TORMENTA EM ALTO MAR

O luar prateado resplandecia, por entre os coqueiros, iluminando a exuberante colônia de pescadores: Mar de Aventuras, um local aconchegante, com casinhas em cores diversificadas, muita relva verdejante nos arredores e um vasto oceano, onde se abrigam várias espécies de animais marinhos; uma torre onde um farol servia de orientação aos navios e barcos, para que não colidissem com os enormes rochedos semissubmersos. A pesca é o meio de sobrevivência, predominante, dos moradores daquele lugarejo.

Em uma noite primaveril, fascinante... O jovem Antônio, homem determinado em seu ofício de pescador, estava se preparando para mais uma noite de trabalho ao mar; conferia o barco, na parte interna e externa, conferia, também, as velhas redes; certificando-se, pessoalmente, se tudo estava sobre controle, ao lado de seu cachorro Totó, companheiro das lidas diárias, que era tão importante na pescaria quanto uma pessoa humana. (Sabe-se que os animais possuem sentidos muito mais aflorados que os humanos e, graças a eles, podem captar o que está para acontecer com o clima, de forma antecipada). Antônio, logo pensou: “Com um luar deslumbrante assim, a pescaria promete.” Respirou fundo, enchendo os pulmões do ar impregnado pelo forte aroma da maresia. Observou o mar: somente calmaria. Finalizadas as tarefas de preparação, se deitou na areia fina da praia de São Miguel dos Milagres, pretendendo descansar um pouco, enquanto aguardava seus amigos de empreitada: José e Paulo. Preocupado, ele precisava ter êxito na pescaria, naquela noite, pois que seu, pouco, dinheiro em caixa não daria para pagar os compromissos e para comprar o essencial para a família, pois o que vinha do mar era a sua única fonte de renda. Sentiu o coração apertado, palpitante... Com as pálpebras semicerradas, pelo peso do cansaço que se transformava em sono, entrevia o brilho do planeta Vênus, tão próximo à lua, que parecia um rebento, ou uma extensão dela mesma... de repente, o pequeno planeta se agigantou em uma onda enorme que investia sobre ele e seus amigos. Rosnavam os ventos sobre seus braços, que tentavam segurar o leme, e se transformavam em espumas e granizo, que atacavam sua pequena embarcação e seus companheiros... Assombrado, quedou-se, de joelho, sobre o convés, e implorava aos Céus: “Piedade! Não deixem que eu morra sem que meus filhos estejam criados; antes que possam ser ‘donos de seu próprio nariz’, quando possam cuidar de si mesmos e de suas proles” ... De repente, um clarão rasga o céu... ainda, por isso, com maior pavor, imaginava ser o fim de tudo; onde um raio o exterminaria; mas, em meio ao clarão, viu uma figura branco/reluzente, que lhe dizia: “Força e Fé! Deus não desampara os humildes, que colocam nele sua confiança e sua vida”! Pasmo, ouviu outra voz, dessa vez conhecida, que chamava: “Toinho, deixe de folga! Já se faz hora de nos lançarmos ao mar!” Abriu os olhos e viu que era o José, ou o “Zé Precata”, como costumava chamar, pois que sempre andava calçado com uma chinela de couro cru...

- Cê tá parecendo assombrado, companheiro... Disse, em seguida, o Zé Precata...

- É que estava em um pesadelo, onde nós sofríamos muito, sob uma tormenta violenta...

- Bobagem... Sonhos sempre acontecem ao contrário... e vamo-nos logo, hoje, a noite promete, quando temos Lua Cheia, a luminosidade, mais intensa, faz com que os peixes subam para mais próximo da superfície, o que nos facilita a captura. Dizia Paulo, que chegara junto com o Zé.

Mesmo ressabiado, Toinho ajudou seus companheiros a colocar o velho barco no mar e, seguiram para mais uma noite de aventuras, como foram a suas, inúmeras, pescarias. Já bem afastados da costa, de onde não mais viam o brilho das lâmpadas do povoado, Totó começou a latir, como se em desespero; então Toinho começou a perceber que o mar estava ficando agitado e que, grossas, nuvens começavam a tingir de negro o horizonte. Era sinal de tempo ruim! Logo começou o vai e vem das maretas, e o agigantar das ondas... ficando, cada vez mais, complicado manter o barco no prumo. Totó latia sem parar... Com as ondas altas, o barco poderia se deixar à deriva, com perigo de se afastar para uma zona desconhecida e perigosa... O desespero, quase ao pânico, dos pescadores, se tornou visível...

Toinho assumiu o leme, mesmo sabendo que, em meio à uma tempestade, ele se torna obsoleto... Chamou por seus companheiros, mas não ouviu nenhuma resposta... A cortina de água que se formou dificultava sua visão, a ponto de não poder localizar nada, nem seus companheiros... Mais ainda se afligia, pois, sendo o barco velho, era provável que não suportaria uma tempestade duradoura. Segurava o leme com toda a força que lhe era possível, para que não girasse, à deriva, e perdesse o rumo definido... De repente, surge à frente uma onda gigantesca, mas, antes que atingisse a proa do barco, um clarão turva a vista do pescador... Gritou pelos companheiros, e nada... nem o Totó ouvia latir... Quedou-se, ajoelhado, assombrado e temeroso, sobre o convés... e, naquela posição, voltou-lhe a visão do sonho na praia... Ajuntou as últimas forças e, com lágrimas e suspiros, elevou aos Céus seus pensamentos e, como nos sonhos, repetiu: “Por piedade, não me deixem morrer antes de ver meus filhos criados e felizes!”

Em instantes as chuvas foram ficando amenas e, a neblina, aos poucos, desaparecendo. Ouviu Totó latir de novo. O barco ficou no prumo novamente. Olhou para todos os lados à procura dos amigos, avistou-os, inertes, abrigados embaixo de uma lona antiga. Disse-lhes:

- Amigos chamei por vocês, e por que não responderam, e nem foram em meu socorro?

- Tudo estava pavoroso, sentimos muito medo e nos escondemos aqui. Respondeu Paulo.

Vamos voltar para casa ou continuar com a pescaria? Perguntou, ainda atônito, o Zé Precata.

Retorquiu-lhe Toinho:

- Vamos manter nossa pescaria pois, apesar das chuvas, é importante lembrar que a pesca pode ser tão produtiva como em dias de luar intenso. Vamos esperar mais um pouco e, jogaremos as redes ao mar... Ânimo! Creio que os Céus estão conosco... e intercederão a nosso favor!

O mar se fez calmo, como nunca antes visto, e os amigos lançaram as redes, que retornaram, quase a se romperem, lotadas de peixes. Um largo sorriso voltou à face rosada de Antônio que, agora, sabia que os Céus não desamparam os humildes, aqueles que põe a Fé à frente de suas vidas.

Caia a temperatura, quando o sol resplandeceu no horizonte. Era hora de voltar para casa... Os samburás cheios de peixes, definiam o êxito da pescaria... Agora, tranquilos, pois já havia meios de sustento para as famílias; por um bom período...

Assim é o Mar, a praia, as chuvas, os ventos, a Lua, o Sol... Obedientes e crentes... com Deus e em Deus!

Elisabete Leite – 04/03/2018

Elisabete Leite
Enviado por Elisabete Leite em 11/04/2018
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