A toalha xadrez
Marco morava em Zagreb fazia tanto tempo, que até mesmo alguns dos seus clientes habituais o tomavam por croata e escreviam seu nome como "Marko". Marco - ou Marko, como queiram - era proprietário de uma tradicional "trattoria", fundada poucos anos depois que abandonara sua terra natal após a tomada do poder pelos fascistas de Mussolini. Em Zagreb, ele trabalhara como garçom, cozinheiro, e finalmente, abrira seu próprio negócio, a simpática Trattoria Zagabria. Embora fosse católico, casara-se com uma sérvia ortodoxa, Jana, com a qual teve dois filhos, Imanuel e Nikola. A família trabalhava em conjunto na condução do negócio, e tudo ia relativamente bem até que estourou a II Guerra Mundial.
- Eu sou italiano - comentou Marco com seus amigos croatas mais próximos. - Então, não há o que temer. Os italianos apoiam a independência da Croácia, como sabem.
Achou melhor omitir que ele, Marco, não era exatamente um simpatizante do governo italiano. E, em 1941, a situação tornou-se ainda mais delicada com a invasão do Reino da Iugoslávia pelos nazistas, os quais imediatamente transformaram uma organização terrorista, a Ustasha, em seus prepostos no estado-fantoche da Croácia Independente.
- Não muda nada - assegurou Marco à sua família, tentando soar convincente aos próprios ouvidos. - Hitler e Mussolini são aliados, eu sou italiano... ninguém vai nos incomodar.
Mas houve incômodos. Em primeiro lugar, a Ustasha, composta por católicos ultra-nacionalistas, possuía uma lista de "inimigos da Croácia", encabeçada por sérvios ortodoxos e seguida por maçons, judeus - e comunistas. Um cliente de Marco, burocrata governamental, deu-lhe um conselho precioso:
- A sua esposa é ortodoxa? Faça com que se batize no catolicismo, o mais rápido possível.
Marco assim procedeu, e acreditou que o pior já passara quando, em certa manhã, atendeu o telefone da cantina.
- Alô?
Do outro lado, silêncio; em seguida, a ligação foi cortada. Marco engoliu em seco e chamou a esposa, que estava na cozinha.
- Jana... eu atendi o telefone com "alô" - sussurrou ele, limpando a testa com um lenço amarrotado.
A mulher cobriu a boca com ambas as mãos, aterrada. Marco guardou o lenço no bolso, dando tratos à bola para saber o que faria para sair daquela situação comprometedora. Olhou ao seu redor, para o salão da cantina, ainda vazio, e subitamente teve uma ideia.
- Vamos trocar todas as toalhas das mesas!
Jana o encarou como se ele tivesse enlouquecido, mas Marco insistiu:
- Rápido, mulher, antes que cheguem... coloque as toalhas novas, que eu mandei fazer!
E, quando um tenente do Exército da Croácia Independente e dois soldados entraram na cantina, Marco procedeu segundo o seu plano. Com um imenso sorriso, saudou os militares:
- Za dom spremni!
- Za Boga i poglavnika svoga - retrucou o oficial, encarando-o de cima a baixo.
- Uvijek spremni! - Reiterou Marco, sempre sorridente.
- Marco Coglianese? - Indagou finalmente o oficial.
- Sou eu mesmo - Marco levou a mão ao peito.
- Recebemos uma queixa contra o seu estabelecimento, mais cedo... - informou secamente o tenente. - Uma ligação do Departamento de Propaganda para cá, foi respondida com "alô". "Alô", como sabe, é uma saudação estrangeira e servil, que deve ser substituída por "spremni".
E, para estar ali acompanhado de dois soldados, Marco sabia que a punição poderia ser até mesmo o confisco imediato do seu aparelho telefônico.
- Houve um grande mal-entendido, tenente. Efetivamente, eu usei a palavra citada, mas unicamente porque estava esperando a ligação de um cliente estrangeiro, e, como ele não fala croata, usei um termo que ele compreenderia.
- Então... falou "alô" porque imaginou tratar-se de um cliente estrangeiro? - Inquiriu o oficial, desconfiado.
- Pois foi o que aconteceu, tenente - prosseguiu Marco. - Embora seja italiano... e como tal, um amigo da Croácia, sou também um fervoroso nacionalista. Tanto que mandei fazer novas toalhas para minha cantina...
O tenente voltou sua atenção para as mesas. E todas elas estavam cobertas por toalhas xadrez, em vermelho e branco, o mesmo padrão do brasão da Croácia.
- Bem... por essa vez, passa - disse o oficial finalmente.
Fez sinal para os soldados, e antes de sair, virou-se para trás e indagou, em expectativa:
- Za dom?
- Spremni! - Foi a pronta resposta de Marco.
- [11-07-2018]