórnio sem um chifre é só um cavalo... provavelmente não poderemos reconhecê-lo até que outro chifre nasça - avaliou Desprez. E, fazendo um sinal para seus homens:

- Vamos retirar esse chifre com cuidado, e levá-lo para o senhor de Plonta. Afinal, serve como prova de que unicórnios existem!

* * *

À noite, Emmelot recebeu a visita do seu tio, que havia ido lhe agradecer pela grande interpretação.

- O senhor de Plonta ficou tão satisfeito, que vai permitir que você escolha um dos filhos dele para se casar.

- Qualquer um dos filhos? - Indagou Emmelot esperançosa.

- Menos o primogênito, que este vai herdar as terras.

- Ah.

E, tentando disfarçar a decepção, acrescentou:

- Mas, onde arranjou aquele chifre de unicórnio, tio?

- Foi herança do meu avô paterno, Boniface. Ele roubou de um viking, muitos anos atrás... guardou porque imaginou que um dia poderia ser útil.

- Chifres de unicórnio são muito valiosos, tio - emocionou-se Emmelot.

- Pois pense nele como o seu dote - respondeu L'Hernault, piscando um olho.

- [06-03-2018]