A guerra pela água

O oficial da SS sentou-se numa das primeiras carteiras da sala de aulas vazia, perante a mesa do professor - Werner Heinsenberg em pessoa, prêmio Nobel de física de 1932 - como um aluno pronto para ser sabatinado numa prova final. Mas, na verdade, era Heisenberg quem estava ali para ser sabatinado.

- Inicialmente, Dr. Heinsenberg, - começou a falar o oficial, muito alinhado em seu elegante uniforme cinza-esverdeado e botas negras meticulosamente engraxadas - gostaria que soubesse que minha presença aqui, hoje, faz parte da investigação, ora em curso, sobre influências judaicas na física alemã. Dependendo da minha apreciação sobre nossa conversa, poderá haver ou não uma sindicância a seu respeito envolvendo o uso de aspectos proscritos pela ciência do Reich.

Heisenberg apenas ouviu, em silêncio, sem mover um músculo do rosto. Finalmente, pronunciou uma única palavra:

- Prossiga.

O oficial puxou um bloco de notas e um lápis de um dos bolsos superiores do unifome. Começou a ler as próprias anotações.

- O senhor tem sido acusado pelo seu colega, Dr. Philipp Lenard, de ser um "judeu branco", um ariano que apoia ideias científicas judaicas. Isso corresponde à verdade?

Heinsenberg deu de ombros.

- Não há isso de "ciência judaica" ou "ciência alemã", há apenas ciência. Que um prêmio Nobel como o Dr. Lenard advogue esse tipo de ideia, é extremamente perturbador para mim.

- O senhor não está me ajudando, Dr. Heinsenberg.

Heinsenberg juntou as mãos sobre a mesa.

- Vamos colocar de outra forma, então. Por razões políticas, removemos todos os judeus da academia, e eles, mais do que depressa, foram colocar seu conhecimento a serviço de nossos adversários. Não estou dizendo que não tenhamos alemães de puro sangue ariano capazes de substituir os professores e cientistas judeus que se foram, mas devo ressaltar que misturar política e educação, principalmente quando se trata dos níveis de ensino superiores, pode ser desastroso para o Reich.

- Os judeus eram má influência, Herr Professor - atalhou gelidamente o oficial.

- Se um gato é preto ou branco, não importa, Herr Sturmbannführer, - retrucou secamente Heisenberg - somente interessa é que pegue os ratos. O que as ideias contracientíficas de Lenard trouxeram como ganho ao esforço de guerra do Reich? Além das vendas do seu livro sobre "física alemã", quero dizer?

O silêncio do oficial da SS foi resposta suficiente. Sentindo-se encorajado, Heisenberg prosseguiu:

- Pois então, vamos ver como a "ciência judaica" de um "judeu branco" pode ser útil à Alemanha: energia nuclear. Em cerca de cinco anos, com o financiamento adequado, poderemos dotar o Reich de uma arma definitiva: a bomba atômica.

O oficial da SS remexeu-se na cadeira, parecendo interessado no rumo da conversa pela primeira vez.

- Nós não temos cinco anos, Dr. Heinsenberg - declarou finalmente.

E, perante o ar de decepção do professor, acrescentou:

- Mas no que esta bomba atômica difere de uma bomba convencional?

Heinsenberg separou as mãos.

- Uma única bomba atômica poderia destruir uma cidade inteira... como Londres... ou Moscou. E se tivermos foguetes capazes de lançá-las sobre o alvo, sequer precisaremos enviar bombardeiros.

- Do que precisamos para começar a produzir estas bombas, Dr. Heisenberg?

- Combustível nuclear. E um item básico para a produção deste combustível, é água pesada. Coincidentemente, neste exato instante, há uma fábrica produzindo esse produto... se estivesse sob nosso controle, poderíamos incrementar sua produção para adequá-lo ao esforço de guerra do Reich.

- A fábrica não está na Alemanha? - Indagou o oficial.

- Noruega.

- A Noruega é um país neutro... - ponderou o oficial. - Mas se isso pode nos ajudar a construir a tal bomba atômica, creio que teremos que invadi-la.

E assim foi feito.

- [13-04-2018]